A beleza retratada em palavras

A Beleza retratada em palavras:

Por Giomar Rodrigues

“ Diante de tua cripta

eu vi sua foto de quando

ainda era viva...

...era tão bela como as flores que

desabrocham em épocas incomuns.

Eu não pude mais resistir e

tornei a abri-la e deitar-me contigo,

em seus beijos frios e imaginários.

Ali permaneci até realmente morrer

para encontrar-te novamente.”

Joshua mudou-se para aquela casa no inverno de 1984, foi uma das maneiras que encontrou para aplacar sua fúria diante da atual perda de seus pais em um trágico acidente de trânsito em uma movimentada rodovia de sua antiga cidade natal. A casa não era bonita, muito pelo contrário era realmente horrível mas era o que conseguiu comprar com o dinheiro que conseguira juntar rapidamente com a venda de seus quadros, já que este era um pintor impressionante embora estivesse sempre em busca de sua obra-prima e injustamente menosprezasse seus próprios trabalhos, resumindo sua história a casa que comprara parecia combinar completamente com seu atual estado de espírito.

Suas intenções não eram de morar naquele local por muito tempo de qualquer forma, já que se decidira a apenas terminar sua obra-prima e depois se suicidar, mas não antes de deixar algo para o mundo como uma irrefutável prova de sua existência e talento. Assim as manhãs, tardes, noites e madrugadas eram seguidas de uma torturante rotina obscurecida por doses de uísque e ópio, que acreditava despertar sua adormecida criatividade e amenizar a dor em seu sangrento coração.

Mas aquela rotina tão logo quanto começou veio a terminar, pois um fato estranho chamou toda sua atenção. Estranhamente começou a receber cartas por volta de duas vezes por semana que eram escritas por alguma garota da região chamada Diana, como a deusa grega da caça e protetora dos animais.

Aquelas misteriosas cartas deixaram Joshua intrigado. Como poderia alguém ali conhecer lhe naquele lugar onde até Deus o havia esquecido. Foi humanamente impossível para ele não se apaixonar pelas melancólicas correspondências que trocavam diariamente e tão rapidamente seus sentimentos mudaram, pois agora aquela garota que lhe escrevia poemas e notas de amor parecia fazer parte de seu ser e deixar de respondê-las seria como abdicar de uma parte de si mesmo.

A beleza que era retratada em cada palavra de suas cartas fazia aflorar um sentimento de imensa necessidade em conhecer a autora de cada uma daquelas linhas tão brilhantemente escritas. Fazendo com que uma obsessão possuísse todo seu pensamento. Era a idéia de alterar sua obra-prima que antes era apenas uma paisagem inacabada, mas agora se tornara uma tentativa louca de compor através de sutis pinceladas a perfeição de sua correspondente misteriosa.

As repetidas tentativas foram infrutíferas e começaram a causar-lhe um sentimento de inutilidade que estava atualmente aprisionado em seu cerne, desse modo dedicou com todas suas forças exprimir em suas cartas sua necessidade de conhecer cada vez mais a tão notável criatura que agora inevitavelmente habitava seus mais íntimos pensamentos. Então suas cartas passaram a demonstrar a extrema carência em tentar compreender melhor o passado daquela repentina obsessão com o objetivo de conhecer mais profundamente seu passado, perguntando insistentemente sobre suas origens, família e segredos. Talvez sua amiga Diana tenha ficado um pouco desconcertada com suas questões, mas sua ultima carta teve uma importância devastadora para Joshua. Nela foram relatadas coisas mais impressionantes do que sua mente humana limitada poderia suportar.

Assim logo abaixo está a famosa carta:

“ 20 de Agosto de 1984

Prezado e estimado amigo, sei que embora escrevemo-nos a poucos meses sinto-me como se conhecesse você durante uma vida inteira. Mas tenho mantido em segredo minhas atuais condições. Preciso lhe confessar que não moro próxima de sua casa como já tinha escrito outras vezes, mas meu lar não é outro senão o mesmo onde você reside, pois enquanto estava viva morava nesta casa antes de ser abandonada.

Sim atualmente encontro-me morta, já que a perda de meu irmão caçula me encheu de tristeza tão intensa que acabei por adoecer e logo morrer de desgosto. Embora me faltasse coragem de tentar interagir com você, sentia a necessidade de me comunicar com o estranho visitante que estava em minha casa. Assim fiz uso de cartas com um endereço falso e que nunca viriam a ser entregues em lugar algum. Minha timidez me proíbe de conversar contigo de outro modo. E não sabendo mais como manter nossa amizade depois de lhe confessar meu segredo, escrevo apenas para dizer que esta será a última carta que escrevo destinada a você. Sendo este um adeus de um espírito fascinado por sua essência e carisma.

