Em memória dela

Ela chorava o choro das madrugadas infindáveis e intermináveis as quais rolava sobre sua cama tentando encontrar respostas... Todas já haviam ido embora, e seus pensamentos já confusos, triturados e reverberados sob inúmeras histórias começadas não a ajudavam em nada...

Possuía tantas identidades quanto as estrelas dos céus a se revelarem, a medida que a olhávamos, fixando os olhos, segundo a segundo. Aparecendo e surgindo aos montes, mais e mais. E ao contrário das estrelas, sentia-se sem brilho, ofuscada por lembranças de terras distantes as quais já havia iluminado e caminhado em tantos tempos distantes e longínquos...

Ela estava cansada e ás vezes cogitava que a morte ou ainda o renascimento seriam sem dúvida a melhor de todas as opções. E quando se descrevia, escondia, dentro de si mesma aquilo que não podia enfrentar.

Gotas quentes pingavam pela pela aveludada do rosto. Ela as secava, no intuito de esquivar-se escondendo do mundo a dor e o caos revirando, misturando-se, volvendo-se dentro de si, lambendo suas entranhas, tão poderoso quanto as chamas do fogo a que ela tanto amava.

Garota das estrelas, dos pés descalços, saia de cigana e tantas pulseiras e brincos levados pregados pelo corpo. Sem pudores ela se lançava recolhida ao mundo, demonstrando tanta coragem e ousadia que certas coisas realmente pareceriam inimagináveis a olhos nus....

Então fingia para si mesma e para mundo ser tantos coisas, entrando em jogos perigosos de faz de conta, fingia ser coisas que realmente não era, e no fundo era, um tanto de tantas coisas. Ficava intrigada consigo mesma, dava voltas pela casa, bebia as madrugas, engolindo sapos e lagoas sujas. Tinha coisas preciosas e negras guardadas no coração. Decidindo ser hippie, pedindo ao universo um tanto de pasciencia.

Ela era a mistura e fusão de alguém que teve contato com as coisas mais profundas do mundo, e depois um dia, decidiu queimar todas as suas lembranças e achando que conseguiria, caiu no engano de jogar para de baixo do tapete o passado, tentando refazer o presente, como se nada do que tivesse vivido importasse...

Ondas e oceanos transbordam dentro de si, inundando casas e vilarejos e as próprias redondezas que a circundavam. Sem pudores, sonhava, recolhia, revirava revolta como o mar. Importando sua felicidade que não conseguia mais encontrar após inúmeros traumas e circusncisões.

Tentando aprender a amar, sentia-se tão egoísta quanto as memórias soterradas dos traumas de seus passado. Apreendendo o amor, tentando deixa-lo voar, porque no fundo sabia, que o único verdadeiro amor, é aquele que liberta, deixando-se livre, caso deseje partir, ainda que parta seu coração junto...

Pedaços dela tem se repartido em pequenas e grandes partes, por todas as partes e locais pelos quais tem passado, deixando lastros infindáveis de informações controversas e confusas, devido a enorme diversidade alimentada e carregada dentro de si. Todos os dias repassava tantas lembranças, ainda emaranhas, atreladas a dor de tudo o que amou e abandonou pelo caminho... E sabe aquele momento aonde não existem mais repostas concretas para questionamentos? Desistira de achar suas respostas....

Andava com medo de chamar a Deus, e apesar de saber que só ele poderia entender aquele sofrimento que carregava em seu coração, preferiu se calar. Catou seus pedaços, guardou, e na hora certa daria-os ao pai para ele cuidar.

Semanas atrás havia largado lágrimas naquele samba, cantando alegre, como se nada realmente estivesse acontecido, e o mundo estava bem e no seu devido lugar. Ela sambava e cantava, sambava e lembrava, junto com a música que terminava, tudo o que teve e reteve e a agora escorregava por entre suas mãos.

Sob os holofotes, tanta, tanta gente aparentemente feliz, e aqueles tamborins retumbantes, ela fingia e cantava, chorando em conjunto a cuicas e pandeiros, dissolvendo a dor, o sofrimento... E ia assim, lágrimas nos olhos, coração partido nas mãos, ensaiando passos firmes no chão, erguia a cabeça, elevava os braços em sinal de alegria, sambando o adeus...

