MORDIDO EM VENEZA (Parte VII)

(Continuação de Mordido em Veneza - Parte VI)

Fomos acomodados num pequeno recinto. Saíamos da Lisboa destruída. Dava-se para ouvir, ainda, gritos e lamentações.

O rio Tejo já não nos guiava, mas o Oceano Atlântico nos recebia de braços abertos. Obviamente, os comentários eram sobre o terremoto que acabara de acontecer em Lisboa. Alguns marujos afirmavam que fora um castigo divino.

Ank, por sua vez, também sustentava essa tese; mas afirmava que eu fora o principal alvo dessa “ajuda” divina.

- Por que estão indo ao Brasil, se há ilhas que são colônias de Portugal? – perguntei a Ank.

- O que me informaram fora que eles já estavam zarpando quando houve o terremoto. Estamos num navio comercial! Estão levando manufaturas à colônia. – respondeu Ank.

- Mas, você disse que não há nenhum vampiro na América.

- Bem, pelo que eu sei, realmente não há; mas lembre-se que meu irmão persegue muitos vampiros...

- Então há possibilidade de haver vampiros no Brasil?

- Tenho dúvidas há no Brasil, pois é um país bastante quente e ensolarado; um martírio para nossa espécie. Mas, há uma colônia britânica ao norte, que tem o clima ideal para nossa espécie. Talvez consigamos sobreviver por lá.

Suspirei de entusiasmo.

Uma hora depois, estávamos próximos à Ilha da Madeira.

Eram 14h00min quando paramos no porto da ilha. Muitas mulheres vieram abraçar os marujos; seus esposos. As notícias sobre o terremoto haviam se espalhado como uma doença. Não era para menos, pois o tremor fora sentido na ilha também.

Muitos comemoraram com a vinda do navio. Preferimos não sair do navio, pois poderia ser que os marujos demorassem.

- Lembre-se que podemos ficar somente quatro horas expostos ao sol. – disse-me Ank.

Mais homens subiram a bordo. Queriam ir à colônia. Outras naus zarparam à Portugal, para resgatar e ajudar a população arrasada.

Às 17h00min saíamos da Ilha da Madeira rumo ao Brasil.

- Será uma viagem longa, George. Por isso, devemos ser cautelosos quando formos nos alimentar.

Assenti com a cabeça.

- Devemos nos comportar de forma “humana”. Quando nos convidarem para comer, devemos ir; para festejar, também. Mas, nunca se envolva! Eles serão nossa sobrevivência! E teremos que dividir um corpo para não chamar atenção.

Assenti novamente.

Como Ank disse, a viagem era bastante longa. Estávamos uma semana inteira percorrendo o Oceano Atlântico. Os marujos nos tratavam bem, pois pensavam que iriam receber a recompensa prometida.

Na segunda semana, os indícios de minha sede apareceram. Quis esconder de Ank, mas este percebera de imediato.

- Também estou sentindo sede. Teremos que nos alimentar hoje à noite. Iremos entrar no compartimento de carga, onde dormem alguns marujos. Esteja pronto.

Era uma vergonha ele dizer isso a mim, mas ele sabia o quanto não queria machucar as pessoas para me alimentar.

Mas, obedeci às ordens de Ank. Quando a nua estava em total silêncio, exceto com os rangidos de madeira; eu e Ank nos espreitamos pelos corredores da nau e adentramos no compartimento de carga.

Muitos marujos dormiam ali. Alguns deitados ao chão, outros em redes. Ank olhou em volta do recinto em total escuridão. Escolheu um homem, por volta dos quarenta anos.

Como um felino, Ank se aproximou levemente de sua vítima e quebrou-lhe o pescoço. O homem, talvez, nem sentiu dor. Ank o pôs nos braços e o levou ao nosso aposento.

- Um ser-humano tem, em média, cinco litros de sangue. Não há como medir, por isso perdoe-me se eu consumir um pouco a sua parte. – disse Ank.

Dei de ombros.

Ank o mordeu ferozmente. O cheiro agridoce do sangue do homem entrou, sem permissão, pelas minhas narinas. Minha garganta, agora, doía de vontade.

Ank não demorou muito. Levantou-se e deixou cair o corpo ao chão.

