MORDIDO EM VENEZA (Parte V)
(Continuação de Mordido em Veneza - Parte IV)
O trajeto me fez relembrar da belíssima Veneza, de meu tio, de minha prima... Nunca cheguei a escrevê-la. Mas, a beleza do Mediterrâneo fez-me esquecer, um pouco, de meus parentes. Aproximávamos de uma ilha, quase imperceptível.
- Ilha de Malta. – disse Ank, olhando atrás de mim.
- Malta?
- Sim... Conheci minha amada Juliette em Valeta...
- Juliette? Você não me contou...
- Ela tinha uma pele dourada, por causa do sol. Seus cabelos cacheados e seus olhos castanho-claros eram suas marcas... Como Anjelina, ela era uma simples mulher. Apaixonei-me imediatamente por ela... A vi pela primeira vez em Valeta quando a Ordem estava em busca de um vampiro que travejava-se de padre para alimentar-se. Quanto mais os componentes da Ordem se empenhavam em buscar do tal vampiro, eu me empenhava a vê-la. Tive meu primeiro contato quando eu comprei algumas frutas de sua tenda na feira. O vampiro tinha fugido de Malta. Aproveitei a sorte e pedi permissão ao meu pai, que na época era rei dos vampiros, para “ficar” de sentinela se o fugitivo vampiro retornasse a Malta. Tive o pedido atendido. Então, comecei a dar minhas primeiras investidas amorosas. Dias depois, estávamos enamorados. Passávamos horas juntos. Um dos membros da Ordem, que retornara para dar-me apoio, percebeu minha paixão por Juliette; portanto teve de relatar ao meu pai. Este me enviou uma carta ordenando meu retorno imediato à Romênia. Mas, um dia, Juliette me contou que estava gravida... Fiquei entusiasmado. Meu primeiro filho! Decidi ficar e renunciar minha herança sanguínea. Eu ainda era jovem, não sabia das consequências em ser vampiro. O mesmo membro que descobriu que eu estava apaixonado, soube que eu esperava um filho. Pediu que o meu pai viesse a Malta resolver o assunto que estava tendo um cunho pessoal da família Draculea. Meu pai resolveu não ir, mas enviou um carrasco para matar Juliette e levar-me preso de volta à Romênia. Tentei impedir o assassinato de Juliette, mas o carrasco a matou com uma punhalada na barriga; e em seguida pôs fogo em sua residência. Saí de Malta humilhado, preso, infeliz e sem filho...
Fiquei olhando para ele. Fiz com que ele parasse de falar, mas ele insistiu. Ele precisava pôr para fora...
- Meu pai me condenou por traição à Coroa e à família Draculea. Fui mandado para uma prisão subterrânea em Madagascar. Quando meu pai morreu em batalha, meu irmão concedeu-me perdão e designou-me como vice-rei vampiro de Veneza. Por isso, George, entendi plenamente o que você sentiu quando viu Anjelina. Vi a chama do amor brilhar em seus olhos, mas, como eu, seu infortúnio chegou muito cedo...
Ele se virou e sentou-se à cama. Parecia perturbado com o retorno ao passado. Para ajudar-lhe, cerrei as cortinas da escotilha e comecei a conversar para distrai-lo.
E o resultado fora positivo. Em poucos minutos seu sorriso estava de volta. E nem percebemos quando paramos e zarpamos da Ilha de Malta.
A noite fria chegou sem cerimônia e ainda percorríamos as águas do Mediterrâneo. Não paramos em outras ilhas. Continuamos viagem durante dois dias e paramos numa pequena ilha chamada Ibiza. Pela primeira vez, eu ouvi Ank dizer que não tinha visitado a ilha. Pertencia ao reino da Espanha. A nossa nau foi reabastecida de bebidas, roupas, água e alimentos para não haver desconfiança. Zarpamos de Ibiza durante a madrugada e seguimos viagem até o Mar de Alborão.
Navegamos pela costa da Espanha, e dava para avistar as cidades espanholas. As construções com cores alegres e povo de pele queimada sorrindo, e muitas vezes acenando para nossa nau.
Depois de três horas, aproximávamos do Estreito de Gibraltar. Apesar de o sol aparecer em todo o percurso, as nuvens escuras ainda davam sua graça. Estávamos no fim de outubro, portanto o inverno na Europa estava ficando mais forte.