O adeus mais doído, é aquele do amor vivido e partido, esquecido, morto por inanição. E não eram só amores homem e mulher sobre aos quais ela se preocupava e remetia. Mas a todos os tipos de amores! Cativava, mas não sabia os manter. Largou amigos, parentes, empregos e amantes pela vida...

E fora assim, a medida que o samba era cantado e apagavam-se as chagas e acendiam-se os candeeiros, tudo ia embora, todas as suas memórias...” Adeus, adeus coração!”

E ela que escrevia compulsivamente desde nova, via agora as linhas que não saiam mais, assistia sua a alma a partir-se, recolher-se triste, tão triste, sufocada, pedindo ajuda, e as pessoas não sentiam, e ela mesma não sabia mais, como pedir ajuda. Enveredando por labirintos reclusos, o coração tão pequeno a espremer-se. Os olhos verdes que tremiam, mãos soadas tentando tocar o mundo em marés cinzas lhes dizendo que tudo vem, tudo se vai... E nem sempre retorna. Nem sempre retorna...

Lembranças turvas, faziam do tempo, um solitário companheiro.

Vento misterioso das madrugadas frescas entre lassadas entre espinhas dorsais, coxas, pernas, coração e alma...

Qual é o problema deste seu sorriso quente circundando geleiras inatingíveis?

Torna-se tão perigoso quando frio começa a mudar de estação... E ela , pequena aprendiz desvinculada e desnaturada, sem saber, em belezas podres de quem já teve mística e magia, alinhados a olhos e corações, sem seus pesos e responsabilidades subsequentes, brincou com as estrelas, reluzindo tão naturalmente... Que ainda que eu dissesse que seu sorriso iluminava a noites não soaria nada clichê...

E então se pergunta: “Se abrir os braços, o peito, o espírito e deixar rios antigos fluírem e transbordarem dentro e fora de mim, unindo-se a afluentes incontáveis seria o mais indicado. Quando o prudente nos parece o mais seguro e tão, tão chato.”

Já conhecia essas terras, e por quanto tempo elas andam secas, sedentas de vida!

E talvez a chegada turbulenta de todos aqueles pensamentos e sentimentos seja sinal dos tempos. Lotus negra insinuando-se ainda sobre si mesmo. O universo se abre, e quando ele convida.... É melhor se estar preparado para se observar no espelho da vida.

Recolheu seus pedaços, saiu pela rua a procura de uma chícara quente de chá, pronta para reconfortar um tanto sua alma já meio perdida, meio rachada, entre fissuras e pandacas...

Quis celebrar um pouco essa coisa inconstante e mutável que é a vida! Decidindo estar sóbria diante das mudanças. Vagabundeando de forma irresponsável e boêmia por caminhos coloridos abrindo-se diante de dela Decidiu não vou mais negá-los! Viesse o que viesse. Mesmo surgindo as coisas mais feias e repugnantes de si mesma.

Quanto a esse medo súbito que lhe vinha de vez em quando, do novo e desconhecido, de estar, de ficar sozinha ah... Fingiu, deixou isso para lá... Novas vidas virão e se sucederão dentro dela, só Deus mesmo para saber por onde esses ventos novos a guiarão... Esse ser tão mutante quanto um calendoscópio de murano advindo das mãos dos mais detalhista dos artesãos.

Ser feliz sempre tinha sido uma escolha, não uma consequência proveniente de acontecimentos. Ai que felicidade deliciosa que não consegue mais sentir na brisa datarde, neste chá já meio morno de ervas frescas.... Ela tinha saudades, tinha saudades de ser feliz.

Em seus momentos, em alguns momentos, podia sentir: Era quase feliz, quase rindo, quase indo, quase nua para vida, quase pronta para ser autênticamente ela mesma... Não, quem dera, ela não estava pronta! Distante mente pronta.

Houveram noites que andara namorando a lua da janela, ela era linda. Impressionante era mesmo como a Lua não parecia abater-se perante nenhum acontecimento. Ela era linda, redonda e deslumbrante e ponto. Dane-se o mundo, ela estava lá e nunca deixara de ser inspiração para quem por ela quisesse ser inspirada.

Sentiu inveja da Lua...