- Beba. – falou Ank afastando-se.

Não pude resistir. Avancei e ingeri o combustível do corpo do homem.

Não fiquei saciado o bastante.

Ank se aproximou, mordeu seu dedo e esfregou seu sangue

no pescoço chaguento do homem. A abertura que fizemos, sarou em poucos minutos; deixando uma cicatriz.

- Fique aí, voltarei logo. – disse Ank pegando o cadáver e saindo do recinto.

Olhei pela escotilha. A lua estava ao longe nos contemplando.

Ank voltou em seguida. Olhou para mim e disse:

- Tente dormir.

- O que eles acharão sobre o corpo?

- Direi que sou um médico, e darei o diagnóstico: tifo. – disse Ank sem pudor.

- Isso criará um mal-estar no navio! – eu disse.

- Eu sei, mas não há alternativa. E não vamos nos alimentar logo de imediato. Talvez em duas semanas...

Não quis prolongar o assunto.

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Pela manhã, um grito soou pelo navio. Passos apressados soaram por todo lado da nau. Abri meus olhos, olhei em volta e vi Ank sentado tomando um cálice de vinho.

- Bom dia, cordeirinho.

- Eles...

- Sim, descobriram. Vou-me preparar. Venha comigo.

Minutos depois estávamos no convés da nau. Um grupo de homens arrodeavam o corpo do homem que havia sido levado para o convés.

- Nós o encontramos assim...

- O que será que houve?

- Quem o viu dormir por último?

- Ele se envenenou?

O burburinho marcava presença entre aqueles homens assustados.

Quando subimos ao convés, e nos expomos aos raios do sol, nossa pele estava com certo “formigamento”; mas não incômodo.

O grupo de homens se calara. Olhavam para nós como se fôssemos fantasmas.

- O que houve? – perguntou Ank autoritariamente.

Muitos se entreolharam.

- Um dos nossos foi encontrado morto!

Ank olhou para o cadáver ao chão.

- Sou médico formado. Eu o examinarei! – declarou Ank.

Todos ficaram surpresos. Até eu.

Ank se ajoelhou lentamente. Analisou o corpo. Tinha gestos, realmente, de um médico profissional.

Os marujos olhavam para ele curiosamente.

Ank se levanta e diz:

- Ele morreu de tifo!

Vários suspiros de horror soaram pelo convés.

- Tifo?

- Não...

- Meu Deus!

- O que faremos?

Ank levantou a mão, em forma de silenciar os homens.

- Joguem o corpo no mar, e todos devem tomar banho! Alimentar-se bem! E lavem o local em que ele dormiu e o convés, pois talvez estejam infectados.

Mais suspiros de horror.

- Agora! Vamos! – disse Ank.

Os homens começaram a se mexer.

Eu e Ank voltamos para nosso recinto.

- Tolos! – disse Ank – Eles nem têm conhecimentos dos sinais do tifo...

Ele riu pesarosamente. Abriu outra garrafa de vinho.

- Pegue. – disse-me ele.

- Não, obrigado.

- Vamos, George. Todo ator comemora quando se sai bem numa encenação. – completou Ank rindo alto.

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Com a ajuda dos ventos, nossa nau chegou às brasileiras antes do combinado. Para surpresa de todos.

Ank subiu ao convés um dia antes da notícia que estávamos perto da costa.

- Estamos pertos. Amanhã de madrugada, sairemos daqui com um dos barcos a remo. – disse-me ele.

Assenti. Fiquei feliz com a notícia, pois, pelo menos, não iríamos matar mais ninguém a bordo.

O dia passara com rapidez. Os marujos fizeram algazarra quando viram a costa brasileira. Beberam bastante.

De madrugada, eu e Ank fomos ao convés. Vi ao longe, mesmo na pesada escuridão, a longa, recortada, arborizada e vivente costa do Brasil.

Soube por estudos na Inglaterra que os descobridores do Brasil muito se encantaram quando viram suas terras. E não era mentira. O Brasil é um país de beleza augusta. E, ao longe, podiam-se ver as fracas luzes do Porto do Rio de Janeiro. Um longo morro arrodeava toda a cidade. Era uma vista espetacular.

