Guarda chuva transparente

Então eu dizia para mamãe: Preciso tomar um ar, ver gente nova, vou ao centro da cidade conversar com alguns amigos.

Eu era boa nisso. Era tão boa que, muitas vezes, quase enganava à mim. A verdade é que eu não tinha amigos, fazia de tudo para não comer. E quanto ao centro... Eu detestava-o mais do que à mim mesma. Não é algo que você seja capaz de entender, pai. Mas eu ia à uma praça abandonada, sentava em um dos bancos, colocava as mãos sobre o rosto e chorava. Chorava porque eu era uma mentira para mamãe, porque eu não era capaz de me fazer feliz. Chorava porque eu era depressiva como minha mãe, e porque eu não conseguia ser mais forte do que todas as minhas fobias e paranoias.

Você não sabe o quão horroroso era o inverno. Chovia demais e não era fácil sair de casa. Você já engoliu o choro, pai? Eu espero que nunca tenha precisado disso. Dá um nó na garganta, e a dor é tão imensa que quase chega à ser física. Era um ciclo. A dor começava na cabeça e varria-me até os pés. Isso acontecia umas 3 vezes consecutivas até eu me entupir de remédios pra acabar com isso.

Somos diferentes nisso, não é? Enquanto eu sugo minhas próprias lágrimas, você simplesmente não às tem para chorar. Você é rude, pai. Tenho pena de você.

As pessoas acham que eu sou sensível. Elas tem razão... Tem aquela grande diferença: Sensibilidade é uma coisa, fraqueza é outra. As pessoas notam? Elas sabem a diferença? A grande maioria não. Se não houvesse um pouco de orgulho e vergonha em mim, eu choraria até as células do meu corpo morrerem desidratadas. Não é exagero. Sempre tem um alguém pra enfregar algumas verdades banais na sua cara. Como: "Você tem tudo, tem uma casa, um corpo sem nenhuma deficiência, tem o que comer, o que beber." Mas porra, isso não faz com que eu me sinta melhor... Eu não sou feliz. Eu não consigo.

Sabe, pai, as vezes acho que se o diabo existisse eu não venderia minha alma à ele, eu daria-a. Talvez as coisas fossem melhores.

Se continuo respirando... É pela mamãe. Não por você, e muito menos por mim. Você não sabe... Mas eu sinto vergonha do que sou. Você também sentiria se me conhecesse.

Peço à Deus todos os dias para mim ficar louca depois de mamãe. Aliás, quem

é Deus? O que é Deus pra você, pai? Ele já fora tudo pra mim, e agora não é nada. Eu pedia a Deus todos os dias pra ficar louca depois de mamãe, como já disse... E hoje pra mim tanto faz. Deus pra mim tanto faz.

Ontem à noite sonhei com duas japonesas, elas eram irmãs gêmeas... Não eram

como nós. Elas estavam mortas. As duas estavam se cortando com bisturí enquanto transavam, pai. E eu gostei de ver aquilo. Acho que vou ficar louca antes de mamãe. Acho que mereço isso.

Mas tenho algo bom em mim por incrível que pareça. É o meu não-total-egoísmo. Eu posso não amar mais ninguém além dela, mas pelo menos amo alguém. Então técnicamente eu não sou um monstro triste, vazio, solitário e totalmente-egoísta. Sou um monstro triste, vazio, solitário, paranoico e não-totalmente-egoísta. Sou o monstro que demorou demais no banho porque estava chorando em baixo do chuveiro só pra não fazer sua mãe ficar pior. Sou o monstro cujo fora esquecido pelo pai. Se eu me importo com isso? Talvez sim, talvez não. Tanto faz.

S Wayne
Enviado por S Wayne em 28/05/2012
Código do texto: T3692378
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