O morto-vivo
Não se enterrava ninguém na ilha desde que os colonizadores portugueses haviam construído ali uma fortaleza. Tal cuidado não se devia ao medo de maldições, já que no passado aquele era o lugar destinado ao descanso dos amaldiçoados pelos índios que moravam na região. Não se enterrava ninguém na ilha pelo medo de proliferar as pestes que volta e meia assolavam os soldados e viventes.
Aos mortos era necessário dar outro destino: eram jogados ao mar por uma passagem especialmente construída para isso e um único homem tinha a amaldiçoada função de realizar tal feito. Manuel havia sido seu nome, mas agora ninguém mais o tratava assim. Era chamado “O Morto-vivo”.
Mal sua companhia chegara à fortaleza, alguns soldados contraíram alguma peste e quando morreram, Manuel fora incumbido de lhes dar fim pela passagem. Desde então não saíra mais de lá, já que todos temiam que ele próprio tivesse ficado doente pelo contato com os cadáveres.
Sua comida era jogada por um buraco e esse era seu único contato com os vivos.
Passava os dias sem esperança ouvindo as ondas rebentando no mar e lembrando a vida que tinha em Portugal. A mãe, as irmãs, Fabiana... Nunca mas iria vê-las naquela vida.
À noite, às vezes, sonhava que uma delas desfalecera e lhe fora dada para que as pusesse no mar como os soldados podres de lepra. Acordava desses sonhos, perturbado e cheio de lágrimas nos olhos, ficando dias com aquelas imagens lhe tirando a paz.
À medida que dias e noite passavam, chuva e sol castigavam a terra e Manuel não sabia mais se era vivo ou morto, se tudo não passava de um longo e macabro pesadelo.
Finalmente, numa manhã ensolarada de dezembro, convenceu-se de que não havia mais vida em si e correu para o mar achando ser esse o destino mais acertado.
Da guarita, observaram-no se afogar e no fim, lutar contra a água que levava embora sua respiração. Ninguém se atreveria a pular no mar e se tornar o próximo encarregado da função.