De sua eterna amiga Diana.”

Nesse momento Joshua havia terminado de ler a dolorida carta que para ele, havia somente uma única resposta para aquela mensagem. Com passos rápidos foi até seu quarto, abrindo seu armário encontra em meio a caixas de mudanças ainda fechadas e intactas seu velho revólver. Voltou-se para a sala e sentou-se sobre sua poltrona favorita, segurava com a mão esquerda o revólver e com a direita a devastadora correspondência, embora seus olhos permanecessem em seu inacabado retrato, logo repousou sob sua cabeça o cano frio e reluzente de sua arma, eram seus últimos momentos ou assim pensou, pois nesse momento uma linda garota adentra a sala surgindo do nada.

Ele sabia mesmo sem perguntar que a criatura real ou não o conhecia tão bem quanto ele a ela. Sua beleza era realmente notável, era uma tarefa impossível para ele a simples idéia de não manter o olhar sobre ela. Embora certamente não fosse feita de ouro sua beleza era capaz de superar inúmeras vezes seu efêmero valor mortal. Possuía cabelos negros como o mais puro ébano, os olhos eram negros e profundos como abismos sem fim onde vale a pena um homem se perder, o arco de seus lábios era como a lua, parecia muito distante mas conseguia despertar a paixão em qualquer sonhador que estivesse em seu mundo. De semblante doce e melancólico vestia apenas um vestido branco longo o suficiente para mostrar apenas as pontas de seus pés. Assim como os sofridos últimos dias de Joshua, ela se aproximou lentamente e o tocou no peito, nesse instante sua cabeça repousou sobre a poltrona e a arma tocou o chão com um som pesado que não foi ouvido por ninguém. Ao acordar do que parecia um sinistro sonho, percebe que está em uma carroça com sua finada companheira seguindo viagem por um campo vazio. A carroça era guiada por um homem muito velho e educado que possuía uma aparência cadavérica e simpática.

- “Estamos chegando!” disse o velho condutor.

- “Para onde estamos indo a final?” perguntou Joshua olhando rapidamente para todos os lados.

- “Vamos encontrar alguns amigos, você vai gostar de conhecê-los meu amor!” disse Diana com uma voz que não parecia sair de seus lábios, mas de uma harmoniosa orquestra de anjos que residia em sua boca.

- “Estamos indo em direção a Terra dos Esquecidos em Vida, os amargurados e solitários em busca de sua prestigiosa redenção!” continuou a garota.

Dessa forma Joshua ficou calado e curioso o resto da viagem esperando o que encontraria em seguida.

Seus olhos repousaram sobre um enorme cemitério, repleto de lápides dos mais diferentes tamanhos e formas, mas todos tinham algumas coisas em comum. Eram totalmente cinzentas e sem qualquer sinal de que ali algum dia houveram flores, pois ali encontravam-se somente aqueles que não eram reconhecidos, adorados ou sequer lembrados por vivos ou mortos.

Assim Joshua percebeu no mesmo instante com os olhos transbordantes de lágrimas, que encontrara ali aquele lugar que sua alma em seus mais profundos sonhos e anseios desejava, era um lugar onde estava rodeado daqueles que como a si próprio, morreram ou deram cabo de sua vida diante da verdadeira condição social atual que acaba por matar suas vítimas mesmo que ainda permaneçam vivas em vidas vazias e solitárias.

Era um sentimento tão real, que fazia seu coração bater de forma frenética e irregular em seu peito morto. No mesmo instante caminhou rapidamente até o cinzento cemitério onde ajoelhou-se diante de uma das lápides de imensa beleza mórbida, onde a abraçou com vontade ou missão de cercá-lo com seus braços, sem obter o mínimo sucesso como a morte que inutilmente busca ceifar a eterna chama da vida de um imortal. Logo com os olhos cheios de lágrimas mesmo que fechados tentava com seus pálidos dedos ler os nomes daqueles que agora sabia serem seus verdadeiros irmãos, não irmãos de sangue, mas de profundas e inseparáveis raízes presas em suas almas e espíritos.

Diana colocou sua mão sobre o ombro direito de Joshua, e este sorriu com lágrimas ainda em seus olhos. Então ela percebera que estava diante talvez de sua única e verdadeira alegria, uma alegria que não fora destinada aos vivos.

A cena era como um gigantesco álbum de família cinzento, repleto de inusitados e melancólicos personagens com histórias ainda não contadas.

FIM

Giomar Rodrigues
Enviado por Giomar Rodrigues em 26/09/2010
Reeditado em 28/09/2010
Código do texto: T2521404
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