As Borboletas Não Choram

A lagarta sonhava no casulo, enquanto sua mãe a gestava. A criança viu a luz, quando a borboleta voou. No voo solitário, a criança crescia em meio aos livros e histórias, na literatura dos pais.

Bela, sonhadora, porém incompleta. Na adolescência ela chorava. O pai a confortava: as borboletas não choram! Mas ela chorava. E chorou até a alma sorrir ao vê-lo. Belo rapaz, pele clara, pálida. Cabelos negros, lisos, compridos. Olhar vago, quase triste. Modos suaves como o voo de borboletas. Conheceram-se no outono, numa noite sem lua. Voaram em sonhos, durante quatro anos. Ela seria bailarina, ele, ainda não sabia, mas juntos voariam pelo mundo, em completude de corpo e alma.

Num inverno cinza, sem explicação ele rumou para a ponte do centro da cidade. O rio estava cheio. Ele não tinha motivos, ou se os tinha, ela não os conhecia. Se havia motivos, ele os levou consigo, ponte abaixo.

Desolada, todos os dias ela ia vê-lo, e la de cima, na ponte, o via voar sobre as águas do rio, junto com as borboletas. Houve motivos? Existiria outra vida? As borboletas não falam...

As águas mansas abrigavam a lua, quase todas as noites. Ela preferia ver a lua olhando para baixo. Não conseguia mais olhar para cima... Haveria porquê? A ponte tornara-se seu palco, e apenas seu vestido dançava na brisa da noite... Seria dele o choro que se ouvia às proximidades do rio? Ou seriam dela? As borboletas não choram...

Todas as manhãs, ela joga no rio um pedaço de seu pão, para que ele não sinta fome, e atira metade de seu iogurte, para que ele não sinta sede... Aos finais de semana, atira lápis, grafite e papel, para que ele continue com seus desenhos... As borboletas ficaram cinzentas...

Num ato de amor, no frio do inverno jogou-lhe seu cachecol, para que ele não morra com o frio, e cantou-lhe uma canção de amor, para aquecer-lhe a alma, e para que ele não se esqueça dela, e não pense que ela o esqueceu. Sim, ela o espera... Será que ele a espera?

Ela não vai mais à igreja, os anjos tornaram-se invisíveis. Existe Deus? Porque as borboletas morrem? Para onde voam? Tornam-se de novo lagarta? A morte dança como a vida?

Naquela noite sem lua, as águas do rio estavam negras como o céu. Vestida como naquela noite em que o conheceu, ela dançou sobre a ponte. Dessa vez ele não aplaudiu, não sorriu, não tomou-lhe nos braços, não disse que ela era ela a mais bela das bailarinas... Pela primeira vez desde ‘aquilo’, e finalmente, ela conseguiu chorar... Será que as borboletas choram?

Das lágrimas que rolaram-lhe à face, uma desceu ponte abaixo, e na superfície do rio, seu amado desenhou-lhe uma borboleta... Sim, ele estava ali! Entre a ponte e o rio, a borboleta voou: ela foi ao seu encontro. Dançou nos ares, em alegria e saudade... Os braços de seu amado a esperavam. No abraço das águas, em desespero ela o beijou. A madrugada fez silêncio e o dia amanheceu em paz. Sobre as águas do rio, voaram duas borboletas...

Nota: Não houve ninguém que a chorasse, pois naquela líquida morada eterna, somente borboletas passeiam, e as borboletas não choram...

Eron Levy
Enviado por Eron Levy em 10/10/2013
Código do texto: T4518857
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