Mórbida manhã

O enterro sairia as 10:00. Ela tinha os olhos cansados e as mãos trêmulas. Recostou a cabeça numa das poltronas desconfortáveis e observou, a falta de jeito com que todos lidavam com aquilo. Vizinhas fofocavam por todos os cantos, crianças faziam algazarra lá fora e alguns homens contava piadas e dividiam uma cachaça. E ela, apenas observava. A dor dilacerava seu peito de menina. A morte parecia muito mais cruel assim, observada tão de perto. Nenhuma lágrima, nenhum lamento, apenas a culpa, a dor e o silêncio. Lançou os olhos sobre o caixão, os punhos haviam sido sobrepostos de forma que os cortes não aparecessem. A face pálida e tranquila não se parecia nenhum um pouco com aquela que vira dois dias antes cansada e infeliz. Teve vontade de retirá-lo daquela maldita caixa, abraçá-lo, pedir perdão e dizer que tudo ficaria bem, ela respirou fundo, soube que de nada adiantaria. Faces conhecidas vinham dar os pêsames com aquele falso ar de solidariedade. Ela quis esbofetear aquelas pessoas, aquelas malditas pessoas. A culpa era delas também, delas e da maldita sociedade à que pertenciam. Quis correr, fugir, acordar daquele pesadelo horrendo, e no entanto permaneceu em seu solitário e doloroso silêncio. Manteve-se assim, em uma revolução interior, até que uma mão fofa e pesada pousou sobre seu ombro:

- vamos querida, o enterro já vai sair. Eu sei que deve estar sendo dificil, mas…

As palavras da tia se perderam numa névoa de ódio, desespero e dor. Então era realmente isto, estava acabado. Nunca mais o veria sorrir, nunca mais o abraçaria, nem tocaria seus lábios. A tampa pesada pousou sobre o caixão. Ela apenas baixou os olhos e procurou esconder a lágrima que havia lhe escapado pelo cantos dos olhos. E trancou-se em seu silêncio.

Efêmera Capitu
Enviado por Efêmera Capitu em 21/07/2012
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