Antígona, a mulher lobo.
Gazeta de Orion:
Até onde a dor e angustia leva um ser inquebrável a opta pelos caminhos tortuosos do Umbral? Loucura ou sanidade? Mas, o que é a loucura, dentro de um universo que coisifica e banaliza aos seres e aos seus sentimentos, reduzindo-os a meras marionetes nas mãos do outro.
Idade das trevas, ano de 1299.
Fito o horizonte na esperança de quem sabe, esquecer a tudo e a todos; Deuses e humanos, suas guerras insanas, seus conflitos, seus dilemas e hipocrisias.
Ainda sinto em meu olfato o aroma dos suores, dos temores, da fumaça, da carnificina e do sangue que encharcou o solo na contenda.
Nas minhas retinas ainda vejo os corpos destroçados e Apolo feito uma fúria brandindo a sua espada retalhando imortais, mortais e tantos outros que atravessaram o seu caminho.
Inclusive a mim! O meu corpo repleto de ferimentos e o coração destroçado, corro pelo gélido caminho.
Tendo nos meus calcanhares os espectros daqueles quer matei e mutilei.
Perseguida pela tua feição, pelo o teu olhar e pela tua traição. Ainda possuo a seta cravejada nas minhas costas. Procuro escapar de ti ou quem sabe de mim mesma, pois o calor da paixão ainda encharca o meus sentidos apesar de tanto tempo passado, sendo apenas sobrepujada pela dor do teu abandono.
Buscando entre os vales gélidos e espessos uma guarida para poder me enfurnar e cair no sono eterno.
Caminho sem descanso, impelida pelos ventos do Norte e pelo sentimento de urgência para sobreviver, sentido inato a todos os seres vivos.
Sob o chão as marcas das minhas patas deixam um rastro de sangue e dor, colorindo o alvo solo com o carmim do meu fluído vital.
A minha frente uma gruta se destaca na paisagem branca e estéril, acenando, oferecendo abrigo, proteção e calor.
O porto seguro contra os elementos da intempérie.
Entrando nela sinto a sensação adocicada do retorno ao útero materno, onde amada e acolhida não sentia as agruras da vida.
Sigo rumo às profundezas em busca do calor das caldeiras de Hades.
Recosto-me próximo a parede, deito e fico enrodilhada no meu próprio corpo, sentindo a macies da pelagem.
Preparo-me para cair no sono curador da minha raça. Mantenho a forma lupina, procuro apagar a mulher do meu interior, as suas contradições, decepções, medo, dores e amores mal resolvidos.
Hibernando entre os ventos uivantes que cantam lá fora e a angustia que consome o meu ser a cada instante.
Procuro mergulhar no esquecimento do sono, imersa em um universo caótico de alegorias bizarras que me assaltam durante o mesmo.
Perdida nele encontro com seres que se foram e com outros tantos que fazem parte do meu cotidiano.
Como marionete balanço nas mãos das parcas a deriva em buscas infrutíferas...
Tendo sempre os seus olhos gravados na minha retina e a latente saudade que corrói como um câncer.
Abro os olhos e vejo a sombria caverna que me acolheu por mais uma noite e quem sabe, será o meu túmulo?
Pois, sinto a vida esvair através dos inúmeros machucados sofridos na batalha.
Uivo, lamentando a sorte de Antígona a mulher. Entretanto, acredito que assim como a albina loba, ela já não tem o porquê de lutar, pois perderá tudo.
Rasgando com as afiadas presas as próprias patas, transformo-me em mulher.
Contemplo através dos olhos humanos o rubro sangue escorrer do delicado e alvo pulso. Sorrindo, encosto na aquecida parede e me perco nas lembranças tão queridas e caras...
Primavera, Ano 1300. Idade das trevas.
Constelação de Orion, vigésimo terceiro planeta.
O corpo da ultima mutante fora encontrado nas cavernas de Hades.
A mais bela guerreira da Idade das trevas Antígona, a mulher loba, antiga amante de Apolo, está morta.
Fora encontrada banhada em seu próprio sangue fitando o horizonte.