Outra ocasião

Respirou profundamente, de olhos bem fechados, sentindo o coração bater tão forte contra as costelas que era como se fosse arrebentá-las e sair correndo, logo em seguida.

Dar o primeiro passo custou quase toda a sua coragem. O que sobrou dela devia ser o bastante para o salto. Assim pensava...

O vento gelado soprava de baixo para cima, lambendo a pele descoberta pela barra da calça. Cerrou os punhos. Era agora; podia imaginar a queda de dezenas de metros e a solidez do solo além dela, a promessa de morte instantânea subsequente ao impacto devastador. Podia imaginar seu corpo se achatando contra aquela dureza pétrea, esparramando-se para os lados como se fosse líquido, os ossos rasgando a pele, a carne se tornando uma matéria macerada, sangrenta. Apesar do vento, não podia dizer que os arrepios que percorriam-lhe o corpo eram provocados apenas pelo frio incômodo. Sentia medo, também.

Medo de morrer.

Agora que a decisão estava a um passo de se concretizar, algo em seu interior se rebelava contra ela.

Seria essa sua única saída? Não haveria uma forma de se reconciliar consigo mesmo e com o lado exterior e, simplesmente, por de lado o orgulho suicida que o impelia cada vez mais para a beira do abismo?

Talvez. Talvez, não.

A verdade era que não tinha mais certeza do que o movera em direção a esse momento. De olhos fechados, via seu passado e percebia quão nebuloso era. Poucas coisas faziam algum sentido e todas elas pertenciam ao seu presente. De todas, a mais intensa era o silvo do vento e as batidas do seu coração nos ouvidos.

Angustiado, pos na balança tudo que tinha.

E quando ela pendeu vertiginosamente para um lado, em total desequilíbrio, tomou sua decisão.

Abriu os olhos e, dando as costas ao vazio que instantes atrás parecia ser seu único rumo, consolidou-se.

O resto de coragem que lhe sobrava era bastante para permitir que ele encarasse o caminho de volta outra vez, sem se envergonhar, pois o salto acabou ficando para outra ocasião.

Andhromeda
Enviado por Andhromeda em 07/08/2011
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