MORDIDO EM VENEZA (Parte II)

(Continuação de Mordido em Veneza - Parte I)

|||||||

Já era noite. Avisei ao meu tio que iria sair; visitar outras piazzas de Veneza. Ele consentiu, pois a sua esposa se recusava a comer se eu estivesse presente.

- Compre algo para você comer. – disse meu tio entregando-me um punhado de moedas.

- Grazie. – agradeci.

Ele riu. Abriu a porta de entrada para mim. Saí, agradeci-lhe novamente e embarquei na gôndola que estava a minha espera.

O gondoleiro perguntou:

- Destinazione, signore? (Destino, senhor?).

- Calle del Cristo. – respondi.

O gondoleiro seguiu viagem assobiando. Muitas gôndolas estavam enfeitadas, pois o carnaval ainda não tinha acabado.

Iria ao encontro marcado com o... o... o vampiro.

Entramos na Calle del Cristo. Diferentemente das outras ruas, esta estava escura e sem movimento. Agora, precisava encontrar a tal “casa com pintura singular”. Olhei para todas as residências. Elas tinham tábuas lacradas nas janelas, marcas de um “X” vermelho nas portas; elas estavam abandonadas.

- Sei sicuro che questo è l'indirizzo? (Tem certeza de que este é o endereço?). – perguntou o gondoleiro.

- Sì, ma mi sostituisce, che queste case sono abbandonate? (Sim, mas me responda: estas casas estão abandonadas?). – perguntei.

Ele curvou-se e murmurou:

- In questa strada ci sono stati molti morti. Una intera famiglia sono morti in una settimana! Vedete questi segni sulle porte? Sono i segni della morte! Il marchio della Peste! (Nesta rua houve muitas mortes. Uma família inteira morreu em uma semana! Você vê estes sinais nas portas? Estes são sinais da morte! A Marca da Peste!).

- Peste? – perguntei.

- Sì, Doge ordinò che questa strada è stato interdetto e esterelizad, in modo che la peste di diffondersi in tutta Venezia! (Sim, o Doge ordenou que essa rua fosse interditada e esterilizada, para que a praga não ser disseminada por toda a Veneza!).

Abismei-me. A Peste Negra deixou seu rastro somente nesta rua? O gondoleiro colocou um lenço em volta de seu rosto. Ele estava ditando o Pai Nosso. Um pouco mais adiante, avistei uma luz no centro da rua de água. Vinha de uma residência de três andares com uma pintura desgastada e arruinada.

-“Pintura singular”. – pensei.

- Chi ci vive? (Quem mora lá?) – perguntou o gondoleiro.

- Uno “amico”. (Um “amigo”).

Parou em frente à entrada da residência. Paguei-lhe a viagem. O gondoleiro saiu dali fugido, mas olhou para trás e gritou:

- Dio ti protegga! (Deus te proteja!).

Virei-me para a porta de cor negra. Quando aproximei minha mão para bater, um velho homem tinha aberto para mim.

- Benvenuto. (Bem-vindo).

Assustei-me, mas não transpareci.

- Sono venuto a parlare con... (Eu vim para conversar com...).

- Sì, lo so. Il mio padrone vi attende nella sala musica. Vi prego di aderire. (Sim, eu sei. Meu mestre o aguarda na sala de música. Por favor, entre). – interrompeu-me o criado de voz rouca e cansada.

A pintura externa da casa era horrível, mas a luxuosidade tomava conta de toda a casa por dentro. Quadros de pintores famosos, artefatos indianos e africanos; não entendi esse contraste.

Entramos num belíssimo corredor, e, então, escutei um piano ser tocado. O mordomo abriu uma porta dupla e anunciou:

- Signore, il vostro ospite è arrivato. (Senhor, seu convidado chegou).

Com um gesto breve de mão, ele permitiu a entrada.

O mordomo deu-me passagem para entrar. Ele fechou a porta e nos deixou a sós.

A música tocada era de autoria do compositor Joseph Haydn. Ele tocava perfeitamente, com suavidade.

Olhei fixamente para ele. Parecia que estava mais bonito e atraente. Usava trajes elegantes.

Terminou de tocar a sonata e olhou para mim sorrindo.

- Foi fácil achar minha casa, não?

- Vamos direto ao assunto: o que você quer de mim? – perguntei rudemente.

Ele deu um curto sorriso, levantou-se e veio em minha direção.

- Ah, não seja mal educado... Vamos nos apresentar. Eu sou Ank Draculea.

Estranhei o nome.

- Sim, sim. Meu nome é estranho. Mas, há nobreza nele. Sou descedente de Vlad Tepes, príncipe da Valáquia e irmão de Ivan Draculea; o atual rei de nossa raça.

Fiquei espantado. O vampiro era um príncipe! Ele esperava que eu me apresentasse, mas eu não queria.

- Ah, vamos. Não quer dizer o seu nome, senhor George Henry Seymour?

Bufei de raiva.

- Diga o quer.

Ank levantou as mãos em forma de desistência.

- Você precisa morar comigo, para que aprenda algumas regras. – disse-me ele simplesmente.

Ri ironicamente.

- Você acha que eu sou idiota? Eu sei o que você é! Eu sei!

Ele se aproximou de mim intimidante.

- O que sou? Responda.

Relutei, mas respondi.

- Você é um vampiro! Um amaldiçoado!

Ele se afastou risonho.

- Eles colocaram esse nome na nossa raça.

- Nossa?

- Sim, você também é um.

Não fiquei chocado, pois sabia dos sintomas por causa do livro que li.

- Não me envolva nessa raça de bruxos e amaldiçoados!

- Acalme-se, querido. – ironizou Ank. - Você aceitando ou não é um vampiro. Deixe-me ver... Ah, de madrugada seu corpo sofreu algumas transformações. Você acordou de manhã, viu-se no espelho e percebeu que estava mais forte e mais branco. Tentou abrir as cortinas, mas uma dor enorme transpassou seus olhos... Eu também senti esses sintomas. Portanto, não tenha dúvidas, você é um vampiro.

