Noite Ancestral
O Sol já se põe e as cores do ocaso enfeitam o céu no ocidente. Contemplo, sereno, o fim do dia. Diante de mim, uma trilha sinuosa atravessa a floresta escura. Não posso negar minha ligeira hesitação. Contudo, por onde eu deveria seguir? Algumas escolhas não podem ser evitadas.
Atrás de mim existe apenas um rastro de destruição. Corpos despedaçados oferecem banquete aos corvos do esquecimento. Um homem velho e decrépito jaz ofegante e agoniza. Quem se importa com ele?
Ele clamou aos Céus, mas estes emudeceram. Sua ruína era inevitável, pois não servia sequer a si próprio. Luzes efêmeras ofuscaram sua visão, mas não lhe deram norte. Luzes fátuas não resistem à escuridão ancestral.
A trilha serpenteava entre as árvores. Dei o primeiro passo e segui... Tive a sensação de mergulhar no passado, num passado que deveria ser esquecido. Prantos e lamúrias eu ouvi. Percebi sombras, fantasmas perambulando entre as árvores enquanto tentavam esconder-se de minha presença. Pobres criaturas! Vidas desperdiçadas que agora não passam de fragmentos de sonhos tolos, promessas não cumpridas e desejos frustrados.
Caminhei sem a noção do tempo. Enfim, encontrei uma clareira e uma cena que me encheu de assombro: vi o tronco de uma árvore caída e nele estava sentada uma dama. Detive-me por alguns instantes. Senti-me temeroso e, ao mesmo tempo, encantado. Era belíssima; trajava um vestido negro que parecia ser da era vitoriana. Sua pele era branca e muito pálida e seu rosto um hino à perfeição. Tinha mãos delicadas e seus cabelos longos e negros caíam suavemente sobre seus ombros. Enfrentei o temor e me acerquei dela lentamente. Meu olhar descansou em seus olhos e me senti hipnotizado – os olhos são as janelas da alma e aquela dama me tocou profundamente com seu olhar. Com voz serena e deliciosa ela me disse:
– Longa foi tua jornada. Esperei por ti com infinita paciência. Senta-te ao meu lado e dá-me a alegria de tua companhia.
Sentei-me e a formosa dama tocou meu rosto. Suas mãos, embora delicadas, eram frias, mas isso não me incomodava. Ela se aproximou de mim um pouco mais e me beijou. Naquele momento minha tristeza me abandonou e deu lugar à serenidade. Estávamos numa região desolada e, não obstante, eu sentia paz. Ali o tempo parecia não existir. Tomado por um sentimento de ternura, exclamei:
– Que espera tão perversa! Mas te encontrei finalmente.
– O caminho continua além desta clareira, por entre as árvores – respondeu minha amada. – Ele nos leva para fora deste bosque, onde a escuridão não causa lamentos, mas oferece seus tesouros ocultos. Deverás fazer uma escolha: seguir comigo ou retornar trilhando a mesma via pela qual vieste. Depois de escolher, não poderás voltar.
Assim, despedi-me daquela morte que eu chamava vida e o tempo parou. Penetrei, então, com meu amor, na negrura da noite ancestral...