A última Carta
O sangue explodia subindo através da traqueia, gosto ferroso e amargo invadia a boca, colorindo os lábios de rubro. Era a morte, ela estava próxima. Os pulmões já cansados arfavam em busca de ar, o oxigênio nunca fora tão precioso. O corpo sentia a perca de sangue gradativamente. A fraqueza, o cansaço, a letargia, sensações distintas sendo tragadas pelo silêncio mortal, o vazio. O coração retumbava no peito, lutando pela vida que não lhe pertencia. Desespero, lutou bravamente até cessar no peito. Ao lado do corpo mergulhado na banheira de sangue, um envelope guardava uma carta, que dizia:
Perder o encanto pela vida é algo que jamais desejei. Perder a vontade de existir, quando não se tem mais fundamentos para tal. Não irei pedir o perdão daqueles que eu amei, daqueles que me amaram, pois estou consciente daquilo que fiz. Eu desejava o silêncio, a inconsciência, fechar os olhos para um mundo corrupto e desajustado. Não quero julgamentos alheios, pois esta existência tornara-se um fardo pesado demais para ser sustentado pelos meus ombros. Estou morto desde o principio, sentir-se deslocado era inevitável, preso em uma cela de carne, existir em um mundo que jamais notou minha existência. Este meu espírito aflito deseja a liberdade. Para quem ficar, quero que minhas memórias permaneçam nas pequeninas coisas, na brisa suave da manhã, nos primeiros raios de sol, no brilho fugaz das estrelas, no esvoaçar das asas de uma borboleta, no som da nascente de um rio e na flor que desabrocha na primavera. Quero estar nas coisas boas e não em suas lágrimas. Não desejo velas, salmos e coroas de flores fétidas e murchas. Como meu último desejo, quero que entreguem minha matéria ao fogo, para que seja purificada, e minhas cinzas ao mar. Não me julguem como um covarde, pois tive coragem de determinar meu próprio fim. A única coisa que levarei comigo, são as lembranças de um amor, mesmo sendo breve, tempestuoso e inconstante. Eu ainda o tive.
Finalmente a paz.