Fiquei exaltado.

- Mas, eu não pedi para ser um! Não sou uma cobaia! - gritei.

Ele me deu uma tapa no rosto.

- E eu tive? Essa é a natureza e instinto de nossa raça! Precisamos nos alimentar de sangue! Se a vítima sobrevive ao ataque e ao ciclo de transformação, ela tem o direito de viver como um vampiro! – exasperou-se ele.

Fiquei mais furioso ainda com a tapa, mas sabia que eu tinha uma força inferior à dele. Não queria escutar aquilo. Eu não podia aceitar ser um amaldiçoado como ele.

- Você precisa passar os seus últimos dias de transformação aqui comigo, pois sua sede por sangue será descontrolada!

- Não, não. Irei dormir em minha própria casa! – retruquei.

Ele se irritou.

- Eu sou o príncipe! Você me deve obediência! Você comeu algo hoje? Não? Sabe o porquê? Porque seu corpo já está necessitando de sangue! Você irá matar alguém de sua própria família!

Não havia pensado nisso. Fui até à janela. Olhei para o curto canal de água escura.

- Você morava aqui quando a Peste atingiu essa região? – mudei de assunto.

Ele riu alto. Aproximou-se de mim e falou:

- Eu sou a Peste Negra.

Fiquei chocado.

- O quê? Você matou todas essas pessoas? Para consumir-lhes o sangue?

- É claro! Lembre-se, querido: nós somos os lobos, e eles os cordeiros.

||||||||

O mordomo nos trouxe bebida. Não aceitei, mas Ank bebericou um pouco e fumou uma cigarrilha.

- Devo-lhe mostrar as melhores maneiras de você se alimentar. – disse Ank.

Sentei-me numa confortável poltrona.

- Não vou consumir sangue de gente inocente.

Ank olhou para mim.

- Preste bem atenção, senhor George; eu sou o vice-rei de Veneza, segundo as leis vampíricas. Ou seja, só há um único vampiro aqui realmente: eu. Terei que voltar a Valáquia daqui a algumas semanas. Se descobrirem que eu cometi um erro transformando um ser humano em um de nossa espécie, você será morto! As nossas leis impedem que um ser humano se transforme em um de nossa raça, pois temos que manter a nossa linhagem real no poder! Você seria um escândalo para o seu mundo e, principalmente, para o meu!

- Para o meu mundo?

- Sim, estúpido. Quando seu ciclo estiver completo, você irá sentir uma sede descontrolada. Irá matar muitas pessoas para saciar sua sede, e isso para a sociedade vampírica é algo ruim, pois sempre mantivemos o anonimato. Além do mais que será no meu vice-reinado.

- O Doge Francesco Loredano é a autoridade suprema de Veneza. – retruquei.

- Sim, ele é. Mas, a minha raça considera a nossa autoridade superior a de seus governantes. Para falar a verdade, eu mantenho a paz aqui em Veneza, pois muitos vampiros foram mortos por colocarem a imagem de nossa espécie em risco.

- Há outros vice-reinos dos vampiros?

- Sim, é claro. Temos vice-reis ao redor do mundo, controlando e administrando a sociedade vampírica.

Fiquei espantado! Havia outros vampiros no mundo. Era uma praga!

- Por isso que deve vir morar comigo, devo-lhe ensinar os costumes, leis e ações da sociedade vampírica. Depois que você tiver pronto, terei que levá-lo a Valáquia para ser apresentado à Corte e ao Conselho.

- Por quê?

- Não tive permissão expressa de meu irmão para transformá-lo em vampiro, mesmo tendo sido uma falha minha. Se alguém de minha espécie descobrir que transformei um homem em vampiro, serei morto juntamente com minha criação.

O mundo dos vampiros era pior do que o dos homens.

- Não tenho escolha. – conclui. – Estou morto desde o dia em que você me atacou. O que vou dizer a meu tio?

- Não se preocupe, eu resolvo isso.

- E o mordomo? Por que ainda continua vivo? – intriguei-me.

- Eu não gosto de consumir sangue de pessoas idosas. – respondeu ele desdenhosamente.

Conversamos a noite toda. Fiz perguntas pertinentes ao meu interesse e ele as respondia amistosamente.

A madrugada anunciava a sua chegada. Ank fala:

- Melhor você voltar. Está na hora do meu “desjejum”.

- Desjejum a essa hora?

- É exatamente agora que os pescadores estão voltando do alto-mar. Gosto de sangue plebeu.

Fiz careta.

- Não se preocupe você irá se acostumar. Ensinar-lhe-ei os melhores métodos de “caça”. – disse ele rindo.

- Espero que sim. – retruquei ironicamente.

Aproximei-me dele e apertei a sua mão. Ele sorriu e retribuiu minha cordialidade.

- Mandar-lhe-ei uma carta para informar o dia de sua vinda. – ele disse.

- Primeiramente, fale com o meu tio.

- Já lhe disse para não se preocupar com isso.

Despedi-me e peguei uma gôndola que passava. Olhei para trás e pude vê-lo saltar longamente pelos telhados vermelhos das residências venezianas.

Confesso que, a partir daquele dia, comecei a gostar daquele vampiro.

||||||||

Voltei à casa de meu tio. Todo mundo dormia, menos as cozinheiras que já começavam a trabalhar cedo. Fui ao meu quarto e dormi profundamente.

Acordei à tarde. Fui em busca de meu tio. Há muito que não conversava com ele. Ele saia todas as noites com sua família para os bailes de carnaval públicos ou particulares.

Parei uma empregada:

- Dove è mio zio? (Onde está o meu tio?). – perguntei.

- Era in visita il Miletos Famiglia che sono appena arrivati dall'India. (Foi visitar a família Miletos que acaba de chegar da Índia).