A cidade do Rio, como nenhuma outra, tinha o privilégio de ter sido erguida em meio à natureza nativa.

Despachamos o barco ao mar e descemos com um pulo que não reproduziu som algum.

Remamos até a costa. Se fôssemos humanos, talvez, teríamos chegado com o sol a pino. Mas, desembarcamos no píer do Porto pela madrugada. Saímos caminhado pelo porto às escuras e chegamos às ruas ladeadas.

Estávamos no Rio de Janeiro.

Talvez fosse 04h00min horas da manhã. Não sabíamos.

- Você conhece essa cidade? – perguntei a Ank.

- Não. Mas, já ouvi falar. Dizem que é muito quente. Contudo, precisamos nos focar em arranjar dinheiro. Não podemos ficar nesta cidade.

- Como iremos arranjar dinheiro?

- Não seja tolo, George. Roubando, obviamente. – respondeu ele.

Estaquei no meio da rua. Alguns postes de luz à óleo iluminavam meu rosto pálido.

- Não podemos fazer isso. – respondi – Já não roubamos demais? Roubamos algo irreparável: a vida! – gritei.

- Você matou para sobreviver! – gritou Ank em resposta.

- Você sabe que não pedi isso... – disse eu em murmúrio.

Ank põe as mãos na cintura olha para um lado. Depois, olha para mim novamente.

- George, estamos numa cidade que desconhecemos, estamos sem dinheiro, e, se você ainda não percebeu; somos fugitivos!

Ele volta a andar.

Desbravamos ruas estreitas. Algumas ainda em terra batida.

Vi alguns negros já a trabalhar, varrendo e limpando a frente e o terraço das casas de seus senhores.

Alguns jovens, retardatários, que vinham de alguma festa da elite local passaram por nós falando de uma forma malandra e risonha.

Andamos bastante. Estávamos nos aproximando do centro da cidade.

- O que procuras? – perguntei a Ank.

- O que nos pode ajudar. – respondeu ele olhando para os lados.

Dobramos numa esquina. Ele para um negro. Não entendi o que Ank perguntou, mas o infeliz escravo fez gestos e falava com sua boca de grossos lábios rúbeos.

Ank agradeceu e apertou-lhe a mão. O negro pareceu assustado com a atitude de Ank.

- O que perguntastes?

- ‘Onde fica a Casa dos Governadores’.

- E o que é isso?

- Onde ficam os governantes desta cidade. Lá, com certeza, tem o dinheiro que precisamos.

Andamos um pouco mais. O sol já anunciava a sua chegada. Os monumentos e construções começavam a ser banhados pelos raios, formando sombras com ângulos disformes.

Alguns homens nos olhavam de forma desconfiada, mas Ank os saudava e eles retribuíam o gesto com sorrisos.

Ank olha para alguns cantos e aponta com o dedo em riste.

- Ali! O Largo do Paço!

E anda rapidamente. O segui logo atrás.

Chegamos a um longo e amplo espaço em construção. Alguns negros de cócoras assentavam lajotas, pintavam um prédio recém-construído, limpavam um grande chafariz. Estavam construindo um logradouro. À direita um convento erguia-se imponente.

- Convento do Carmo. – disse-me Ank, lendo uma placa.

Deviam ser quase sete horas, portanto não havia ninguém dentro do edifício, além dos escravos sendo observados por representantes do governo no meio do logradouro.

Ank, como uma águia, entrou imperiosamente por umas das baixas e largas janelas com arcada em pedra.

Eu o segui. Por dentro e por fora, era uma construção belíssima. Muitas janelas de madeira, portas e corredores amplos. Móveis europeus, pinturas de alguns pintores portugueses. Um luxo que não refletia a realidade da cidade escravocrata.

Ank subiu algumas escadas de madeira polida. Entrou em alguns escritórios e salas.

- Malditos portugueses! Escória! – bravejava Ank.

Subiu mais um relance de escada e viu um longo corredor ladeado por uma porta-dupla de madeira nobre.

Com um sorriso, ele arrombou a porta facilmente. Demos com um belo escritório, com muitos candelabros e dois lustres franceses. Uma longa mesa estava posta no meu do escritório sobre um tapete italiano.