Borboletas dançavam no seu ventre, mistificando-se a um quê de amores, a um quê de vida (que não vivia), a um quê de amores (que não amava), a um que de sonhos (que não sonhava). E sensualidades sortidas pelos ares noturnos, insinuavam-se, sorvendo e volvendo, desejos ocultos e sensações, as quais negava, pois não as queria mais ter.

Trancava-se, fugia...

Saiu por ai, como uma boêmia desvairada. Afinal de contas era isso que ela era no fim, bem no fim, quando não disfarçava. E não teve muitos cuidado para esconder sua ausência de dignidade e pudores, foi despida de preocupações socio ambientais que afundou-se ainda mais. Mergulhando em lados bs encantadores por sua beleza proibida e torta. Cansada de rotinas tão, tão chatas e não úteis, mas ela diria: “Sim, não inúteis e sim, são monótonas.” Lançou-se e foi, a procura de novos ventos, livres, liberais, libertários!

Entre lassada à negrescas clandestinidades, que a perseguiam desde a primeira infância, sem medos ladeou a lua, meio boémia, meio sonhadora, meio doce.. Com todas as suas sensibilidades a flor da pele, amores saltando aos olhos, namorando seus espelhos e reflexos nus, atrelados a encantos norturnos misteriosos, sentiu-se em casa, e por um segundo, poderia até dizer que sua alma sorriu.

Depois de um certo tempo teve quem andou perguntando a ela quem ela era, e do que gostava, e de como gostava e como se sentia. E quando ouvia essas perguntas ela ria por dentro. “Como explicar uma infinidades de pedacinhos de vidros que a cada fração de segundo se combinam e recombinam?” Ela mesma já havia desistido de definir-se e entender-se. Quanto mais explicar-se a pessoas alheias...

Só sabia de suas coisas: Antes vivia, agora andava meio que sobrevivendo...

Tantas eram as verdades sobre ela refletidas em espelhos d’água, esvoaçadas em ventos uivantes, marcadas nos vincos das folhas de papel, e ainda nas folhas de seus jardins e plantas de vasos e canteiros. Como definir-se? Como? Talvez ela mesma não consiga reconhece-se às vezes, ou sempre... As multiplicidades implícitas nela, seguindo esbarrando em tantos “eus”, brincando de vida, rindo para o mundo, e rasgando-se, arranhando-se por dentro.

Ficou com inveja e saudades deles, aqueles rostos tão decididos e categóricos que via passearem pela rua, com tantas certezas imbutidas em suas próprias convicções. E ela bem que tentou.... E sinceramente, quase foi. Mas sabe aqueles serer, quanto mais centrados ficam, mais se perdem? E acabou se esquecendo de quem realmente era...

Engaiolou-se, prosperou, mas perdeu o prumo, o brilho, o encanto, virou passarinho triste, cantando na gaiola, cânticos antigos de liberdade, com a esperança de ser de novo o que era, chamava a coisas que mal conseguia se lembrar mais.

Castraram ela, ela não sabia... E então seguiu vivendo a vida, daquela forma rotineira que a foi matando, e matando, um assassinato daqueles bem lentos e cruéis, do qual a vítima muitas das vezes mal percebe e der repente não se anima mais, perde o tesão.

Quando o universo só cabe efetivamente numa casca de nós naqueles livros tão famosos do Stephen Hawking, ela sente que precisa mesmo de um pouquinho de caos para viver, remexer, sacudir, essa explosão vulcânica que nasceu com ela, dentro de si... E seus eus andam leh chamando, e junto com eles, vem uma tentação, uma vontade louca, de sair correndo, unida de mãos dadas com ele. Deixando esse mundo de chatos para trás, sem olhar e nem ter pena deles. Para que tanta consideração?

Então ela andou tendo uns sonhos estranhos e esquisitos com uma palavra distante... Meio evasiva chamada felicidade. Acordou meio zonza, meio tonta e ficou lá, como a dama de copas que era se olhando no espelho, sem se entender direito. Tantos sonhos se compunham mostrando-se ruborizados na pintura da face, enquanto os dedos redondos contavam, mesmo sem querer, a infinidade de estrelas escondidas no peito, fixadas no firmamento, lincadas de uma forma que ela mesma não saberia explicar.

