Anjo

O sol iluminava totalmente o asfalto, fazendo com que um brilho fugaz se misturasse ao verde das árvores. A beleza daquela rodovia era conhecida por todo o país. O Porche vermelho ia a toda velocidade. Dentro o jovem casal estava entregue a um beijo ardente, tudo fora da janela nada mais era que meros borrões. Apenas uma coisa importava para ele: ela. Com a veracidade da recíproca. Por um instante o rapaz afastou seus lábios do dela apenas alguns centímetros.

Estava rodopiando, seu corpo foi jogado contra o teto do carro que agora estava virado para baixo. O carro descia ribanceira abaixo capotando centena de vezes. Elizabete já estava desacordada quando foi arremessada para fora do carro, não pode ver a explosão que estremeceu tudo para em seguida consumir o veículo em chamas, e tudo que ali estivesse.

Liza acordou com os próprios gritos, o corpo ensopado de suor. Engasgando com a própria agonia. Olhou ao redor do quarto, parando em todas as fotos cortadas ao meio: aquilo não ajudara. Ela sempre saberia o que estava na outra parte. Seguindo uma torturante rotina ela sabia que não iria mais conseguir dormir. Levantou com dificuldades e ligou o computador. Por acaso seus olhos foram atraídos para o canto inferior direito: 27/06/2010 2:40am. Um ano. Ela segurou firme a mesa e suportou as lembranças que voltaram como mísseis em sua mente. Quando finalmente relaxou já estava caminhando pelas ruas escuras e desertas. Não queria pensar, não reclamava do frio. “Isso é o meu castigo, não é nada. Nada comparada ao que fiz comigo mesma. Destruí o que era mais precioso para mim. Ele não queria viajar, queria ficar comigo... Eu o matei, sim. Não importa o que digam!” as lágrimas caíam como cachoeiras por seu rosto, todo o seu corpo magro e doente estremecia.

Ergueu a cabeça e contemplou o cemitério: um grande arco branco com um portão negro. O resto era apenas paredes. Ela empurrou o portão: aberto. Não tinha medo, passou por todas os túmulos, alguns abertos pelo tempo, alguns violados. O que havia dentro das catacumbas era melhor que ela, estava morto de verdade. Enquanto Liza era uma morta em vida, um zumbi. Finalmente chegou aonde queria: uma lápide simples feita de granito. Na tampa um grande caduceu representava o sonho do rapaz, a medicina. Na ponta sua foto: queixo forte, cabelos negros como a escuridão e olhos tão sinceros... Liza sufocou um grito e caiu de joelhos ao pé da catacumba. Batia os punhos contra o granito. Não agüentou mais sufocar aquela angústia e começou a gritar a plenos pulmões. Gritava coisas sem sentidos, toda a sua roupa estava ensopada.

Perto dali um grupo de viciados ouviu o barulho, logo reconheceram o tom feminino da voz. Em meio a risos e tombos seguiram os gritos.

Elizabete sentiu alguém tocar seu ombro. Estremeceu e por um instante sentiu medo, ia virar-se para encarar o intruso, mas uma forte dor atingiu sua nuca e ela caiu batendo a cabeça contra a tumba.

Luz. Não existia mais cemitério, estava em um campo ensolarado com grama verde que balançava junto com o vento. Aqui e ali algumas flores: girassóis, margaridas, rosas e uma ou outra tulipa. Ela sentiu braços fortes e quentes envolvendo seu corpo, a respiração doce no seu pescoço. Ergueu a mão e afagou os cabelos sedosos. Ele então a girou nos calcanhares e encarou. Liza não chorou, a visão era por demais magnífica: Nestor a sua frente. Com uma túnica branca envolvendo seu corpo. Dele irradiava uma luz tão acolhedora... Seu rosto resplandecia e seu sorriso faria parar qualquer guerra. A luz parecia sair do topo da sua cabeça. Mas o que a fez estremecer foi o par de asas que se projetavam por detrás da suas costas: penas com um leve tom amarelado. Quase dois metros de uma ponta a outra. Ele riu e a acolheu entre elas, o toque das penas a trouxe para a realidade. Sentiu uma estranha dor no sexo e no útero. Concentrou-se em manter aquela visão.

— É isso que você quer? – sua voz era mais que mil corais reunidos.

— Sim...

Nestor então bateu as asas e voou ao seu redor, antes que ela estivesse pronta ele a agarrou. E voaram juntos em direção ao sol.

MANCHETE DO JORNAL LOCAL: 28/06/2010

CORPO DE JOVEM ENCONTRADO EM CEMITÉRIO.

A jovem ainda não identificada possuía sinais de violência sexual. A polícia ainda...

Lorens
Enviado por Lorens em 13/10/2011
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