Atravessávamos o Estreito de Gibraltar; uma belíssima paisagem. Local onde a Europa queria “tocar” a África. Dois continentes, dois mundos.
Do Estreito, desembocamos no Oceano Atlântico. Depois, seguimos viagem até a cidade espanhola com requintes mulçumanos: Cádis. Paramos no porto apinhado de pessoas de toda a Europa. Ank pediu que fossem comprados algumas essências, perfumes e óleos de banhos, para que “entrássemos com dignidade em Lisboa”.
E assim foi feito. Muitos vidros de várias regiões da Europa estavam em nossa posse. Uma enorme banheira redonda de madeira nobre fora posta no centro de nossa cabine. A água quente exalava uma leve fumaça transparente. Ank depositou o conteúdo de alguns óleos na água.
Depois, ele tirou a fita de seda que prendia seu liso e longo cabelo negro. Começou a desabotoar seu jaleco. Percebi que ele iria se despir, mas não podia sair da cabine pela proibição imposta; virei-me de costas para dar um pouco de “privacidade” a ele.
Fiquei olhando pela escotilha o azulado Oceano Atlântico. Momentos depois, senti uma leve respiração em meu pescoço.
- Despisse-se. Vamos tomar banho juntos. – falou Ank com a voz aveludada.
Horrorizei-me com a atitude.
- Melhor não, Ank. Não quero tomar banho...
Senti duas mãos pegarem meus e ombros; ele virou-me. Fiquei olhando para seu rosto. Eu estava envergonhado; evitava ao máximo olhar para baixo.
- O que foi cordeirinho? Vergonha de seu mestre?
Talvez eu estivesse com o rosto vermelho, não dava para saber, portanto respondi:
- Acho que sua atitude não é aceitável, Ank. Você está denegrindo a sua reputação.
Ank soa uma exagerada risada.
- Vamos morrer, George! Morrer! E você ainda fala de “reputação”.
Ank se afasta um pouco e não deixo de perceber seu corpo escultural. Pele branquíssima, tórax elevado, mamilos rosados, braços fortes, abdômen liso e definido, ventre com uma veia saltada e seu...
- Matou sua curiosidade, George?
Ruborizei-me. Virei-me rapidamente.
- Não se preocupe querido. Eu não ligo.
Então, senti seu corpo frio e rijo encostar-se ao meu.
- Meus pensamentos e escolhas são muito diferentes do seu, George. – falou Ank murmurando em meu ouvido.
Não posso negar que senti um certo... tesão por ele. Mas, é algo inaceitável. Repudio-o por isso.
Senti, então, suas mãos desabotoarem minha camisa. Interrompi-o de imediato.
- Ank, não sou o que você pensa! – vociferei – Você amou uma mulher! Juliette! Lembre-se de sua memória!
Ank me virou de novo e olhou profundamente em meus olhos.
- Eu a amei mais do que tudo! Eu nunca a esqueci, por isso contei-lhe a história. Mas, isso não quer dizer que eu deva esquecer o Ank de agora! Nossa espécie não faz distinção de sexo! Se quisermos transar com homens, o fazemos! E lembre-se de que nos beijamos!
- Mas, aquilo eu considerei como uma forma de união! Como faziam os homens de outrora, na Idade Média; que consideravam o beijo de homens na boca como uma forma de selo, união!
Ank bufa de irritação, se vira e entra na banheira redonda de madeira.
Senti a indignação nos modos dele. Eu não podia magoá-lo agora. Ele iria me perder... “Sua criação” estaria morta ao amanhecer...
Comecei a tirar a roupa. Fui andando até a banheira.
- Posso entrar?
Ank olha de soslaio para mim.
Olha-me de cima a baixo.
- Gosto do que vejo. – disse ele enfim sorrindo.
Ank afasta-se e eu entro na banheira. Apesar de ser enorme, não me coube muito bem. Não tive opção, fiquei de costas para Ank e encostei as minhas costas em sua fronte.
Ficamos assim durante um bom tempo.
Enroscamos nossos pés.
- Pés de donzela. – disse Ank – Nunca fez nada na propriedade de seu pai, suponho.