Agradeci e retornei ao meu quarto.

Tive uma surpresa: Rose estava lá.

- Che ci fai qui? (O que você está fazendo aqui?). – perguntei.

Em inglês, respondeu:

- Trouxe seu jan... jantar. – gaguejou ela.

- Inglês, sabe falar inglês?

- Oh, não muito. Senhorita Augusta me ensinar. Pedi ela para poder comunicar bem com o senhor.

Ri da tentativa dela.

- Ah, senhor Seymour. Não rir. Esforço-me para falar língua inglesa.

Aproximei-me dela e toquei-lhe o rosto.

- Eu a entendo mesmo calada.

Ela enrubesceu-se.

- O senhor estar diferente. – falou abaixando o olhar.

- Não tenho dormido bem. – respondi.

- Não, não. O senhor estar muito bo... bo...

- “Bello” é melhor.

Ela sorriu.

- Quem o ensinar falar italiano?

Apontei para a pilha de livros e dicionários da língua italiana que estavam em cima da escrivaninha.

- Oh.

Olhei intensamente para ela. Ela estava mais radiante e “apetitosa”.

- Só veio me trazer o jantar?

- Sim, sim.

Aproximei-me ainda mais dela. Ela suspirou. Toquei-lhe os cabelos, seus lábios. Ela relutou um pouco com a minha intimidade, mas cedia amorosamente aos meus toques maliciosos. Eu podia sentir seu cheiro mais profundamente, podia ouvir seus batimentos cardíacos acelerando-se, ouvia sua respiração falhar; algo que um ser humano não podia perceber sem esforço.

Beijei-lhe amavelmente. Ela retribuiu, mas algo dentro mim crescia. Algo estranho, monstruoso... Controlei-me por alguns instantes, mas meu novo instinto aflorou. Desviei meus beijos para seu pescoço. Eu escutava o sangue dela passar pela artéria. Minha garganta ardia. Eu queria mordê-la. Quando encostei meus lábios em seu pescoço, ela se afastou.

- Não. Senhor Seymour, não é certo.

Minhas esperanças desvaneceram-se.

- O que foi? – perguntei.

- Não posso.

- Por quê?

Ela não tinha coragem de falar.

- Fale! – ordenei.

- Sou empregada. O senhor é sobrinho de patrão... Não é certo...

Enfureci-me. Por que o amor estava sempre contra mim?

- Saia! Saia! – gritei.

Ela fez uma rápida mesura e saiu de meu quarto às lágrimas. Derrubei a comida que ela me trouxe. O ódio crescia dentro de mim exacerbadamente. Esmurrei a parede de meu quarto, surpreendentemente, um buraco formou-se. Minha mão não sofreu nenhum dano. Fiquei abismado. Minha força estava mais dantesca. O que será?

Eu já sabia a resposta.

||||||||

A noite caiu rapidamente. Um empregado batia à porta.

- Una lettera per te. (Uma carta para você).

Peguei a carta e agradeci ao empregado. Ank cumpriu o que prometeu, era a carta dele.

“Caro George,

Tenho péssimas notícias: teremos que viajar daqui a três dias à Valáquia, pois meu irmão já soube do que fiz com você! Outro vampiro, que passou por aqui, soube do acontecido e contou ao meu irmão.

Irei hoje à noite à sua casa falar com seu tio. Não transpareça nada! Resolverei isso. Apronte suas malas.

Até mais.

Ank Draculea.”

Não acreditei no que li. Queimei o papel na lareira acesa e peguei meu baú, coloquei todos os meus pertences dentro e esperei, como uma criança ansiosa, a chegada dele.

||||||||

Escutei algumas batidas à porta. Era ele. Senti seu cheiro de longe. Sim, também me assustei; como meu olfato se desenvolveu tão rapidamente?

Força, olfato, ausência de fome, fotofobia; o que mais viria? Mas, não me concentrei em tais pensamentos. Saí de meu quarto e fiquei à espreita escutando Ank falar com meu tio. Este parecia bastante amistoso. Vi Ank entregar uma carta ao meu tio. Ele leu e, ao terminar, demonstrou uma cara de surpresa! Ank disse algo a mais. Meu tio assentiu vigorosamente e gritou:

- George! George! Desça imediatamente!

Fiquei intrigado com a urgência e medo expressados na voz de meu tio. Demorei alguns segundos e desci rapidamente o lance de escadas.

- O que houve? – perguntei fingindo surpresa.

Meu tio olhou rapidamente para mim e disse:

- Seu irmão enviou uma carta da Inglaterra a você! Ele pede seu auxílio imediato, pois a Inglaterra declarou guerra à França! O combate começará no próximo ano, mas o rei manda o retorno dos ingleses para formar o exército que irá combater contra a França! Este é o capitão Ank, amigo de confiança de seu irmão, ele veio para levar-lhe à Inglaterra para que forme com seu irmão um dos batalhões que irá batalhar nos campos franceses! – falou nervosamente meu tio.

Alguns empregados ficaram escutando a conversa. Augusta e sua mãe vieram em seguida.

- Che succede? (O que aconteceu?). – perguntou Maria.

- George dovrà tornare immediatamente in Inghilterra, perché dichiarò guerra alla Francia. Suo fratello si troveranno ad affrontare le forze francesi, e chiede aiuto a George a formare un piccolo esercito! (George deve retornar imediatamente para a Inglaterra, porque ela declarou guerra à França. O irmão dele vai enfrentar as forças francesas, e pede a ajuda de George para formar um pequeno exército!). – respondeu meu tio.

Maria transpareceu gostar da minha partida repentina, mas Augusta transpareceu o contrário.

- Rápido! Rápido! Vocês partirão ainda hoje! – disse-me meu tio.

Ele deu ordens para que trouxessem meus pertences para baixo. Ele foi ao seu escritório e voltou rapidamente com uma grande bolsa cheia de moedas.