Ank foi em direção à uma porta adjacente. Trancada. Com um soco, frestas da madeira caíram ao chão e Ank entrou no recinto.

Olhei de longe, vi que era uma pequena sala. E tinha apenas um único objeto. Um cofre.

Ali mesmo, Ank deu várias estocadas e socos no cofre que, facilmente, partiu-se exibindo seu conteúdo.

Vários maços de dinheiro, sacos de moedas, algumas joias, papéis-moedas, alguns documentos oficiais, e, até uma caixa de charutos cubanos.

Ank saiu da saleta e olhou em volta. Foi até a uma pequena mesa e puxou uma toalha de seda, derrubando um belo jarro de cristal.

Colocou o fruto de “nosso” roubo no meio da toalha, embrulhou e deu um laço; formando uma trouxa.

- Eles ficarão chocados com o sismo de ontem em Lisboa, mas ficarão mais indignados com o nosso roubo. Agora, vamos! – disse Ank abrindo a janela do escritório.

Como um felino, ele deu um salto e estacou, levemente, na calçada embaixo. Repeti a cena.

Como se perseguidos, andamos rapidamente. Desbravamos algumas ruas do Rio desconhecidas.

Como a Coroa Portuguesa censurava a reprodução de jornais no Brasil; Portugal permitia apenas a impressão do jornal lisbonense “A Gazeta de Lisboa”.

Um jovem brasileiro gritava:

- Terremoto em Lisboa! Castigo Divino? Venham! Comprem!

Ank foi ao jovem e comprou o jornal com o dinheiro roubado.

A manchete do jornal anunciava:

“Sismo Destrói a Capital do Reino de Portugal”

Logo abaixo tinha escrito:

“O dia 1º do corrente ficará memorável a todos os séculos pelos terramotos e incêndios que arruinaram uma grande parte desta cidade; mas tem havido a felicidade de se acharem na ruína os cofres da fazenda real e da maior parte dos particulares”.

Mas, a sociedade brasileira era composta por escravos, analfabetos, iletrados, e pobres. Portanto, muitos não tinham acesso ao jornal, por isso os brasileiros souberam do terremoto por fofocas, estórias fantasiosas e, principalmente, pela Carta Régia outorgando o aumento dos impostos para a reconstrução e recuperação de Lisboa.

Mesmo com o assombro que se espalhava pela colônia portuguesa, Ank disse:

- Vamos comemorar nossa vitória e homenagear os mortos da tragédia.

E assim fomos a uma taberna consumir algumas bebidas.

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Dentro da taberna, o burburinho era geral. Sentamos numa mesa junto à parede.

Alguns homens seguravam o jornal lisbonense e liam para os que eram analfabetos.

- “Vossa Majestade, rei Dom José, declara que aqueles que fugiram deixando a pátria-mãe na hora de ajuda e precisão para refugiar-se nas colônias portuguesas serão considerados inimigos do Estado e do rei! As autoridades devem ficar em alerta para prenderem os antinacionalistas!”. – bradou um homem em alta voz para todos ouvirem.

Ank traduziu para mim o que ele disse.

Bebíamos vinho vindo de Portugal.

- Precisamos arquitetar um jeito de irmos às Treze Colônias. – falou de repente Ank.

- Como faremos isso? Navios daqui não vão para o norte, somente para a Europa; Portugal. Pacto colonial... – disse eu sem esperanças.

- Precisamos comprar uma nau e recrutar alguns marujos.

- Precisamos nos esconder dos marujos que caloteamos. Talvez

estejam atrás de nós.

Ank olha-me de forma ameaçadora.

- Estou preocupado com a nossa sobrevivência, mas você, como de costume, sempre está de contra aos meus pensamentos! Porra! Não podemos ficar num país como este! Olhe em volta! O sol é tão quente quanto o inferno! Não sobreviveríamos tanto tempo, sem falar que chamaríamos a atenção; ficando encarcerados dentro de casa, que nem temos aqui!

Fingi que não estava escutando. Beberiquei o vinho quente. Alguns homens já começavam a rir, falar alto e até bater na bancada; indicando o estado de embriaguez.

