Inverno Russo
INVERNO RUSSO
Agora são exatamente 2:00 horas da manhã caro leitor, e para melhor situa-lo serei mais específico,são duas na manhã no centro de fortaleza,uma grande metrópole que durante o dia fica infestada de milhares de pessoas, frenéticas e loucas para gastar seus salários com utilidades e futilidades,mas essas ruas que durante o dia ficam estreitas de tão movimentadas agora se encontram dezertas a mercê do vazio sonoro e visual,a praça José de Alencar inteiramente em tons de cinza, assim como a mais colorida placa publicitaria que brilha durante o dia,a noite não costuma trazer alegria, o clima noturno dos centros urbanos costuma ser melancólico e perigoso durante a madrugada,mas alguém habita aquelas ruas frias,é um miserável mendigo, bêbado com seus passos curtos e arrastados cruza as ruas sem preocupar-se com a cor do sinal,cai a cada dois metros e levanta-se para continuar sua procissão, ele segue quebrando o silêncio da noite com sussurros ele fala enquanto se arrasta pelas ruas como se estivesse em companhia de alguém,sussurra e gesticula as vezes até se enfurece com algo que só daria pra saber se estivéssemos muito perto dele.
_Não ,não tenho nada, quem me dera porra ter alguma coisa quem me dera...peraí eu
tenho,minto eu tenho sim,sabe o que eu tenho?vou te contar o que eu tenho,vou te contar,eu tenho duas coisas,duas, sabe o que é? São duas coisas fundamentais,a primeira é o desgosto e a segunda é a dúvida .O desgosto de estar vivo e não ter sido levado pela maldita cachaça, minha companheira de 10 anos e a dúvida de não saber onde está meu filho,é... eu tenho um filho,pelo menos eu tinha,a mãe dele levou embora, se estiver vivo hoje deve esta com uns 20 anos,a dúvida fortalece o desgosto que fortalece mais ainda minha idolatria pela dona morte. Ô meu Deus é tudo que eu quero,só assim vou parar de catar migalhas nas praças ,todos já me excluíram,não existo mais pra ninguém,passam por mim e nem sequer me olham nos olhos.
Já existiu alguém que me olhou nos olhos faz uns cinco anos nem me lembro mais seu nome ,lembro dos seus olhos tristes,era uma mulher muito iluminada ela me perguntou sobre mim,quis saber tudo sobre minha vergonhosa história de vida,depois ela até pagou um anúncio pra mim no jornal-''Gabriel Salvador procura seu filho que não o vê há cinco anos,qualquer notícia procura-lo na praça José de Alencar ''-
Muitos vem até a praça todos os dias ,mendigos como eu ,feirantes , prostitutas,artistas todo tipo de gente menos o tipo que me salvaria desse inferno ,gente tipo meu filho,não tem mais concerto....ou melhor tem sim ,o concerto para todas os defeitos da vida,a maneira como tudo sempre se resolve as vezes contra nossa vontade,mas não vai ser contra a minha,só assim poderei me desfazer do desgosto,da dúvida e da cachaça.
O maltrapilho bêbado,magro ,sujo,caminhava como cristo levando sua cruz para o calvário,aos tombos rasgava o joelho,os braços já cheios de feridas ganhavam novos arranhões,nada o fazia parar já tinha uma direção determinada,ele estava indo para a casa de Deus,a catedral da sé que parecia um mausoléu gigante embaixo da lua o esperava. Quando ele finalmente encontra-se embaixo da monumental construção pega um litro de cachaça que levava dentro das calças e arremessa contra a parede de concreto,dezenas de estilhaços caem no chão,ele pega o maior e mais agudo.
_Não sei o que fiz para merecer isso meu Deus mais me perdoe,se todos os suicidas são
condenados isso não me fara diferença alguma porque já estou condenado desde que meus olhos de renascido se abriram para a vida sem sentir o calor de minha mãe .