- Não vejo as terras inglesas há muitos anos, mas, como um bom inglês, dou uma grande quantia para que seja investido nos batalhões que lutarão com os malditos franceses! – declarou meu tio.

Entregou-me a bolsa. Os empregados já colocavam as malas e baús na enorme gôndola.

Abracei meu tio, ele chorava muito.

- Tenha cuidado. Orgulhe nossa família, orgulhe nosso país!

Beijei a mão de Maria; ela não falou nada.

Olhei para Augusta. Ela tinha acabado de enxugar algumas lágrimas. Beijei-lhe a mão que estava ornamentada com um belíssimo anel de noivado.

- Adeus, George. Desculpe-me pelos meus erros. – ela disse com a voz embargada.

- Não se preocupe, não guardo mágoas suas. – menti.

Ela me abraçou, quebrando as regras da formalidade veneziana.

- Adeus! – disse para todos.

Subi na gôndola, Ank mandou seguirmos viajem. A gôndola saiu pelo Grande Canal ornamentado para as festas intermináveis do carnaval. Alguns fogos cortavam o céu. Olhei para Ank e perguntei:

- Guerra? Inglaterra e França?

Ank riu.

- Não lê os jornais ou você não é patriota? Tudo não passa de interesse. Os reinos da Áustria e da Prússia declararam guerra entre si, mas os reinos de Portugal e da Inglaterra apoiam esta (Prússia), já os reinos da França, Saxônia, Rússia, Suécia e Espanha apoiam essa (Áustria). Aproveitei o grande acontecimento para nos auxiliar em nossa partida. – explicou-me ele.

- Nossa, devo-lhe dar os parabéns pela imaginação. – disse eu.

Ele riu e agradeceu-me.

- Entretanto, - continuou ele. – partiremos amanhã pela manhã. Meu irmão deve estar muito furioso comigo. – falou ele amargamente.

- Você sabe quem foi que o delatou?

- Faço uma ideia de quem foi, mas não tenho a plena certeza. Quando chegarmos à Valáquia, responderei esta pergunta com firmeza. – conspirou.

Chegamos à casa dele rapidamente, mas ele não desceu da gôndola.

- Aonde vai? – perguntei.

- Trazer nosso jantar. Você precisa treinar algumas coisas antes de irmos.

Olhei assustado para o gondoleiro.

- Não se preocupe, ele é um veneziano patriota; sabe falar somente o italiano. – tranquilizou-me ele.

Suspirei de alívio.

- Prefere as jovens?

Não sabia como responder.

- Ah... não sei...

- Tudo bem, tudo bem. Se eu encontrar algum homem, trago-o para você. – declarou ele.

Ainda não estava acostumado com a ideia de me alimentar com sangue humano.

- Não faça nada com meu empregado, ainda preciso dele. – brincou ele.

Ele autorizou a saída, e o a gôndola começou a navegar pela ruela aquática vagarosamente.

Ao virar-me, o empregado de Ank apareceu à porta.

- Buonanotte. (Boa-noite). – disse ele.

Cumprimentei-o. Ele pegou meus pertences e levou ao meu novo quarto. Não tive vontade em subir. Esperei o empregado descer para conduzir-me à sala de música.

- Da questa parte, signore. (Por aqui, senhor). – falou-me ele.

Entrei na sala de música. Fiquei apreciando algumas pinturas. Minha atenção fixou-se numa pintura representando uma bela mulher. Olhei para o empregado e perguntei:

- Chi è? (Quem é?).

Ele olhou para o grande quadro e respondeu-me formalmente:

- Lady Bathory, cugino del principe Vlad di Valacchia. (Lady Bathory, uma prima do príncipe Vlad da Valáquia).

Prima de Vlad Draculea? Outra vampira? Não podia perguntar ao empregado. Ele meu ofereceu uma bebida que aceitei. Beberiquei um pouco até escutar algumas risadas em frente à residência. Ank chegara.

O mordomo conduziu Ank e as suas convidadas ao meu encontro. Ank mandou o mordomo sair e fechou a porta.

Duas mulheres, bêbadas, entraram no recinto aos trôpegos. Olhei assustado para Ank e ele disse:

- Duas prostitutas venezianas. Elas vieram para o “jantar”. – explicou-me rindo.

Uma dessas veio em minha direção.

- Ciao bello. Cosa vuoi che io faccia con te? (Olá lindo. O que você quer que eu faça com você?). – falou ela ficando de joelhos à minha frente.

Olhei para Ank pedindo ajuda.

Ank piscou para mim e disse:

- Explicarei a você.

Ank pegou a outra pelo braço e com um movimento rápido quebrou o pescoço da mulher.

- Se você não gosta de escutar sua “presa” gemendo de dor, faça isso.

Ank abocanhou o pescoço da mulher morta. A minha “presa”, por sua vez, tentava abaixar minhas calças.

- Não consigo. Não posso. – disse a Ank.

Ele olhou furioso para mim. Deixou a morta cair ao chão e veio, com a boca ensanguentada, em minha direção.

- Não seja tolo! – exasperou ele.

Pegou a outra prostituta pelo cabelo e socou a sua garganta, quebrando-a. Jogou-a para mim.

- Agora, alimente-se!

Olhei estaticamente para a mulher que estava sem respirar. Ela chorava, mas não saia nenhum ruído pela garganta. Ank ainda olhava para mim.

Aproximei meus lábios do pescoço dela e... mordi. Senti o estalo da pele sendo rompida. Senti o gosto rubro do sangue se espalhar pela minha boca. Meus instintos estavam aflorando! Minha respiração ficou ofegante. Suguei com mais força. O sangue viscoso escorria pela minha garganta. Fechei os olhos.

Ank ria e aplaudia, como se aquilo fosse um show de horrores.

Quando percebi que tinha consumido todo o sangue da pobre mulher, deixei cair o corpo ao chão. Olhei assustado para Ank.

- O que eu fiz?