Senti uma pontada de ciúmes daqueles homens. Eles podiam aproveitar a vida, sem se preocupar em seguir regras absurdas adotadas por um vampiro idiota!

Fiquei raivoso.

Ank, como sempre, notou minha fúria; mas nada disse.

Ficamos em silêncio por um tempo.

- Vamos, precisamos de um quarto num bom hotel. – falou Ank levantando-se.

Ank pagou a bebida e saímos à procura de um hotel.

Sabendo que Ank tem mania de luxo, ele estava atrás de um palácio e não de um hotel; pelo o que percebi.

Andamos bastante até encontrarmos um hotel que Ank aprovasse.

Não nego que o quarto era luxuoso e aconchegante. Da janela dava-se para ver a espessa e verde mata nativa. O Rio de Janeiro era uma cidade abençoada pela sua beleza; uma cidade erguida no meio de florestas e montanhas.

- Lindo, não? – perguntou Ank ao meu ouvido.

- Nunca vi algo assim.

- Realmente, a cinzenta Londres anuvia nossa visão. – debochou Ank.

- Vivi minha boa parte da vida em Kent. Nunca gostei de ficar babando a barba e os seios do rei e da rainha.

- Nossa... Parece que alguém está furioso... Não sei o porquê.

Olhei furiosamente e fixamente para ele.

- Por que será? – perguntei ironicamente.

Ank deu uma volta pelo quarto afastando as cortinas brancas para iluminar o quarto.

- SERÁ QUE VOCÊ PODE ME ESCUTAR? – gritei.

Ank para e olha para mim.

- O que você quer dizer, cordeirinho?

- NÃO ME CHAME ASSIM!

- Está com raiva por que transamos?

Não agüentei. Avancei como um leão. Peguei-o pelo pescoço e nos jogamos contra a parede.

- Não pedi para estar aqui neste fim de mundo! Não pedi para ser o que sou agora! Não pedi para estar ao seu lado! – sibilei próximo ao seu rosto.

Em represália, Ank me empurrou com sua força dantesca que caí por cima de alguns móveis quebrando-os instantaneamente.

- Não ouse fazer isso novamente. – disse Ank alisando o pescoço.

- Maldito! MALDITO! VOCÊ ARRUINOU A MINHA VIDA!

Ank me deu as costas; foi até a varanda e disse:

- Eu sei que arruinei a sua vida, George. Por isso, venho me esforçando ao máximo para que a sua perda seja recompensada. Reneguei o meu direito de ser rei dos vampiros por sua causa. Somos fugitivos. Eu carrego esse fardo comigo. Eu também não quis que fosse assim. Não quis. Mas, não tive alternativa.

Tive um pouco de compaixão; mas minha angústia rondava pelas minhas veias.

- Não insistirei que você fique comigo, George.

- O que quer dizer?

- Você é livre agora, George. Livre! Não há nenhum vampiro aqui! Fuja! Siga a sua vida! As leis vampíricas não chegaram até aqui! Não era isso que você sempre quis? Livrar-se de mim; após aproveite a oportunidade! – disse ele calmamente.

- Não seja tolo. Preciso de você para sobreviver.

- Não, não. Você está preparado há muito tempo.

Ele respira o ar salgado e tropical. Vejo que ele está cansado, triste, sozinho...

Aproximo-me dele e o abraço pelas costas.

Sinto que ele sorri. Afaga minha mão. Vira-se e olha para mim.

- Amo-te. Amo-te como pai, como pupilo, como filho, como amante...

Eu ri.

- Amo-te ainda mais. – respondo aproximando meu rosto do dele.

Batidas na porta nos traz de volta à realidade.

- Entre. – disse Ank em português.

O gerente do hotel entra de forma autoritária.

- Senhores, escutamos barulhos de objetos sendo quebrados. – diz ele olhando para os lados.

O gerente vê a escrivaninha e duas cadeiras aos pedaços.

- Cavalheiros, a política do hotel não permite anarquia...

- Meu caro senhor, perdoe-nos pelo infortúnio; mas não estamos sóbrios o quanto gostaríamos. Eu e meu amigo aqui “tropeçamos” no tapete e “caímos” sobre os móveis, mas não se preocupe. Coloque o valor dos objetos em nossa conta e, por gentileza, peça para que retirem os restos. – interrompeu Ank com sua foz polida e retumbante.

