Narrativa de Emily Black

Eu tinha 26 anos quando eu vim a falecer. Os médicos disseram a minha mãe que morri devido a tuberculose, mas na verdade, eu sei, que a causa da morte foi a melancolia. Embora eu fingisse ser o que nunca fui e usei máscaras diversas para atuar em peças das quais não estava preparada; eu me desgastei muito. Chorei escondido. Afastei-me de todos. Eu passei a viver a minha solidão em silêncio. Nesse tempo que estive imersa nas profundezas de minha alma, eu o conheci; conheci aquele que seria o meu amado e meu eterno mestre. Ele era tão lindo, os olhos refletiam uma doçura que nunca vi antes e a sua boca era desenhada lindamente na cor viva de sangue. Seu rosto parecia um quadro pintado por artistas da renascença. E seus modos gentis conquistavam desde damas até cavalheiros.

Seu nome? quando eu pronunciei pela primeira vez, foi como uma enotação musical que me fez tocar as estrelas e beijar a lua. Nunca esqueci de quando ele beijou minhas mãos, olhando dentro dos meus olhos tentando descobrir meus segredos. Claro que eu me apaixonei por ele. Eu o chamarei de mestre, pois não posso revelar seu nome, por enquanto.

Infelizmente, meu mestre estava de casamento marcado com uma moça muito rica, de modos rudes e caráter cruel. Seus pais o obrigaram a casar-se com ela para salvá-los da falência. Ele nunca a amou. Nunca. E ele era terrivelmente infeliz.

Tivemos muitas vezes juntos e nos apaixonamos. Como ele era noivo, nossos encontros foram as escondidas. Seus pais tinham uma propriedade afastada de Dublin e foi nessa casa que nos amamos muitas vezes. Fizemos muitas juras de amor eterno. Á tarde corríamos como crianças na beira do lago, abraçávamos uma grande árvore do qual pintamos com tinta vermelha a inicial de meu nome e a do dele. E quando caía a noite ficávamos deitados na grama úmida nos presenteando um ao outro com as estrelas do céu. Ele tinha o hábito de pôr uma rosa branca nos meus longos cabelos negros. Eu lembro da primeira vez.. Foi uma noite muito fria e ele me carregou até a cama e nós nos amamos até nós entregarmos a exaustão e por fim aos sonhos, dormimos enlaçados no corpo do outro. No outro dia ele me deixou perto de minha casa e posso afirmar que aquele, foi um dos dias mais felizes que tive na vida. Depois que ficamos juntos pela primeira vez, nós nos amavámos em todos os nossos encontros.

Um dia, quando estávamos a beira do lago, jogando pedrinhas na água, ele tirou uma caixinha vermelha do bolso de seu elegante paletó preto e abriu "Duas alianças em ouro, escritas por dentro os nossos nomes". Nunca esquecerei de nossa conversa, ele disse -Seja minha esposa, Emily, eu não amo Aghata, eu amo você. Não vou me casar. Pensei em tudo, nós fugiremos para londres." Ele me abraçou em seguida. E eu respondi -Sim, amado, fugiremos, isso será o melhor para o nosso bebê. Ele colocou a mão no meu ventre e o beijou. Éramos três almas condenadas a um destino infeliz.

Quando voltei para casa, minha mãe esperava-me com lágrimas nos olhos e entristecida, ela me fitou séria -Diga-me, Emily, quem é o pai do seu bebê? sei que você está grávida. Você tem 25 anos e é uma moça solteira e com um filho? será um escândalo. Eu farei esse homem que te engravidou se casar com você.

Eu chorei e encarei minha mãe -Estou grávida de um homem que amo e ele me ama, nós nos casaremos.

-Então, diga Emily, quem é o pai do bebê?

-É Haziel Black, filho do comerciante de relógios.

-Como? está me dizendo que você engravidou de um homem com o casamento marcado?

-Mãe ele não a ama. Nós fugiremos.

Minha mãe ficou tão arrasada que retirou-se e passou o dia no quarto, sem dizer mais nenhuma palavra. A minha barriga já saliente, devia ser de três meses. Eu passei a tricotar roupinhas para o meu bebê, depois que minha mãe soube de tudo. Ela era viúva e só tínhamos uma casa modesta, ela acolhia Haziel e apoiou a nossa fuga.

Quando estava de seis meses e minha gravidez era aparente combinamos de fugir para Londres. Minha mãe nos ajudou a arrumar as malas e nos deu dinheiro e todas as suas economias. Fugiríamos á noite. Em 05 de dezembro de 1881. Quando estávamos com tudo pronto, seu pai, o Senhor Jack Black apareceu em minha casa, humilhando a mim e minha mãe e amaldiçoou seu filho e o levou para casa. Eu nunca chorei tanto na vida. Á tarde do dia 06 de dezembro na igreja de St Patrick no centro de Dublin, meu amor casava-se com Aghata e eu prostada na cadeira do meu quarto inteiramente só e desgraçada com o meu bebê na barriga.

