Protegido

Ocupados demais com seus afazeres egoístas estranhos passam pelas ruas abarrotadas de transeuntes que inconscientemente disputam o triste título de “ser humano mais egocêntrico do mundo”. Caminham rápido, olhando para o relógio, sem notar quem está à frente, dos lados, ou jogados nas calçadas vestidos de forma maltrapilha. Indigentes, com olhares perdidos e face marcada pela dor são uma constante nas pequenas, médias e grandes cidades, são vistos, porém ignorados.

De cabeça baixa, com um aparente temor em encarar esses desconhecidos, o pequeno adolescente, estranho aos olhos de muitos, também caminha. Mochila preta nas costas, segurando-a apenas pela alça direita sobre o ombro. São muitos livros, demasiadamente pesados que o obriga a curvar-se para frente, provocando fortes dores nas costas, enquanto esbarra em um e outro. As calçadas parecem mais cheias naquela quente manhã. Tropeções tentam conduzi-lo ao chão, não cai. Talvez muitos desejem essa visão para fazer-lhes ganhar o dia.

Ainda cedinho, quando estava à mesa da cozinha para quebrar o jejum, seu pai fez um discurso sobre a necessidade de ser forte, pois o mundo é mau e repleto de pessoas que nada mais querem do que ver a derrota alheia, discurso repetido incansavelmente, às vezes mais de uma vez por dia. Entende que seu pai quer apenas estimulá-lo. Sabe que ele o considera uma pessoa de pouca ação e deseja uma mudança de postura por parte de seu único filho homem. Infelizmente, o que seu pai não sabe é como aconselha-lo, ainda não aprendeu a conhecer o filho que tem.

Enquanto pensa, caminha e se aproxima da escola onde recebe as lições de disciplinas que não gosta: matemática, física e química. Tem certeza de não utilizará a maioria desse conhecimento ao longo de sua vida, mas se esforça para ser um bom aluno. A escola custa caro. Apesar da pouca idade demonstra uma maturidade que muitos adultos jamais terão.

Alguns meninos e meninas privilegiados, de classes socais mais abastadas, conseguem com toda a sua arrogância sufocar os mais de 500 estudantes que caminham, discutem, correm, brincam e brigam pelos dois andares de escadarias e corredores do prédio. A maioria procura não se aproximar demais desse grupo seleto de jovens sortudos para não aborrecê-los.

Deslocado de todo esse mundo de futilidade, Yan – esse é o seu nome, mais um fator de diferença – adentra a selva de pedras repleta de tribos distintas, no entanto, trajadas com as mesmas vestimentas, tênis preto, calças azuis, camisetas brancas com a simplista logomarca da escola - um livro aberto com uma pena – postada no peito esquerdo da camiseta. Pra finalizar toda essa vestimenta, uma desnecessária jaqueta azul, como se não fizesse calor o bastante.

Yan tem a aparência típica de um adolescente, cabelos muito pretos, pele branca, corpo magro, algumas espinhas no rosto. Entra pelo portão da frente. Ninguém o nota, ninguém o vê. Distante de todos senta-se em um desses bancos semelhantes aos encontrados nas praças públicas. Abre a sua mochila e tira um pequeno caderno de capa preta. Concentra-se nas palavras que vem à sua mente perturbada. Os momentos de inspiração não são escolhidos, eles apenas vêm, e devem ser aproveitados. E aquele, é um desses momentos.

Toda aquela futilidade juvenil ao seu redor o entristece, mas nada faz além de escrever suas poesias consoladoras. As ideias fluem como um poço de água infinita. Não protesta, seu coração está cheio de tristeza e a ameniza com as maravilhosas palavras. Ouve o toque da campainha anunciando o começo das atividades escolares.

Sempre triste, cabisbaixo, rosto desconsolado. Ele caminha em direção à sala de aula. Começa a ser notado por jovens agressivos, cheios de si, que o consideram fraco, mas em meio à tristeza e aparência de debilidade se esconde um ser resoluto, consciente do que é orgulho.

Embora caminhe só e o seu brinco negro na alva orelha esquerda acusem uma discreta rebeldia, ele sabe que não está desamparado. Ao seu lado direito, um passo atrás, flutuando levemente, há uma dama. Um longo vestido negro, com bordados brancos por toda a saia comprida, cabelos muito longos, lisos e também negros, pele branca, asas grandes e sombrias.

A sensação de companhia o permite mais do que a força que precisa para outro dia em meio á futilidade imensurável de pessoas cujos corações parecem ter morrido, corrompidos pelos poucos valores que este mundo tem a oferecer. Mais um dia, seis horas de estudo, brincadeiras sem graça, e apesar da aparente debilidade, Yan segue resoluto em fortalecer a sua missão de perpetuar a arte através das palavras. Ao seu lado sabe que flutua um anjo. Sabe que está protegido.

FIM.