Ank riu e veio me confortar.

- Não se preocupe. A nossa raça é muito egocêntrica; pensamos que nossas vontades são superiores a qualquer coisa. Portanto, pense da mesma forma. Pense que essa mulher nasceu somente para saciar a sua cede.

Ank jogou um lenço para que eu limpasse a minha boca que escorria sangue da minha vítima. Ank retornou à sua vítima.

- Estou sentindo um gosto amargo. – eu disse.

Ank desviou sua atenção para mim e disse:

- Eu as embriaguei com Absinto. O gosto amargo é o álcool. Você não gosta?

Neguei com a cabeça.

- Bem, cada um tem o seu gosto.

Ele falava como se aquelas mulheres fossem pratos que deveriam ser degustados. Ao terminar de “degustar” sua vítima, ele juntou os dois corpos e com movimentos rápidos e precisos, ele as esquartejou e jogou os nacos de carne no fogo ardente da lareira.

Fique enojado com tal ritual. Ank ao terminar disse:

- Não encontrei outra forma de nos livrar dos corpos. – disse ele friamente.

Ele percebeu o meu repúdio com tal ato e disse:

- O que você queria, George? Queria que fizéssemos um suntuoso funeral para essas duas prostitutas? Você precisa melhorar seu modo de pensar! Você não é mais humano! Meu irmão não pode perceber essa sua relutância, senão você será executado! Entendeu?

Dei de ombros.

- Não se preocupe. A quantidade de sangue que você ingeriu é o suficiente para controlar sua cede até três semanas. Você não sofrerá dessa “tortura” tão cedo assim.

Ank acalmou-se. Olhou para mim como se fosse meu pai e disse:

- Hoje é o seu último dia do seu ciclo. Portanto, daqui a algumas horas, você sentirá fadiga e sonolência. O último dia do ciclo faz com que o transformado durma durante vinte dias. Seu organismo irá modificar-se profundamente e as últimas características serão definidas. Então, não se assuste se. Colocarei você dentro de um caixão para que pensem que você é um defunto que está voltando à sua terra natal. E eu serei o seu “irmão” em luto. – disse rindo de seu plano.

Não podia objetar a respeito do plano. Eu era um amador no novo mundo dos vampiros.

||||||||

Como Ank havia dito, senti muito sono algumas horas depois. Ele me convenceu a dormir dentro de um luxuoso caixão.

- Não tirarei os olhos de você. – declarou-me Ank.

Assenti.

- Assim que chegarmos à Valáquia, talvez não sejamos bem recebidos. Fique ciente do mau humor dos vampiros. Talvez sejamos julgados pela Assembleia. Quando você acordar, direi mais informações, agora durma. Bons sonhos. – falou Ank fechando a tampa do caixão.

Fiquei consciente durante alguns minutos. Dormi em seguida; profundamente.

||||||||

Passei os vinte dias dormindo profundamente dentro do caixão. Segundo o relato de Ank, nós partimos no outro dia à tarde de Veneza rumo à Valáquia. Nossa nau navegou pelo Mar Adriático, que banha toda a costa da Itália, em sete dias; o vento foi favorável.

Atravessamos o Mar Jônico, e paramos na ilha de Creta. Chegamos ao nono dia. Um dia depois, partimos de Creta. Navegamos o Mar de Creta, passamos por várias ilhotas e ilhas gregas até chegarmos ao Mar Egeu.

Uma forte tempestade forçou nossa nau a parar na Ilha de Lesbos. Passamos quatro dias em Lesbos. No décimo quarto dia, zarpamos rumo à cidade de Galípoli.

Chegamos a Galípoli ao décimo nono dia às cinco da manhã. Reabastecemos e partimos no mesmo dia, às oito horas da manhã. Passamos pelo Estreito de Dardanelos e desembocamos no Mar de Mármara; duraram doze horas.

Do Mar de Mármara, atravessamos o Estreito de Bósforo e entramos no início do Mar Negro; duraram três horas.

Estávamos no fim do percurso da Cordilheira dos Haimos. Iríamos parar em uma pequena cidade e pegar outra embarcação menor. Era o vigésimo dia, acordei à noite.

Abri a tampa do caixão. Caixotes amarrados entre si mantiveram meu caixão junto à parede do navio. Eu estava no compartimento de carga. Saí do caixão. Não senti nenhuma dor, parecia que eu havia dormido apenas algumas horas.

Subi ao andar de cima. Encontrei o corredor de quartos da nau. Não precisei chamar ou perguntar por Ank, pois, com certeza, ele iria sentir meu cheiro.

Como presumi, a última porta do estreito corredor abriu-se. Ank apareceu reinante. Deu um sorriso de esguelha e chamou-me.

Entrei no seu cômodo. Ele trancou a porta e olhou para mim.

- Deixe-me vê-lo. Nossa, mudou bastante. Olhe-se no espelho.

Não sabia o que ele falava, mas obedeci-lhe. Olhei-me num longo espelho junto à parede. Fiquei boquiaberto. Minhas feições tinham se modificado! Meu rosto parecia mais magro, a cor de meus olhos era de um verde claríssimo, minha pele estava muito branca e sedosa, eu estava mais... sedutor.

Fiquei passando minhas pálidas mãos pelo meu rosto.

Ank ria de minha surpresa.

- Pegue. Comprei isto para você. Feliz aniversário. – disse-me ele.

- Hoje não é o meu aniversário. – disse-lhe.

Ele sorriu ironicamente.

- Eu sei, hoje não é o seu aniversário como humano. Mas, sim, como um vampiro.

Ri da obviedade. Peguei o presente.

- Obrigado. – agradeci.

- Vamos, homem, abra!

Abri a pequena caixa de madeira e dentro havia um belíssimo anel de ouro. Havia um pequeno emblema de um dragão e uma frase em latim que arrodeava a figura: “Imago animi vultus”.

- “Imagem da alma”. – traduzi.

