Suicídio Diário
A madrugada se aproxima silenciosa, fria, assim como o seu coração que congelara há muito. O vento gélido sopra na janela, uivando cânticos melancólicos. Você está sozinho com seus pensamentos, isto lhe perturba, e a noite apenas começou... O tempo parece lutar contra você, correndo ao contrário à sua linha futura, fazendo os minutos durarem horas. Você resolve sair pra olhar as estrelas e tentar esquecer um pouco a vida. Minutos se passam. Você se identifica com a poluição que engole as estrelas, ofuscando a refulgência de vossas existências. Assim é a sua vida, uma poluição que intoxica o brilho nos olhos das pessoas que o cercam, causando males e tristeza a quem decide te ajudar.
Uma estrela cadente corta o céu desparecendo na negridão do universo. Você observa toda a natureza com pesar, tamanha beleza ofuscada pela penumbra cinza de um homem sem vida. Seus olhos agora lutam para que as lágrimas não jorrem, pois o desejo de sumir de si mesmo torna-se sufocante. Você busca memórias boas de um tempo distante, tão distante que parece nunca ter existido, a utopia de um mundo lindo perdido no limbo do inconsciente. Pra onde fora a criança feliz quem um dia habitou vossa carcaça biológica? Que tinha o brilho da vida nos olhos e amava a redolência das rosas que um dia tanto apreciou? Todos... todos perdidos, caindo no vazio abissal de seu ser.
O frio parece aumentar, as finas penugens do rosto se eriçam lentamente, agulhadas são fincadas em sua carne enrijecida pela friagem cortante. Você não se incomoda, pois se tornou o próprio frio...
Você volta para seu quarto, o lugar onde passa a maior parte de seu tempo, sua carapaça que te faz sentir seguro, longe da hostilidade de um mundo sem salvação. O luto abre portas ao escuro e a inércia, a vontade de nada fazer lhe consome por completo. Pensar demais o leva a enxergar sua condição miserável como ser. Você tenta afastar os pensamentos, mas eles já cravaram em sua alma, são partes que se complementam para dar forma àquilo que você chama de existência... “Como cheguei a tal estado” você pensa. Nem mesmo se lembra, tal estado de inércia parece lhe dar a sensação de que sempre fora assim, a percepção de um mundo lindo se fora há muito, talvez nunca tenha existido, e o passado somente seja um sonho que lhe assombra todas as noites. "Como um homem que possui tudo na vida pode ser tão vazio, frio e indiferente?" Você não sabe, talvez seja o mundo, ou você, provavelmente as duas coisas...
A dor lhe corta o ser, despedaçando a essência do que um dia você chamou de vida... mas você não se importa, pois se tornou a própria dor...
Você se deita na cama, fitando o que parece ser o teto, mas sua visão está longe de toda existência, na busca pela paz profunda que reina no seio do nada. Seus lábios tremem de dor e os olhos se enchem d'água. Agora a represa que continha os pensamentos fora rompida e o pesadelo do qual não pode acordar parece não ter fim. Uma pequena lágrima rola pelo canto esquerdo do rosto, trazendo consigo outras milhares que jorram torrencialmente. Chore, afogue-se em no seu mar morto, pois nada mais tens a fazer do que esperar a infinidade da noite terminar para assim repetir o filme de cada dia. Aproveite enquanto possui lágrimas para lamuriar-se, pois, logo eis que a fonte secará. Você se tornou tão infeliz que pra passar o tempo, você chora....
Você pensa na morte, e a imagina acalentando-o em seus braços invisíveis, para trazeres a paz que não encontra neste lugar. Um sorriso brota em sua face, talvez o sorriso mais sincero que é capaz de ostentar nos últimos tempos. Você ri e espera, se matando todos os dias...