Mais Um Dia Normal
Cá estou eu, lamentando em vão novamente a tua perda. Tuas marcas ainda estão presentes em meu rosto lavado de lágrimas, meu corpo coberto de sangue, em minha memória, que me faz ver teu rosto em todos os lugares, e em meu coração, que a cada batida sente as feridas incuráveis que tu deixaste de herança.
Enquanto ponho a navalha de lado, meu corpo se contorce em uma agonia lenta que talvez venha dos cortes, mas talvez venha só da alma esfarelada que me restou, se esfarelando ainda mais. O sangue não para até que eu coloco uma toalha sobre ele e aperto, causando uma dor aguda que quase me faz romper o silêncio da madrugada. Com meu grito devidamente sufocado em minha mão, retiro a toalha vermelha e meço os estragos.
Um corte profundo de quatro dedos generosamente abertos na lateral exterior da minha coxa direita. Não será fácil esconder e, com certeza, será impossível esquecer. Também, como esquecer algo gravado em você com marcas profundas? Me diga, como esquecer que uma parte de ti foi dilacerada? E eu não estou nem mais falando do corte.
Levanto do chão do banheiro e pego o esparadrapo e a gaze. Mais um curativo, mais um machucado que aparece misteriosamente durante a noite. Desde a tua partida tem sido assim. Uma ferida atrás da outra, na vã esperança de que a ferida da tua partida cicatrize com a minha pele. Vã, sim, pois nada te arranca daqui, de dentro de mim, nem mesmo uma chuva de sangue.
E enquanto eu limpo o banheiro, lavo as toalhas e coloco tudo no lugar, ainda dói, eu ainda sangro por dentro e por fora. Mais um dia normal.