- Até parece que você também é um camponês trabalhador.
Rimos juntos.
Ank, com consideração, começou a passar um óleo chinês em minhas costas. Subiu um pouco mais e chegou a meus ombros. Depois, desceu vagarosamente; começou a passar em meu tórax. Fechei meus olhos. Eu sentia prazer.
Suavemente, Ank começou a deslizar suas mãos para o meu abdômen. Eu, agora, podia sentir a respiração ofegante de Ank. Ele passou bastante tempo apalpando minha barriga.
Audaciosamente, ele começou a deslizar suas mãos caçadoras para perto de meu pênis. Impedi-o.
- Somos de outra espécie, George. Não ligamos para esse tipo de coisa. Você, agora, deve somente obedecer às leis vampíricas.
Portanto, estás livre das acusações que os humanos fazem nesse tipo de “relacionamento”.
Hesitei por um momento. Soltei as mãos de Ank. Ele beijou minha nuca e deslizou vagarosamente as suas mãos. Tocou-me com sedução e prazer. Gemi. Ele me tocava de uma forma arrebatadora. Sentir suas mãos em meu órgão era augusto! Tocava-me com perícia e prazer...
Ele mordia levemente meu pescoço.
Há muito não sabia o que era o gozo. Gozo...
Gemi muito. Arranhei um pouco as laterais da madeira da banheira.
Virei-me. Olhei em seus olhos cinza desejosos. Beijei-o de forma avassaladora. Ank também gemia de prazer.
Sua língua, escarlate e úmida, buscava a minha avidamente. Ao toque das duas, parecia que uma corrente elétrica transpassara meu corpo. Puxei-o para mais perto de mim. Sentei-me às suas coxas. Mas, não "penetrantemente".
- Por favor. - gemia ele ao meu ouvido.
Neguei com a cabeça. Ele tentava pôr-me ao seu "colo", mas eu recuava.
Ele desistiu.
Contudo, ele queria mais... Eu também...
Então, o toquei. Senti o corpo de Ank se tremer ao meu toque. Tocava-o bruscamente. Eu queria que ele sentisse dor; como se fosse possível. Ele parecia gostar.
Era a primeira vez que eu tinha um relacionamento mais íntimo com um homem... Portanto, era estranho sentir o que eu sentia. Muitas coisas eram novas.
Tocar o órgão dantesco de Ank em minhas mãos deixava-me cego de sedução.
Eu tinha consciência de que aquilo que fazíamos era errado aos olhos do Criador; mas minha carne e anseios pediam esse desprendimento...
Eu queria lambê-lo, mas seria algo exagerado... Como se eu já não estivesse fazendo...
Depois que ele atingiu seu ápice do gozo, beijou-me novamente.
Saímos da banheira, e fomos à cama. Nossos corpos untados com os óleos de banho chineses aumentavam nossa ânsia.
Ank ficou em cima de mim. Ele me beijava. Urrava como um animal no cio...
Ele me tocava novamente, ele queria sentir minha "rigidez"...
Com o peso de suas pernas, ele afastava as minhas.
Ele me olhou com ternura.
Senti sua glande rija tocar em meu ânus.
- Não, Ank. Eu...
Mas, ele investia sexualmente. Parecia o demônio em pessoa.
Fechei os olhos de prazer.
- Você quer, não? - perguntou ele rouco.
Hesitei.
Mas, inexplicavelmente, eu o guiei. Levantei um pouco meu púbis, deixando-o penetrar-me.
Uma dor aguda. Quis gritar, mas ele me impediu com um beijo.
Como um amante exemplar, seus movimentos foram suaves. O senti dentro de mim, literalmente.
Ultrapassávamos a barreira de mestre-pupilo para amantes.
Minha "fome" por ele aumentava. Então, com a ajuda de minhas pernas; forcei-o a me penetrar rapidamente.
- Você vai se machucar... - alertou-me ele.
Não dei atenção. Peguei-o pelos quadris e o forcei.
Ele deu um sorriso e deixou-se ir.
Minutos depois, para meu desalento, ele pendeu a cabeça para trás. Deu um longo e contido gemido... Ejaculou em mim.
Assim, então, profanamos o nome de Deus. E, conscientemente, sabia que a partir daquele instante Ele iria me castigar.
