Aquele Olhar
Uma coisa era certa: Eu o odiava!
Seus gestos cautelosos, sua beleza natural e seus magníficos olhos penetrantes e simétricos, que ficavam ainda mais incríveis com seu olhar misterioso de meretriz dissimulada. O mesmo olhar que mostrava quem ele realmente era: “A meretriz, o dissimulado.” Era o pervertido, mas jamais demonstrou ser.
O que me atraiu nele foram exatamente esses aspectos. E foram eles também que fizeram com que me afastasse. Em um momento eu quis sentir a força da sede de prazer que ele tanto sustentava, mas em outro eu queria que isso o matasse. Queria sentir do prazer que ele era capaz de proporcionar, mas também desejava poder ver o mal que essa capacidade lhe traria.
Nunca havia pensado em levar esse mal até ele. Não até o dia em que, sem saber, cruzou novamente meu caminho. Se ele estivesse ciente de tudo o que eu sabia sobre sua vida, e o que era capaz de fazer com isso, talvez não tivesse feito o que se pôs a postos. Se ele ao menos pudesse imaginar o quão proporcional ficaria, minha sede de vingança com sua sede de prazer, não cobiçaria o poder e luminosidade de meu tesouro.
Mas ele não sabia e nem podia imaginar. Tinha também em si a ambição e o egoísmo, e isso fez com que ele passasse a lutar pelo o que queria. Usaria suas forças, sua beleza, suas habilidades e, o mais importante, seu olhar dissimulado pra atrair meu tesouro até si. Mas eu não pude permitir tamanha audácia.
O mal que o aguardava ficaria por minha conta. Em minhas mãos, e em minha sede de vingança, ele pagaria pela cobiça do que era meu. Sofreria em meus braços por ser tão egoísta dissimulado e ambicioso. E, enfim, eu o teria em meus braços.
Segurei-o por trás. Seus gestos ágeis e cautelosos se tornaram ainda mais ágeis, mas tão impulsionais. Agitava os braços como se quisesse batê-los no ar até levantar vôo. Pude sentir seu hálito e seus lábios quentes em minha mão esquerda, enquanto o impedia de gritar. Curvei meu rosto sobre seu ombro e pude ver uma última vez o olhar que gritava de medo no lugar da voz.
O punhal em minha mão direita cravou em seu pescoço cortando-o tão forte e lentamente. Seus gestos por impulso amenizaram, e já não podia mais sentir sua luta para pedir por socorro. Restou apenas seu sangue, tão quente quanto seus lábios, escorrendo em minha mão e pelo corpo que lentamente ia de encontro ao chão.
Aquele olhar se tornara vazio e, sem uma gota de dissimulo, encarava os cascalhos ensangüentados no chão à sua frente.