E há quem pudesse a olhar e ver que atrelados aos seus cachos enrolados a cintura corriam riachos revelando delicadeza e doçura, mas ela não era, nem tão doce, nem tão delicada assim...

Eram seus olhos, sabe o destino o porque o espelho do mundo, imensidão refletora de Deus contendo em si um mar de esmeraldas dançantes, e era por isso que as pessoas se sentiam bem perto dela. Ela, já não aguentava mais tantas responsabilidades...

Dentro de si, tinha uma voz que dizia:"Somos livres, mesmo quando não sabemos que somos." E ela tinha vontade de mandar aquela voz calar a boca, porque o mundo não era feito de tantas coisas boas ou esperanças assim... Talvez o mundo fosse um lugar ruim que fora posta e pronto, não haviam mais muitas considerações a se fazer a respeito.

E aquela voz, trazendo a luz, novamente voltava a tona, falando: “renascimento, renascimento, renascimento”. Ela suspirava cometas, já meio brava, e até chegava a sentir felicidade...

Ela sabia: Tem coisas que passam de pele para pele e de alma para alma. Ela, havia pego muitas enfermidade da alma por ai, e agora tentava se livras delas...

Lembrou-se então da primeira vez em que seu corpo uniu-se ao dele, enfeitou e o perfumou como um templo, ornamentando-o para recebê-lo. Ela então pegou suas mãos, elevou a seu coração, transformando-o em um deus, para que no amor sagrado se unissem e sacralizados. Seu amor havia ido embora... E havia se contaminado com as coisas sujas do mundo, assim como todas as outras coisas da sua vida, e lembrando disso, mais uma vez se entristeceu...

Todo mundo que já teve um grande amor e viu seus sonhos desmoronarem após uma separação sabe a dor e sofrimento que isso pode causar. Seres humanos são movidos por sonhos e expectativas. Todos nós, sem exceção , mesmo que inconscientemente buscamos um par, uma cara metade, um complemento. E seguimos nossas vidas sentindo falta de "algo", "alguém" que nos complete. Estamos sempre em busca daquela pessoa especial que possa ser objeto da dedicação do nosso amor. Um romance aonde nossos sonham possam simplesmente se plasmar, tornarem-se reais. Amar e ser amado, é um dos principais anseios da alma humana.

Mas amar e ter seu coração partido dói de mais. Causa traumas, um sentimento de frustração e muitas vezes de não aceitação do fato de que aquela relação simplesmente acabou, não existe mais. Sonhamos com o para sempre. Com o eterno, uma separação é dolorida porque vemos um castelo de sonhos transformar-se em ruínas e muitas das vezes vemos nosso coração ali, jogado no meio de todos aqueles escombros. Vem então as auto culpas e aquelas inúmeras indagações; "Será que se eu tivesse feito diferente..."

E ela havia vivido suas histórias...

Mas sabia, que antes de mais nada era uma mulher, e como tal, um poço infindável de sonhos e mistérios, fundidos as aventuras da noite, as doçuras da lua, ao brilho das estrelas, forjada a força do sol.

Suas histórias teriam sim um impácto considerável sobre sua vida, pois em grande parte, somos aquilo que vivemos e vivenciamos....

Sua feminilidade espalhava-se em curvas, sob as ondas do cabelo, nos entornos das pernas, nas voltas das coxas, nas unhas pintadas, na face ruborizada, nas roupas coloridas...

Nos seus quadris, abriam-se mundos ocultos, com tantas aventuras e noites de boemia e outras tantas menores mais muito mais valiosas de amor. Ladeavam prazeres proibidos e ainda aquele sexo guardando no coração, de momentos mais especiais.

Sabia que cada mulher, é em si uma sacerdotiza lunar, mesmo que negue a isso, ou negligencie a si mesma. São as mulheres os encantos estrelares com quem sonham os homens, mas que poucos conseguem revelar!

Cada mulher, um segredo sinuante, querendo contar, mas guardando, e então atordoando, mantendo suas chaves longes de quem as saiba usar. Mas ela... Ela há muito havia jogado suas chaves fora, ou perdido em algum lugar, e agora o feitiço virara contra o feiticeiro, e nem ela mais, conseguia se abrir para se encontrar.

Clarice Ferreira

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