Ank deitou-se ao meu lado; abraçou-me por trás alisando meu cabelo.
- Meu cordeirinho... - sussurrou ele enquanto mordia meu lóbulo.
Sorri.
- Meu lobo... - disse eu.
Ele riu com a minha colocação.
Mesmo não estando cansados, ficamos parados.
Parados à deriva ao movimento da nau.
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A nau entrou na desembocadura do rio Tejo. Era um largo rio. Dividia uma boa parte de Lisboa.
Dava para escutar ao longe os gritos de marinheiros.
Chegamos a Lisboa.
O porto de Lisboa estava apinhado. Muitos homens sujos falavam em diversas línguas. Eu e Ank, bem vestidos, descemos a rampa da nau e andamos pelo porto. Muitos nos olhavam de forma irônica, outros tiravam seus chapéus em forma de respeito.
Éramos “guiados” pelos vampiros que vieram conosco da Romênia.
Como sempre, eles nada diziam.
Passamos por várias e caixas e carregamentos do pátio do porto. Saímos da confusão que estava o pátio e nos deparamos com uma grande e negra carruagem parada em frente à saída, à nossa espera.
Um vampiro forte veio em nossa direção.
- Boa tarde, Majestade.
- Boa tarde. – respondeu Ank.
Eu não entendia a língua portuguesa. Algumas palavras eram parecidas com o italiano, espanhol e latim... Sem falar que o sotaque é bem erudito e rebuscado.
O vampiro não olhou para mim. Mas, os outros vampiros romenos cumprimentaram o vampiro português e deram meia-volta. Estavam indo embora.
- Por favor. – disse o vampiro fazendo um gesto amplo com o braço.
Entramos na carruagem. As cortinas, obviamente, estavam fechadas. Mas, eu abri uma nesga e vi as ruelas, ruas e avenidas de Lisboa, onde transitavam algumas pessoas bem vestidas.
Entramos numa avenida do Bairro dos Prazeres.
Lisboa era diferente de muitas cidades. Tinha várias acomodações; ruelas se misturavam com avenidas largas. As arborizações amenizavam, ainda mais, o clima de inverno lisbonense. A capital de Portugal estava sendo ornamentada. Muitos homens, mulheres e crianças estavam colocando bandeirolas nos telhados de suas casas, e até transpassando a rua de um lado a outro.
- Por que enfeitam a cidade? – perguntei
- Amanhã, dia primeiro de novembro, é Dia de Todos os Santos; festa religiosa católica. – respondeu Ank.
Dois vampiros estavam dentro da carruagem, sentados à nossa frente. Não nos cumprimentaram; estavam vestidos com uma espécie de bata cor de vinho. Parecia uma vestimenta religiosa.
O vampiro que saudou Ank estava sentado ao meu lado.
- Por que Portugal? – perguntei a Ank murmurando.
Ank que também aproveitara o espaço que abri da cortina, respondeu:
- Portugal tem uma cidade com sede do Asetianismo: cidade do Porto.
- Asetianismo?
- Sim. É uma sociedade religiosa e ocultista, onde os membros são vampiros.
- Nunca ouvi falar...
- Óbvio George. A regra principal do Asetianismo é a discrição. E antes
que pergunte, não faço mais parte dessa “religião”.
- Por quê?
- Deixei de aceitar alguns dogmas do Asetianismo. Creio, agora, em Jesus Cristo; algo que minha família sempre repudiou e negou, e que essa religião também nega.
- Eles negam Jesus Cristo?
- Sim. Eles acreditam que somos desse jeito, por causa de uma praga que Deus nos rogou depois da criação da Ordem do Dragão, que, entre linhas; praticava rituais macabros e demoníacos.
- Você acredita nessa versão?
- Acredito piamente. Mas, não vejo motivo de rebeldia contra Deus. Ele nos mostrou a Sua força, poder e, obviamente, Sua existência.
- Por que nos enviaram a Lisboa e não a Porto, já que esta é a sede do Asetianismo.
- Por que não há um castelo em Porto para que ficássemos trancafiados até a nossa execução.
Olhei de esguelha para os dois vampiros que estavam sentados à nossa frente; estavam com um olhar sinistro.
- Eles...