- Isso mesmo.

- Por que está me dando este anel?

- Ele simboliza nossa união! – explicou-me Ank. – Ninguém poderá chegar perto ou até falar com você sem o meu consentimento.

- Sou sua “propriedade” que ninguém poderá se apossar, melhor dizendo. – critiquei.

Ele apenas sorriu.

Fiquei olhando por poucos segundos aquele anel. Depois, fui olhar a paisagem pela pequena escotilha.

- Onde estamos? – perguntei.

- Estamos próximos ao Delta do Danúbio. Trocaremos de embarcação num pequeno porto.

Assenti.

Duas horas depois, chegamos numa pequena cidade portuária romena junta ao Delta. Uma forte chuva caia naquele instante. Descemos da nau e percorremos o porto deserto. Ank e eu entramos num mísero prostíbulo chamado “Casa de Plăceri” (Casa dos Prazeres), que ficava dentro do próprio porto.

Ank entrou de supetão. Muitas cabeças se viraram para olhar a figura que acabara de entrar. Incrivelmente, muitos tiraram seus chapéus, abaixaram a cabeça e o cumprimentaram. Uma jovem mulher de avantajados seios veio falar com Ank.

- Bună seara, domnule Draculea (Boa-noite, senhor Draculea).

Ank não deu atenção à mulher. Ele falou inquisitorialmente:

- Am nevoie de o barcă pentru a-mi de transport la râul Olt (Preciso de uma embarcação que me leve até o rio Olt).

Muitos olharam para a chuva que caía lá fora.

Ank percebeu a relutância e o medo nos rostos daqueles homens. Como um carrasco, apontou para um homem barbudo e sujo que estava no canto da parede.

- Tu! Vino imediat (Você! Venha imediatamente).

Ank saiu do prostíbulo. Olhei para os lados e notei algumas prostitutas olhando para mim. Uma piscou. Saí atrás de Ank.

- Por que eles o obedecem?

Ank riu.

- Eles sabem que sou o príncipe da Valáquia. Não se preocupe, eles também irão obedecer-lhe.

Olhei para trás e vi o pequeno homem barbudo nos seguindo relutante.

Um trovão ecoou por todo o Mar Negro. Uma forte chuva anunciava o temporal que estava por vir.

||||||||

Subimos na pequena embarcação. O homem amarrava nossos pertences. Ficamos numa cabine imunda, que cheirava a sexo. Sim, eu podia sentir isso!

Ank estava sentado e disse:

- Abra a porta.

Estranhei, mas o obedeci.

Assim que abri a porta, o homem estava na minha frente.

- Ne pare rau starea de barca mea, domnilor. Nu bani, asa ca eu nu sunt vrednic să-i conducă. (Desculpe o estado de meu barco, senhores. Não tenho dinheiro, então eu não sou digno de levá-los).

Ank respondeu friamente.

- Plata va fi efectuata de ajuns pentru tine de a cumpăra o navă nouă. Cu toate acestea, trebuie să ne pornit imediat. (O pagamento será o suficiente para você comprar um novo navio. No entanto, temos de partir imediatamente).

Ele fez uma grande reverência e com um largo sorriso agradeceu.

Fechei a porta.

- O que ele disse?

- “Desculpe-me pelo péssimo estado de meu barco, senhores. Não tenho dinheiro, portanto não sou digno de conduzi-los”. Eu ofereci algumas moedas a mais para que nos deixasse em paz.

Assenti. Mas, uma forte dúvida pairava sobre mim.

- Eles sabem que sua família tem linhagem nobre, mas também sabem que vocês são...

- Vampiros? Não, não. Não nos alimentamos de pessoas próximas. Às vezes pegamos pessoas de vilas longínquas, mas preferimos viajantes. – explicou-me.

Zarpamos do pequeno porto. Penetramos o Delta do Danúbio e seguimos, contra a correnteza, o rio Danúbio.

Ank ficou com os olhos fechados durante todo o trajeto. Enquanto eu olhava os pequenos vilarejos juntos à margem do rio.

A chuva intensificou-se. Grandes nuvens negras cobriam o céu. Olhei para Ank com preocupação, mas ele, de olhos fechados, não demonstrava nada.

O barco percorreu vagarosamente o trajeto do Danúbio.

Olhei mais uma vez pela escotilha. Enormes campos verdes cobriam pequenos montes. Casebres fixavam-se naquela natureza singular. Vacas e outros animais buscavam abrigo debaixo de árvores. Muitas crianças brincavam e dançavam na chuva. Aqueles flashes de imagens me seduziram.

Eu vi e senti a felicidade naqueles pequenos rostos e gestos. Algo que não sentia há muito tempo.

||||||||

Com muita dificuldade e horas depois, conseguimos navegar pelas águas do rio Olt. Quando a embarcação dobrou à direita, Ank abriu os olhos; percebendo a nossa entrada no rio.

Ele se levantou e foi atrás do capitão. Voltou segundos depois.

- Vamos parar num porto que fica perto de Islaz. Um encarregado de meu irmão está nos esperando.

Olhei para ele surpreso.

- Por que você não diz tudo de uma vez? – perguntei furioso.

- Adoro fazer surpresas. – ironizou ele.

Cinquenta minutos depois, chegamos ao pequeno porto. A chuva não cessara. O capitão barbudo retirou nossas malas. Ank o recompensou com duas sacolas de moedas. O homem agradeceu muitas vezes e voltou à sua embarcação para contar o quanto tinha recebido.

Estávamos encharcados. Ank ficou parado olhando para frente.

- Vamos sair daqui, estamos nos molhando! – disse eu.

- Espere. – disse ele.

- A quem estamos esperando?

- Apenas espere.

Fiquei olhando para a mesma direção que Ank, mas eu não vi nada. Segundos depois, uma silhueta negra vinha caminhando em nossa direção.

- Ali está. – disse Ank.

