O silêncio dos solitários
Havia um casal de corujas que todas as noites piava em seu quintal, num dueto interminável que começava por volta das sete da noite e prosseguia até as quatro da manhã. A certa altura, ele ficou com raiva e, algo invejoso, retirou o revólver calibre 38 da primeira gaveta do criado-mudo e, vestido apenas de cueca, arrancou a cortina da janela num puxão violento, um pedaço de renda veio em sua mão.
Num galho da única árvore que havia em seu quintal, ele localizou o casal de cantores. O luar ajudou-o a focalizar um deles. Quando sua mão parou de tremer, ele apontou com a arma e apertou o gatilho, sem vacilar.
A vítima despencou sobre o gramado, uma coruja branca começando a ficar negra com o sangue que vazava do peito aberto.
O par, ainda empoleirado, como um anjo em reflexão, encarou-o com os grandes olhos cor-de-âmbar. Emitiu, então, um pio alto e triste ao localizar o parceiro abatido.
O homem, satisfeito consigo mesmo, fechou a janela e voltou a dormir.
Três noites de pios melancólicos depois, ele tornou a tirar o revólver da gaveta. Após um minuto de reflexão, estourou os miolos, mergulhando no mais profundo silêncio.