- Sim, são os sacerdotes do Asetianismo. Vieram até aqui para comprovar minha derrota e reafirmar a força do Asetianismo. – respondeu Ank rapidamente.
Olhei de novo para eles. Seus longos cabelos caíam como cascata sobre a parte superior da vestimenta singular. Uma grossa corrente era enfeitada com um pingente que tinha uma forma de cruz, com a parte superior bipartida.
- É o Ankh. – falou Ank percebendo que eu olhava para o feio pingente – Uma cruz ansata, símbolo do Asetianismo. É um símbolo egípcio, que tem significado de “vida eterna”. Os sacerdotes do Asetianismo acreditam que os primeiros vampiros apareceram no Egito; a partir da Quinta Dinastia egípcia.
Escutei um suspiro de impaciência. Era um dos vampiros sacerdotes.
- Ele sabe falar inglês?
- Não. Mas, sabe que estamos falando da religião vampírica deles. – respondeu Ank olhando com superioridade para o sacerdote.
Alimentando ainda mais minha curiosidade, perguntei:
- Mas, é verdade que os egípcios foram os primeiros vampiros?
- Sim. Há muitos hieróglifos que falam detalhadamente de nossa espécie.
- Existem vampiros daquela época?
Ank esboça um sorriso irônico.
- Não. Muitos morreram com as pragas que Deus rogou durante o período de libertação dos judeus. Obviamente que todos os vampiros, menos eu, discordam de tal relato. Preferem acreditar que eles cometeram um suicídio em massa, pois não aceitavam as condições em que viviam. Ou seja, besteira.
Minha cabeça dava voltas. O mundo dos vampiros era algo muito grandioso! Mais do que pensava! Era história seca e pura!
- É por isso que eles fazem os rituais egípcios?
- Sim, mas nem todos podem fazer...
- Como assim?
- O Asetianismo divide a espécie vampírica em quatro linhagens:
Linhagem das Serpentes ou de Horus, conhecidos como Viperinos; Linhagem dos Escorpiões, conhecidos como Guardiões; Linhagem dos Escaravelhos, conhecidos como Concubinas; e Crianças de Anúbis, conhecidos como Otherkins.
- Eu...
- Você não entra em nenhuma linhagem, pois ainda não se engajou nessa seita. Já eu, fazia parte da Linhagem das Serpentes; linhagem mais forte e importante na escala asetiana. Quando saí do Asetianismo; os asetianos queriam que eu fosse morto por tal desonra. Mas, meu pai interveio no caso e fui absolvido. Contudo, os Viperinos expulsaram meu pai da Linhagem das Serpertes e “excomungaram” os vampiros da corte de meu pai. Quando este morreu e meu irmão assumiu o trono, as tentativas de reatar os laços foram postos à risca. Mas, no fim, meu irmão conseguiu reatar os laços. Mas, saiba que muitos vampiros não aceitam o Asetianismo como uma religião dos vampiros. Eles se engajam em outras religiões ou assumem o paganismo... Eu sempre impedi a entrada desses sanguessugas em Veneza.
Olhei para os vampiros, depois olhei para Ank.
- Qual linhagem eles pertencem?
- Crianças de Anúbis, Otherkins. São os protetores do Asetianismo; vieram a mando de seus superiores para garantirem a “justiça”.
Olhei de relance pela janela.
- Sabe onde estamos?
- Bairro do Chiado. Estamos pertos. – respondeu Ank enfadonhamente.
Passamos por uma rua que dava para ver uma bela praça com um enorme chafariz.
A carruagem andava por ruas com construções altas. Muitas pessoas andavam pelas calçadas. Alguns negros levavam liteiras de seus senhores. Alguns padres davam sugestões aos moradores como enfeitar as ruas.
Ank, de supetão, abriu um pouco mais a cortina e disse:
- Olhe um pouco para cima. Para aquela colina.
Olhei para onde ele indicava com o dedo em riste. Havia um oponente castelo de pedras brancas no alto da colina. Era uma bela construção, apesar de tudo.
Pelo menos morrerei num lugar digno.
Nossa carruagem passou em frente a um mercado, e entramos à esquerda numa ruela. Alguns transeuntes se afastaram para deixar a carruagem passar.
