Pesadelos
Olho para baixo e percebo que o chão que me sustentava tornou-se um estranho lago verde e viscoso, afundo nessa gosma, caio cada vez mais dentro do que quer que seja isso. Meus olhos ardem ao entrar em contato com ela, minha garganta queima quando engulo mesmo sem querer, o ar foge, deixa-me submergir, minha visão escurece, feridas são expostas em meu corpo, e sinto-me sozinho, mais sozinho do que algum dia me senti, olho para os lados e percebo que estou preso em algo com paredes, olho para baixo, a escuridão se eleva, meu grito mudo preenche o ar enquanto a gosma me cospe vazio a dentro, o ar enche-me os pulmões, bate em meu rosto e me permite cair no vazio que se estende, o baque surdo avisa-me que cheguei ao chão, e acordo mais uma vez sozinho, após uma tempestade de pesadelos.
O relógio avisa-me que são 3:25 da manhã, lá fora a lua se esconde por entre as árvores, saio do quarto, a porta da frente parece-me tão convidativa. Quando piso na grama verde o ar invade-me por inteiro, leva meus cabelos ao vento e o frio sem convite deixa-me arrepiado.
Leves ruídos por trás das árvores - risos -, olho para os lados e a imensa solidão avisa-me que estou sozinho, como sempre estive, a lua antes oculta, agora mostra-se bela e incomum.
Passeio pelas ruas da cidade, procurando qualquer motivo para voltar para casa e continuar a dormir, mas apenas dormir não me parece aceitável, diante das janelas de uma cidade perdida o cheiro do sexo invade o ar, e caminha lentamente pelas ruas junto ao meu lado, enquanto a podridão das ruas diz que algo morto já esteve ali, folhas voam com destino incerto, mostrando-me que seria uma boa hora de partir.
Os fones de ouvido transmitem uma música ao qual não consigo destinguir, sinto que estou transparente para o resto do mundo, como se fosse apenas um peso morto sobre uma camada de nada. Respiro cada vez mais fundo enquanto o ar gélido queima meus pulmões, gritos ao longe, a cidade começa a queimar, ou meu corpo começa a queimar, olho para os lados e tudo o que vejo é o brilho vermelho das chamas, enquanto os gritos preenchem a noite e eu começo a correr em direção a uma saida qualquer, coisas monstruosas saem do chão, berros, gemidos, sons nunca ouvidos antes por mim, tudo parece se juntar para formar o grande horror que nunca imaginei existir...
Olho o céu procurando qualquer vestígio da realidade, mas as chamas se juntam para torná-lo vermelho em um negro fundo, meus olhos ardem, meu corpo queima, aperto os fones ainda mais e aumento o volume da música ao máximo, sinto que chegou meu fim, mas continuo a correr, penso em um final feliz e me dou conta de que eles não existem, penso em minha cama confortável, e percebo que nada nela e nem naquela casa nunca foi meu de verdade.
Grito ao vazio e meu corpo desaba sobre si mesmo, minha alma recua aos meus olhos, a fúria se torna visível e o medo tangível. Pessoas se batem e caem perto de mim, enquanto de algum modo continuo a me afastar de tudo e de todos, estou sendo arrastado para algo muito além do que sou, ou do que vejo, o chão matem-se imóvel, enquanto tudo se torna um borrão preto, e a vida deixa-me outra vez cair em um buraco, mas desta vez não é um sonho.
... Com um susto abro novamente os meus olhos para a vida, mas desejaria voltar a dormir.