A silhueta estava mais próxima. Era um homem bastante alto, vestia uma longa capa negra com capuz. Aproximou-se e falou:

- Bine ai venit, Majestate. (Bem vindo, Majestade) – disse o homem de voz muito grave.

Ank falou seriamente

.

- Salut, Andrei. Când sunt în compania acestui om, vorbesc în limba engleză. (Olá, Andrei. Quando eu estiver em companhia deste homem, fale em inglês).

- Como queira senhor. – respondeu Andrei em inglês.

- Onde está a carruagem?

- Está a vossa espera Majestade, mas infelizmente teremos que nos hospedar na cidade de Islaz, pois as estradas estão lamacentas e em alguns pontos, interrompidas. Poderemos amanhã ir até à Slatina de barco, e seguir o restante da viajem de carruagem. – falou Andrei.

- Bem pensado Andrei. – disse Ank.

Andrei agradeceu e nos fez o acompanhar até a carruagem. Em nenhum momento ele olhou para mim. Por quê? Ordens do irmão de Ank?

- Qual é a função dele na corte de seu irmão? – perguntei em voz baixa.

- Ele não tem uma função fixa. Andrei Voloh é o preferido do meu irmão, por isso ele tem essa imponência. – explicou-me Ank em voz alta, o bastante para que Andrei escutasse.

Mas, Andrei não demonstrou nenhuma reação.

Vi a luxuosa carruagem negra. Outro homem segurava as correias dos cavalos, ele também estava vestido com uma longa capa negra.

Andrei abriu a portinhola e fez uma reverência para que entrássemos. Nós três entramos. Fiquei sentado ao lado de Ank e Andrei sentou à nossa frente. Olhei para minhas botas, elas estavam sujas de lama. Olhei para Ank e, novamente, ele estava de olhos fechados.

Andrei bateu com a mão na parede da carruagem atrás de sua cabeça, indicando que podíamos seguir viagem. Fiquei olhando para ele, mas ele não olhava para mim.

O silêncio reinou durante toda a viagem. Olhei pela janela, e podia ver as vastas plantações e campos virgens, apesar da chuva. Fiquei assim durante algum tempo. Virei meu olhar para Andrei e percebi que ele olhava para o meu anel. Ele fez uma carranca. Parece que ele não tinha gostado do que tinha visto. Olhou para Ank e depois ficou olhando para janela.

Percebi que o clima tinha ficado tenso.

Eu gostaria que Islaz estivesse próxima.

||||||||

A carruagem percorreu a encharcada estrada. Atravessamos várias propriedades rurais até chegarmos a Islaz. A imponente carruagem adentrou na cidade furiosamente. Os cavalos percorriam rapidamente as estreitas ruas lamacentas. Paramos em frente a uma hospedaria.

Andrei entregou cordialmente uma capa a Ank, para proteger-se da chuva. E a mim ele também entregou, mas com menos cordialidade.

Descemos da carruagem. Um homem, por volta dos cinquenta anos, praguejava com a mulher e os filhos. Eles nos receberam muito bem. Andrei pediu quatro quartos. O homem imediatamente pediu que o seguissem. Andrei seguia logo atrás do homem. Quanto este indicou os quartos, Andrei exigiu que nenhum de nós fôssemos incomodados. O homem assentiu nervosamente.

Ank olhou para mim e disse sorrindo:

- Descanse meu cordeirinho.

Andrei pareceu surpreso com a intimidade de Ank.

- Partiremos amanhã pela manhã, majestade.

Ank assentiu.

- Descanse bem, majestade. – disse Andrei fazendo uma reverência.

Andrei olhou para mim de forma severa e fez um leve movimento de cabeça.

Retribui o gesto.

O outro homem que guiava a carruagem nada disse.

Entramos nos nossos respectivos ao mesmo tempo.

O meu quarto era aconchegante e espaçoso; acendi algumas velas, apesar da lareira estar acesa. Olhei pela janela do quarto a chuvosa cidade de Islaz.

- Nunca pensei que viria parar aqui. – pensei.

O que o futuro aguardava para mim?

Eu não queria pensar a respeito, mas a minha vida estava nas mãos do irmão de Ank: Ivan Draculea, rei dos vampiros.

||||||||

Não dormi, não por nervosismo, mas não senti vontade. Fiquei lendo alguns livros, sentado numa cadeira velha, e olhava o passar das poucas carroças e pessoas da cidade fria de Islaz.

No alvorecer, Ank entrou em meu quarto sem cerimônia.

- Ah, está acordado! Ótimo, partiremos imediatamente. – declarou Ank.

Olhei estupefato para Ank.

- O quê? Está louco? Está amanhecendo! Não podemos sair! – cuspi minha surpresa.

Ank sorriu de uma forma singular e, com um movimento rápido, abriu as grossas cortinas de meu quarto.

A luz da manhã transpassou a janela e iluminou o meu quarto. Os raios solares incidiram sobre minha pálida pele. Assombrei-me.

- O que está fazendo? – exasperei.

Caí ao chão tentando me livrar dos raios próximos.

Ank, para me acalmar, ficou em frente à janela. Nada acontecia a ele.

- Você tem aprender muita coisa cordeirinho.

Fiquei alguns estantes olhando para a imaculada pele de Ank.

- Podemos suportar os raios solares? – perguntei.

- Durante o ciclo, não sobreviveríamos aos famigerados raios; mas quando transformados completamente, podemos suportar por algumas horas.

Olhei surpreso para ele.

- Quantas horas? – perguntei.

Ele riu ironicamente.

- Depende. Já vi vampiros morrerem depois de cinco horas sob um intenso dia de sol. – respondeu Ank.

- E por que eles não procuraram abrigo?

Ank riu monstruosamente.

- Porque, cordeirinho, essa foi a sentença deles por traição à coroa de meu irmão.

Fiquei assustado com a revelação.

- Poderemos sofrer tal sentença?

