O doce gosto de um beijo
Eu estava quase enforcada por palavras que queria ter dito. Gostaria muito de ter dito tudo que se passou na minha cabeça todos esses anos, tudo o que eu senti, tudo o que eu passei. Mas não, eu apenas fugi. Fugi de tudo e todos, sem dizer uma só palavra. Fui para uma cidade pequena do interior. A fim de esquecer tudo e refazer minha vida. Que doce ilusão.
Eu não conhecia ninguém da cidade e não sabia nada dela. Mas logo que mudei, vi que era uma cidade com vida noturna. Havia clubes, bares, tudo o que há numa cidade grande. De inicio me pareceu ótimo. Estava preocupada em ter de ordenhar ou sei lá mais o que.
Cheguei a casa, a mudança já estava feita, só faltava por cada coisa em seu lugar. Em algumas horas já havia feito tudo. Eu não possuía muita coisa e a casa era pequena, por isso não levou muito tempo. Estava quase anoitecendo, sentei no pequeno sofá e fiquei ali parada pensando nos próximos passos.
Decidi sair para acabar com meus pensamentos perturbadores. Peguei o carro e sai dirigindo sem rumo, apenas observando os lugares a procura de algum que me interessasse. Parei em frente a um clube com um grande letreiro em vermelho escrito “Lumina Nocte”. Entrei sem receio. O lugar era ainda maior visto de dentro, escuro com apenas algumas luzes vermelhas no centro. Havia mesas nos cantos e sofás onde eu sentei para observar um pouco.
O lugar estava cheio, havia musica, mas ninguém estava dançando. Um homem alto e forte sentou-se ao meu lado. Mal podia ver seu rosto por causa da má iluminação daquele ponto.
–É nova na cidade, estou certo? – Disse ele com seu hálito fresco. Sua voz era grossa.
–Sou sim. – Respondi observando o lugar.
–Não vai perguntar como eu sei disso?
–É uma cidade pequena, não é difícil imaginar. – Respondi olhando para todos os lados menos para ele.
–Tem razão. – Respondeu o homem se ajeitando no sofá. – E posso saber seu nome?
Pensei por um breve momento. Mas mal me importava as intenções dele, eu precisa mesmo conversar com alguém, não importava quem. Precisa de alguém para me distrair.
–Jennifer. – Respondi agora virando os olhos para ele.
–Prazer, sou Lucius. – Dei um sorriso para ele, mas sabia que ele mal podia ver, assim como eu. – A iluminação daqui é péssima não é? – Disse ele como se lesse meus pensamentos. Mas era mesmo, todos que lá estavam deviam ter essa mesma opinião.
–Eu mal o vejo. É terrível mesmo! – Concordei.
Continuamos conversando coisas banais por um tempo. Até chegar a hora de eu ir embora. Não estava acostumada a ficar até tarde acordada, e já estava começando a ficar cansada.
–Eu vou embora, já é tarde. – Fui levantando. Ele se levantou também.
–Posso acompanhá-la? Também já vou indo.
–Ahm, Cla-claro. – Gaguejei receosa.
Caminhamos juntos até chegar em meu carro. Não o olhei nos olhos nenhuma vez até chegar lá. E quando me virei para me despedir vi seu rosto. Ele era lindo, as feições do rosto de Lucius pareciam ser cuidadosamente desenhadas. Era um homem forte, alto e completamente lindo. Seus olhos eram azuis como o céu. Os cabelos eram pretos com algumas mechas caídas sobre o rosto. Céus! Eu estava provavelmente com o homem mais perfeito fisicamente da face da Terra.
–Então... Até outro dia! – Me despedi arrependida.
Lucius não disse uma palavra. Aproximou-se devagar, afagou meu rosto levemente. Suas mãos eram duras e frias, mas não me importei. Ele abaixou a cabeça e encostou seus lábios nos meus delicadamente. Era doce, mas acabou logo. Eu queria mais, queria mais dele.
–Você quer uma carona? – Perguntei.
–Não obrigado, meu carro está do outro lado daquele beco. – Lucius apontou para um beco escuro do lado do clube. – Poderia me acompanhar até lá? Eu gostaria de anotar seu telefone, e minhas coisas estão tudo lá.
–Claro! – Respondi sem pensar já o acompanhando ao beco.
Antes de chegar ao fim do beco, Lucius parou.
–O que foi que... – Não tive tempo de continuar o que estava dizendo.
Lucius me empurrou até a parede com uma das mãos. Antes que eu pudesse gritar ele me beijou, dessa vez não foi delicado, foi um beijo forte, intenso. Eu não lutei. Eu queria aquilo, queria ele, não podia fazer nada. Foi então que ele afastou seus lábios e olhou nos meus olhos. Os olhos eram vermelhos. Um vermelho brilhante, intenso. Eu tive medo. Mas não conseguia me mexer, não conseguia gritar. Fiquei paralisada.
–O que você... – minha voz saiu abafada, quase como um sussurro.
–Shh... Não tenha medo.
Ele desceu os lábios até meu pescoço. Eu senti a dor sufocante, ele bebia meu sangue. E eu não podia fazer nada. De repente a dor foi tomada pelo prazer. Eu podia ouvir cada gole de sangue que ele engolia. Mas eu queria mais. Era uma estranha sensação que nunca havia experimentado. Um novo prazer difícil de descrever. Todos os problemas foram esquecidos, e eu viajei dentro de um ser inexistente. A visão começou a ficar abafada. Eu ia morrer, e sabia disso. Mas aquele sentimento e aquele êxtase todo me impediam de querer parar.
Tudo escureceu, eu ia morrer logo, mas não me importava. Foi tudo tão lindo e prazeroso. Não podia ter imaginado uma forma tão linda e prazerosa de morrer. Sim. Não existia outra. Meu mundo foi tomado de mim assim como meu sangue. E foi um alivio. Não ouvi mais nada, não vi mais nada e não senti mais nada. Só doce gosto de um beijo.