Eu não saí de casa para evitar a curiosidade das pessoas, mas lamentavelmente todos sabiam que Haziel tinha me abandonado grávida e casou-se com Aghata. Isso não foi um problema pois ela o queria, somente seus pais foram contra o casamento, mas tiveram que aceitar a vontade da filha. Eu soube que Haziel foi o noivo mais triste que passou naquela igreja e também eles não tiveram lua de mel. Após dois meses, as dívidas de seu pai foram pagas e a relojoaria passou a ser muito mais lucrativa. Algumas amigas de minha mãe vinham em casa e me olhavam com pena e compaixão e outras me julgavam como se fosse uma pecadora. Esme, a melhor amiga de minha mãe foi a responsável por eu me sentir menos triste. Ela me contou que Haziel nunca tocou em Aghata mesmo depois de casados. E que dormia solitário em um quarto só para ele. Isso não me confortou de maneira alguma, pois no dia que ele me deixou, eu morri para sempre e só me mantinha viva pelo meu bebê.

Em 09 de março de 1882, em um parto difícil, nasceu minha filha Lucy, para o meu desespero, ela não tinha nada que lembrasse a mim, mas sim, Haziel; era loura de olhos azuis como o pai. Depois do nascimento eu passava dias no quarto amamentando e enquanto ela era uma bebê gordinha aos 4 meses, eu era apenas um cadáver. Minha mãe tentava me consolar, a bebê trouxe alegria para ela. Mas eu só existia, estava morta dentro de um corpo magro e sufocada por lembranças tristes. Quando Lucy, tinha 05 meses foi vítima de meningite e faleceu em 07 de agosto de 1882. Eu sinceramente não sei o que houve, mas não derramei uma lágrima pela morte dela, pode ser pelo fato, de uma morta não chorar por outra morta. Haziel soube e foi ao enterro de Lucy, ele estava tão morto quanto eu, e gritava dizendo que me amava e que o pai tinha nos desgraçado. Minha mãe o expulsou do cemitério e ele chorou como criança. Ele antes de sair gritou para mim -Eu nunca a toquei Emily, nunca. Tenho asco dela. Eu amo você e minha pequena Lucy. O coveiro o levou até a rua no qual ele passou a noite na calçada imóvel e chorando.

Eu e minha mãe dormimos cedo naquele fatídico dia. No dia 08, me arrumei e percebi que a minha bebê não estava ali. Depois do estado de choque entendi que a perdi, assim como Haziel e fui até o cemitério buscá-la. Eu passei o dia todo embaixo de uma chuva forte na lápide de Lucy. O coveiro relatou o ocorrido a minha mãe que me deu banho e me pôs para dormir. Ao dia 09 de agosto, eu nunca mais levantei de minha cama. Minha mãe desesperava-se e amaldiçoava Haziel que tinha me desgraçado. Ela mandou vir médicos, curandeiras, bruxas, mas ninguém conseguiu curar minha tristeza. No dia 11 de setembro em uma manhã fria, eu vim a falecer ás 11:00h da manhã. O médico disse a minha mãe que foi tuberculose devido a chuva e a friagem que peguei, mas não era. Eu morri de desgosto.

Fui enterrada ao lado de minha filha, Lucy. Muitas pessoas foram ao meu enterro consolar minha mãe. O padre Luck, muito comovido com a minha história disse que realizaria todas as missas em minha memória sem custo. Haziel foi ao cemitério. Só que dessa vez, ele escondeu-se e quando todos saíram deitou-se em minha tumba e chorou aos soluços pedindo perdão. Eu vi toda a cena, porque tornei-me um espírito. E mesmo vazia, eu abraçei seu corpo e chorei com ele.

A partir de minha morte Haziel transformou-se. Ele sentia tanto ódio do pai e de Aghata que a humilhava em público. Ele passou a frequentar os cabarés e dormia com as prostitutas. Gastava todo seu dinheiro com bebidas e farras. Quando chegava em casa, Aghata o esperava, mas como ele mesmo havia dito, ele nunca tocou nela porque tinha nojo e a odiava profundamente. Seis meses depois, Aghata ficou grávida de um homem casado e todos souberam. Ela de ínicio alegava que o filho fosse de Haziel, mas até seus pais sabiam que não era possível, pois ele só dormia com prostitutas e há meses não voltava para casa. A mulher de Jasper, que era esposa do homem que Aghata engravidou, amaldiçoou ela e a criança. Foi um escândalo muito maior que o meu. Enquanto as pessoas me viam com ternura e pena, Aghata era vista como uma mulher horrível e vadia.

Aghata estava com o bebê para nascer, quando implorou a Haziel sua ajuda e ele a recusou dizendo que a odiava e foi morar na propriedade que ficávamos juntos antes de ele casar. Em uma noite, Haziel triste e muito só, saiu e foi a beira do lago, chorou descarregando toda a sua dor naquelas lágrimas. Eu vi tudo. E então eu passei minha mão em suas costas e ele sentiu; e eu o amei, como sempre. Ele me pediu perdão. Pegou um revólver que escondia-se na gaveta da escrivaninha e mirou em sua cabeça e atirou. Seus miolos e sangue esparramaram-se pelo quarto. Quando acordou me viu ao seu lado com a Lucy no colo. Então, ele nos abraçou, e entendemos que só a morte faria que permanecêssemos juntos.

Emily Black,

Anna Azevedo
Enviado por Anna Azevedo em 09/06/2011
Reeditado em 10/06/2011
Código do texto: T3023681
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