Aline, a bela

Aline se retirou para o toalete a fim de retocar a maquiagem. Não queria de jeito algum parecer mal-arrumada na frente do gatinho com quem havia saído aquela noite. Ela tinha confiança na própria beleza, mas não podia abrir mão de um brilhozinho com aroma de cereja nos lábios e um pouco de máscara preta a mais nos longos e sedutores cílios. Embonecar-se um pouquinho não era nenhum crime, ela bem sabia disso, e por que não afofar os cabelos cheios e vistosos, cor de cobre, que sua mãe lhe transmitira como a mais suprema herança? O reflexo no espelho não poderia deixá-la mais satisfeita, nem se dissesse que ela era a mais bela do reino inteirinho.

- Desculpe a demora – disse ela, de volta à mesa, tornando a se sentar diante do rapaz mais lindo que já vira na vida. – Então, sobre o que falávamos?

Ela montou o sorriso mais doce possível e, com muito orgulho, viu o efeito dele sobre o seu acompanhante.

- Meu Deus, você é tão linda. Talvez a mais linda que já vi em toda a minha existência.

O sorriso de Aline murchou um pouco nos cantos.

- Como assim, talvez?

Ele riu suavemente, sem despregar os olhos dela: - Minha querida, acredite, não é ruim estar entre as mais lindas mulheres em que já pus os olhos. Todas elas são beldades radiantes.

Melhorou. Um pouco. Aline não gostava de se ver comparada a outras mulheres. Ela era especial, única, ninguém teria metade das qualidades que ela possuía. E ela estava apenas com dezesseis anos. Imagine como ela seria quando completamente adulta. Um estouro, como sua mãe sempre lhe dizia.

- Meu bem, não faça biquinho – disse ele, afagando sua bochecha com dedos frios como gelo. – Não, sorria para mim.

Ela sorriu, não era muito difícil fazer o que ele pedia. As vezes, tinha a impressão de que ele a encantava. Tão bonito. Tão culto. Tão misterioso.

- Por que você quis vir para cá? – perguntou Aline, referindo-se ao restaurante silencioso, elegante, cheio de suave música e de clientes ainda mais suaves que conversavam suavemente... era completamente diferente do que ela estava habituada. Naquele momento, por exemplo, seus amigos deviam estar dançando feito loucos com epilepsia em uma das casas noturnas mais badaladas da cidade.

- Por que aqui eu posso admirar a sua beleza, ouvir a sua doce voz, desfrutar da sua adorável companhia. Você não gosta daqui, quer ir para outro lugar?

- Nããão. Estou adorando. Vamos jantar então? Estou com um pouquinho de fome, para falar a verdade. Deve ser esse vinho que me abriu o apetite.

Aline bebeu mais um gole do espesso e maravilhoso vinho que ele escolhera. Puxa vida, nunca bebera nada tão incrível em toda a sua... existência.

- Do que está rindo? – perguntou ele, um tanto divertido – No que está pensando?

- Nada, nada mesmo.

Aline, de repente, não conseguia parar de rir. Os outros clientes começaram a encará-la.

- Desculpe, desculpe, desculpe... estou dando vexame, não estou?

- Não, longe disso, você é a personalidade mais interessante neste lugar. Todos sentem inveja de você.

- Oh?

Levou algum tempo para ela se recompor. Devia estar ficando bêbada. Notou que havia um prato a sua frente. Por um instante, ela ficou sem saber o que fazer.

- Coma – sugeriu o lindo rapaz. Aline obedeceu, pondo em prática tudo o que aprendera sobre etiqueta, comendo como uma princesa e bebericando vinho entre cada porção diminuta que colocava dentro da boca.

- Estava maravilhoso... e você? Não comeu nada?

- Preferi vê-la comer. Foi maravilhosamente inspirador, sabia? Você não deixou cair nada, nem mesmo um pingo de molho, nem mesmo uma gota de vinho. Nenhum desperdício...

- Claro, né? Eu sou muito educada.

- Com certeza.

O vinho havia acabado. Aline olhou para o seu acompanhante, esperançosa.

- Já chega, minha querida, você já bebeu mais do que o suficiente.

Ele tinha razão. Aline sentia sono, seu medo agora não era a maquiagem ter desbotado, ou manchado o seu rosto. Seu medo era despencar inconsciente. Ia ser um mico horroroso.

- Vamos sair daqui, minha linda?

Ela sacudiu a cabeça numa afirmação que fez tudo oscilar.

- Pelo amor de Deus, vamos antes que eu caia de cara na mesa.

Ele sorriu. Algum tempo depois, como o príncipe encantado que era, já a havia instalado no carro, passado o cinto (impedindo que ela desmaiasse sobre o painel) e dado a partida.

- Aonde vamos? – ela engrolou, completamente zonza – Já estamos indo embora? Que horas são, hein?

- Vamos para casa, minha querida.

Ele esticou o braço, sem desviar os olhos da pista – que pista? – e afastou o cabelo que caía sobre o rosto de Aline.

Antes de apagar, Aline pensou: Putz, minha mãe vai ficar doida da vida.

Aline, claro, nunca mais veria a mãe.

Andhromeda
Enviado por Andhromeda em 27/03/2011
Reeditado em 27/03/2011
Código do texto: T2873244
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