Escutei uma voz masculina bradar:
- Viva o rei D. José!
Pensavam que a carroça levava o rei de Portugal. Mas, levava somente dois desgraçados para uma execução macabra.
A carruagem percorreu alguns metros. Paramos. O vampiro que estava ao meu lado desceu e nos esperou descer.
A carruagem parara em frente a um relance de escadas de pedras íngreme. À direita dava para avistar uma torre com uma bandeira movendo-se ao vento.
- Por aqui. – falou o vampiro indo à frente.
Ank ficou ao meu lado. Começamos a subir. Os dois sacerdotes vinham logo atrás. Alguns minutos subindo, chegamos a um patamar. Olhei para trás e vi o belo panorama de Lisboa. Vários telhados vermelhos, árvores, pessoas, carruagens, praças, o azul rio Tejo; e vi também a morte...
- Em nome do rei Ivan, abram os portões!
O enorme portão de ferro maciço fora aberto por dois guardas.
- Esse castelo pertence a seu irmão?
- Administrativamente, sim. Meu irmão fez um acordo com o primeiro-ministro, Marquês de Pombal.
Passamos pelos portões. Deparamos com um pátio muito arborizado. Ank me puxou pelo braço. Íamos em direção a uma pequena porta de madeira fincada nas pedras brancas. Uma escada em caracol apareceu em nossas vistas. Descemos.
- Para onde estamos indo? – perguntei a Ank.
- Masmorras. – respondeu ele como se isso fosse normal.
O ambiente estava ficando cada vez mais escuro.
Então, um facho de luz vinha de um corredor úmido. Várias tochas estavam à parede iluminando um longo corredor.
Demos alguns passos. O vampiro abriu uma cancela e fez um gesto para que entrássemos.
Com um batido, o vampiro fechou a cancela. Olhei em volta. Não havia janela, pois estávamos debaixo da terra. Não havia cama, assentos, mesa... As paredes de pedra tinham alguns escritos feitos por unhas de outros presos...
- O que querem? – perguntou Ank brutalmente.
Olhei para trás. Ank falava com os sacerdotes.
- Queremos hablar con él. (Queremo falar com ele.) – disse um dos sacerdotes.
Espanhóis!
- ¿Lo que quiera con él? (O que querem com ele?)
- Queremos hacer una propuesta... (Queremos fazer uma proposta...)
Ank olha para mim. Eu me aproximo.
- ¿Hablas español? (Fala espanhol?)
Olhei para Ank com dúvida.
- No. (Não.) – respondeu Ank.
- Usted se traducirá todo lo que se dices. (Você traduzirá tudo o que dissermos.) – falou o sacerdote a Ank.
Silêncio. Então:
- Queremos saber se sería um asetiano. (Queremos saber se ele quer ser um asetiano.)
- ¡Nunca! – gritou Ank enfurecido.
- ¡Obedece! – rebateu o sacerdote.
Ank olha para mim.
- Querem saber se você quer se tornar um asetiano com eles...
Fico exasperado.
-Não!
- No. – traduz Ank.
Os sacerdotes se entreolham.
- ¡El rey de los vampiros, Ank Dracu, nos aseguró que se él, George Seymour, aceptar ser un asetiano, ele rey darle perdón real y la amnistia! (O rei dos vampiros, Ank Dracul, nos garantiu que se ele, George Seymour, aceitar ser um asetiano, o rei dará o seu perdão real e anistia!)
- Mentira! Absurdo! – gritava Ank.
- Deje que le responda por sí mismo. (Deixe-o responder por si mesmo.)
Ank olha para mim e traduz o que eles disseram.
Não penso muito.
- Prefiro morrer a me tornar um sacerdote de uma maldita seita.
Ank sorri com a minha decisão e traduz o que eu disse para os sacerdotes.
Os sacerdotes bufam de impaciência e dizem:
- Un desperdicio... Que se haga justicia, entonces. (Um desperdício... Que a justiça seja feita, então.)
Sem cerimônia, eles deram as costas e saíram andando pelo escuro corredor.
Ank olha para mim, esboça um sorriso e me abraça fortemente.
- Obrigado. – sussurra ele.
Ficamos assim por um bom tempo.
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(Continua em Mordido em Veneza - Parte VI)