Noite de lua minguante
Na solidão do meu quarto
Não muito mais que uma cama desarrumada
E alguns eletrônicos espalhados
A TV já não preenche como antes o vazio de minha alma
Encolhida pela solidão sempre crescente,
Sei que a solidão é um estado de espírito
Você nunca é sozinho,
Mas sim está sozinho
Porém esta solidão parece ter se instalado permanentemente
Não dando espaço para nenhum outro sentimento florescer.
A lua minguante brilha no céu
Numa lúgubre noite de outono
Sua luz semiescondida pela névoa
Brilha através da janela empoeirada
Mas não tenho ninguém para compartilhar sua beleza;
Observo-a, até que finalmente é totalmente encoberta,
Até mesmo a lua me abandonara.
Vejo uma tesoura me observando da escrivaninha
Parece-me tão amistosa como ninguém jamais foi
Sinto que ela e somente ela,
Tirando-me desse mundo de ódio e desprezo
Traria-me liberdade e solução,
Tornar-me-ia um fardo a menos para a sociedade
Que reciprocamente nunca me dera importância
Aliás, nada me dera além de olhares oblíquos,
E uma vida monótona e vazia de sentimentos.
Então começo a escutar uma balada antiga em meu celular
A música era uma das poucas coisas que podia alegrar-me
Mas não desta vez
E lentamente pouso a lâmina em meu braço
Olhando novamente a fúnebre janela esfumaçada
Fecho os olhos enquanto dou meu solitário adeus ao mundo
O inferno parece-me acolhedor
Não podia ser tão pior que este mundo de hipocrisia
Num excesso de raiva penetro o objeto mais fundo do que pretendia
Respiro fundo sentindo o metal perfurar pele e carne
A dor física era como morfina para a alma
Que sabe que num minuto estará livre de seu sofrimento
E poderá fugir para algum melhor
O sangue quente escorre pelo meu braço esquerdo
Misturando-se ao preto da camisa
Enquanto minha sanidade se esvai aos poucos
O grito de dor não consegue sair de minha garganta
Tento prestar atenção na letra da música
Para não perder a consciência
E aproveitar meus últimos momentos
A música é calma com uma bela melodia
Sua letra que ironicamente fala sobre juntar forças e lutar
Penetra em meus ouvidos e tenta me convencer
De que o mundo não é assim tão ruim
E que eu poderia mudar minha vida se assim desejasse.
A lua minguante reaparece no céu
Sempre fora minha fase da lua favorita
Mais brilhante do que eu nunca me lembrara na vida
Enquanto minha visão se escurece aos poucos
O mundo já não parece mais tão imundo
Sinto que posso fazer as coisas serem diferentes
Posso dar ao mundo uma nova chance
Uma chance de amar e ser amado como nunca fui
De procurar alguém que pudesse me entender
E dividir meus sentimentos
Minhas tristezas e raras alegrias
Porém já era tarde demais
Com as últimas forças que me restam
Tento pressionar um lençol contra o pulso
Mas percebo ser em vão
Ao ver o lençol branco tornar-se rubro de sangue
A balada é interrompida pelo som penetrante do celular vibrando
Quem teria ligado jamais saberei
Olho para o céu e vejo mais uma vez
A lua dando-me seu último adeus
Desvanecendo-se atrás de uma nuvem
No mesmo passo que minha alma deixa do meu corpo
Sem deixar sonhos ou legado ou mesmo um bilhete
Saudades com certeza não deixarei
Porém deixo o arrependimento
Arrependimento de não ter aproveitado a vida
E ter amado como nunca amei,
E assim me despeço desse mundo
Numa noite de lua minguante.