Ele de costas para a catedral ergue a mão para investir com o estilhaço de vidro contra a própria garganta,mais quando seu braço já descia o movimento foi interrompido,por um vento frio que o cortava até a alma,resfriava seu sangue e congelava até o campo mais profundo do seu inconsciente,em seguida sentiu uma mão segurar a sua que estava suspensa,era um toque celestial ao mesmo tempo horripilante que lhe congelava os ossos e com um imenso esforço olhou para cima,viu abaixo da enorme faxada da catedral da sé,um anjo de asas abertas e imóveis,um anjo com as tonalidades da noite,cinza,fosco com os olhos que refletiam algo tão negro quanto a mais escura das noites,ele com uma mão segurava a mão do suicida e com a outra uma enorme lança que era o dobro de sua altura,essa lança estava cheia de correntes,cada corrente tinha em um dos seus extremos uma lamina e essa lâmina por sua vez estava cravada em sua asa,eram muitas as lâminas que perfuravam ambas as asas do anjo,assim como haviam laminas suspensas mas sujas de sangue como se estivessem sido arrancadas das entranhas de alguém,essas banhadas de sangue tinham nomes de pessoas que brilhavam como o sol mesmo sem a lua oferecer luminosidade bastante para causar tal reflexo.
-Não faça isso . Bradou o anjo ao pobre coitado.
-O que é você?
-Eu sou o nada e não sou ninguém.
-O que você quer?
-Não faça isso? Repetiu com um tom mais agressivo o anjo.
-Porque ? Essa é minha hora não aguento mais .
-Ainda não.
-Deus lembrou d emim?
Após esta pergunta o anjo esboçou um sorriso e fez sua última participação naquele diálogo.
-Tu pensas o que quiseres,tu falas o que quiseres, mas agora tu não morreras.
Todos os estilhaços inclusive o de sua mão se desintegraram como areia ao vento enquanto o pobre mendigo caía ao chão exausto.
O sol ascende os vitrais da igreja acordando o sujeito que levanta desnorteado,mas nada surpreso já estava acostumado com delírios noturnos devido ao álcool que corre em suas veias,simplesmente levanta-se e sai como se nada houvesse acontecido e vai para a mesma praça de sempre mendigar um pedaço de pão,sem conseguir nada segue em frente quando chega na avenida do Imperador ergue sua cabeça pra conferir o movimento dos carros, seus olhos acham um rapaz que lhe parece familiar,podia ser muita coincidência mais aquele rapaz lhe parecia alguém muito especial,seu sangue ferve a boca seca um sentimento de alegria toma conta do seus membros que não param quietos, a tenção só aumenta quando os olhos do rapaz também lhe encontra e tudo finalmente começa a fazer sentido, depois que que a figura lá do outro lado olha para um recorte de jornal e sem exitar grita com todas as suas forças.
-Pai!É você?
As lágrimas derramaram-se sobre os pelos do rosto do pobre miserável que não se contém de tanta alegria,sim é o filho que tanto queria abraçar,beijar, lhe dar o seu calor e amor de pai,não pensou mais em nada deixou a felicidade tão rara em sua sofrida vida tomar conta de si e correu desesperadamente,tão desesperadamente que esqueceu de olhar qual era a cor que sinal de transito mostrava para os pedestres e motoristas,para a sua infelicidade era verde,verde de esperança,verde de siga em frente,mas ele não conseguiu seguir, um carro o jogou a 4 metros de seu filho,a cor agora era vermelha,no semáforo e no asfalto coberto de sangue,o rapaz chorava inconformado ,vendo o pai que não olhava nos seus olhos mais acima deles .O mendigo moribundo parecia ver algo que se sobrepunha sobre todo aquele alvoroço ao seu redor, ele realmente via,era o anjo negro observando a cena,e lentamente arrancou uma das láminas que estava cravada em suas asas,nessa lámina estava escrito ,"Gabriel Salvador'',mostrou o nome ao ser humano estirado no chão e disse.
-Pronto Agora já pode morrer.