Os mortos confortam

Era uma noite fria, havia vento soprando por entre as lápides do cemitério e Edgar enlaçava os lados do corpo com os braços tentando se manter aquecido dentro do casaco.

Cada passo era um sacrifício, ele sentia dores por todo o corpo. Dores resultantes da surra que levara durante o dia. Que dia! Ainda eram muito vívidas as lembranças dos chutes, dos socos, das costelas sendo partidas de encontro aos órgãos internos, dos ossos da face sendo esmagados. O que restara do nariz latejava, o sangue secara formando uma crosta incômoda ao redor da boca e narinas. Cada passo era um martírio, mas ele seguia em frente, sem ter mais aonde ir, contornando túmulos enfeitados com ramos de flores podres e vasos onde apenas mato crescia.

Quando achou que não aguentaria mais, despencou dentro de uma cova aberta, recheada de folhas sopradas pelo vento. Ficou lá no fundo, de olhos fechados, encolhido e exausto, apertando um punhado de terra e raízes que arrancara num gesto involuntário. Sete palmos acima da sua cabeça, o vento uivava.

Em poucos instantes, o abrigo da cova lhe trouxe uma certa calma, todas as suas dores se pronunciavam em harmonia, nem intensas, nem fracas, apenas presentes. O casaco envolvia-lhe o corpo, as folhas faziam o papel de um colchonete macio, um convite para o sono.

Sem perceber, Edgar adormeceu e naquela noite seu sono misturou-se ao sono dos mortos ao seu redor. Nada de socos na cara, só as carícias das aranhas. Nada de explosões de dor, só o entorpecimento dos membros à medida que seu corpo se entregava e passava a ignorar a própria vida. Só a voz do vento, ninguém gritando, exigindo que entregasse tudo que tem. Só a vida refinada em morte. Só os mortos oferecendo-lhe conforto.

Andhromeda
Enviado por Andhromeda em 02/08/2011
Reeditado em 06/08/2011
Código do texto: T3134012
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