O gerente, sem jeito, fez uma mesura com a cabeça e deixou-nos só.

Olhei para Ank e ri como um bárbaro.

- “Meu caro senhor?” – repeti com ar de graça.

Ele também ri.

Ficamos nos olhando intensamente.

- Você irá comigo para aonde eu for? – perguntou Ank.

- Sim. – respondi sem pensar duas vezes.

Ele veio até a mim. Seus lábios lisos e frios roçando meu rosto.

Peguei-lhe a mão e beijei-a apaixonadamente.

- Aonde vamos? – perguntei.

- Deixemos para outra hora. – sussurrou ele ao meu ouvido.

Alisei seus sedosos e lisos cabelos. Ele beijava meu pescoço. O pecado da homossexualidade estava tomando conta de nós. Mas, eu não queria mais pensar nisso.

Beijamo-nos fervorosamente. Há muito eu relutava com relação ao “estranho” gosto de Ank por homens. Mas, eu entendia agora. Nossa espécie é atrativa e, muitas vezes, nós, vampiros, caímos em nossas próprias armadilhas de sedução.

Arranquei a camisa dele e lambi seus mamilos. Sua excitação era extrema. Ele puxava meu cabelo com vontade.

Subi ao seu rosto e sussurrei:

- Amo-te Ank. Eu não entendia, mas amo-te.

Ele abocanhou meus lábios ferozmente. Tiramos, ou melhor, arrancamos nossas vestes e fizemos amor ali mesmo, em pé, juntos à parede, em cima da mesa nobre; em qualquer lugar.

Fomos à cama. Penetrei-o com vontade e vigor. Ele gemia e pedia mais. Era algo bonito de se ver... Dois homens, belos, vampirescos e esculturais passeando pelo antro da paixão e sedução.

“Brincamos” um com o outro durante horas. Depois da “brincadeira”, ficamos abraçados. Ele afagava minha nuca e eu o seu braço pálido e forte.

Um funcionário veio deixar o jantar. Ficamos de uma forma apaixonante. Olhávamo-nos enquanto comíamos. Ank fazia gestos picantes com as uvas. Eu apenas ria. O vento frio e marinho entrava pela janela aberta, revelando um Rio iluminado e barulhento.

- É um povo feliz. – concluiu Ank.

- Sim. – confirmei.

Ank preencheu sua taça com vinho e perguntei:

- Para onde vamos?

- Norte. Treze Colônias. Ou “La Nouvelle-France”, A Nova França. Colônia francesa.

- Você não acha que é óbvio o bastante?

- Não. Não ficaremos nas cidades ou vilarejos principais. Ficaremos mais no interior.

- Será que a Ordem está, realmente, atrás de nós?

Ank sorri.

- Eles nos querem tanto quanto eu o quero.

Sorri.

- Certo. Às Treze Colônias Britânicas; precisamos planejar nossa ida e... os “suprimentos”.

- Não se preocupe com isso. Arranjarei duas escravas. Ouvi dizer que o sangue africano é viscoso.

Fiz careta.

Ank se levanta e acende uma cigarrilha. Eu, contudo, continuo sentado e pensativo.

- O que te afliges, cordeirinho? – pergunta Ank.

- Nada. – menti.

- Hmm. Parece-me que a Saudade bate à porta.

Ele descobriu. Não podia mais esconder.

- Prometi ao meu tio que iria escrever-lhe; dar notícias. Não sei como meu irmão está em Kent.

- Não se preocupe. Quando estabelecermos um local fixo para moradia, poderemos ir a qualquer lugar que você desejar; obviamente, com cautela.

- Obrigado.

Então, fiquei olhando para o céu escuro do Novo Mundo. As estrelas brilhavam intensamente. Será que elas brilhavam assim em Veneza ou em Kent? Nunca prestei atenção.

A saudade nos deixa com os sentimentos aguçados, até mesmo para os vampiros.

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(Continua em Mordido em Veneza - Parte VIII)

Deo Odecam
Enviado por Deo Odecam em 23/10/2010
Código do texto: T2573146
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