- Eu estava apostando nela. – declarou Ank.

Olhei para a janela. Fiquei com um ar de preocupação.

- Ah, não fique assim. – disse Ank – Vamos, pegue seus pertences; a carruagem já está pronta para nossa partida.

Ele saiu da mesma forma em que entrou: sem cerimônia.

Alguns empregados da hospedaria me ajudaram a pôr meus pertences na carruagem. Naquele dia, o sol conseguiu sair detrás das nuvens cinza de chuva; mas por pouco tempo.

Era estranho sentir o sol em minha pele após semanas no escuro e sombra. Sentia minha pele coçar, comichar, arder. Mas, era suportável. Andrei estava a postos e o outro vampiro já estava no seu assento.

- Vamos George! Entre! Vamos aproveitar este lindo dia de sol! – falou Ank dentro da carruagem.

Entrei na carruagem e me sentei ao lado de Ank. Andrei sentou à nossa frente e bateu no mesmo local de antes. A carruagem deu um solavanco, e seguimos viagem.

Alguns barcos e naus aproveitavam a trégua da chuva. Andrei pagou ao barqueiro a locação do barco. Os marujos do barco tiveram dificuldade em por a carruagem com cuidado na proa do barco.

Ficamos do lado de fora do barco.

- Sua pele precisa se acostumar com os raios solares. Perceberei quando você não aguentar mais. – disse-me Ank.

Olhei a, agora, distante Islaz. Algumas gaivotas sobrevoavam sobre o barco. O frio vento indicava que mais chuva estava por vir. Mas, só queria aproveitar a paisagem da belíssima Islaz.

||||||||

Zarpamos de Islaz rumo à cidade de Izbiceni. Vi outras cidadelas pobres. Vi a vida simples daquele povo sofrido. Olhei para a tripulação do barco. Homens fortes, másculos, corajosos, pais de família; mas será que eles sabiam da existência de minha “nova” espécie?

Chamei um garoto, provavelmente filho de algum marujo, que jogava um balde de água suja no rio Olt.

- Hei, puştiule! (Ei, garoto!).

Ele olhou para mim. Veio em minha direção de cabeça baixa e com a touca na mão.

- Desigur, domnule? (Pois não, senhor?).

Tirei do bolso duas moedas e entreguei-lo.

- Vorbesc engleza? (Sabe falar em inglês?). – perguntei.

- Um pouco. – respondeu ele com sotaque carregado.

Olhei em volta. Não vi Ank, e os dois vampiros subordinados estavam do outro lado do barco.

- Responda-me: seu povo acredita em vampiros?

Ele olhou assustado para mim.

- Vampir? – ele perguntou.

- Da. (Sim). – respondi.

Os olhos verdes do garoto olham para todos os lados do barco. Ele fixa o olhar em mim e responde.

- Nesta terra existir vampir!

- Como você sabe disso?

- Não entender. – falou ele.

Suspirei.

- De unde ştii?

- Minha pais falar. Muitas crianças, mulheres e homens desaparecer! No norte. Desaparecer no norte.

- Entendi. Você já viu um vampiro?

- Nu. (Não).

- Você tem certeza?

Uma voz grave soou alto atrás de mim.

- Sim, ele tem certeza.

Olhei para trás. Andrei olhava furiosamente para mim e para o garoto.

- Du-te înapoi la munca ta! (Volte ao seu trabalho!). – vociferou Andrei ao garoto.

O pobre garoto saiu correndo assustado.

- Não podemos comentar nada a respeito de nossa espécie, senhor Seymour. – vociferou ele.

- Sim, eu sei. Mas, senti vontade de perguntar.

Ele olhou friamente para mim e disse:

- Talvez ainda reste a alma humana em seu corpo vampírico.

Ele virou-se bruscamente, deixando-me sozinho para pensar na ameaça.

||||||||

A tempestade apareceu com mais intensidade em Izbiceni. O capitão do navio nos informou que seria impossível continuarmos a viagem, pois estávamos indo contra a correnteza do rio Olt; teríamos que esperar a tempestade diminuir.

Paramos no porto de Izbiceni e fomos a um prostíbulo que ficava perto do porto da cidade. Todas as prostitutas, com seios de fora, olharam-nos com desejo, apesar de estarmos vestidos com as longas capas pretas com capuz.

Andrei e o outro vampiro aproximaram-se do balcão, enquanto eu e Ank fomos nos sentar numa das mesas engorduradas. Abaixei o meu capuz, mas Ank não o quis. Uma jovem mulher, aos trôpegos, aproximou-se de Ank.

- Bună ziua, dragă. Văd ta esti nou pe aici. Mi-ar aprecia dorinţa mea să urez bun venit? (Olá, querido. Vejo que seu você é novo por aqui. Gostaria de apreciar o meu desejo de boas-vindas?).

Ela passava a mão nos órgãos genitais de Ank. Ele nada fez, pois Andrei puxou o cabelo da mulher bruscamente. A mulher deu um sonoro grito de dor. Todos os homens que estavam dentro do bar levantaram-se para defender a prostituta.

- Cine crezi că eşti? (Quem você pensa que é?). – gritou um homem.

Andrei abaixou o capuz que ocultava seu rosto. Todos os humanos dentro do prostíbulo suspiraram de surpresa.

- Domnul Voloh! – alguns falaram.

Ank levantou-se e também baixou seu capuz, mostrando seu augusto rosto.

Ouviu-se a exasperação das pessoas.

- Domnul Draculea! (Lorde Draculea!).

Muitos abaixaram as cabeças, tiraram chapéus e toucas; e outros se ajoelharam.

Com um olhar inquisidor, Ank fala:

- Dragi cetăţeni din Izbiceni, îmi cer scuze pentru atitudinea mea maistru ciudat. El cu siguranta ar fi să-mi cer scuze doamnă care ma deranjat. (Caro cidadãos de Izbiceni, peço-lhes perdão pela atitude esdrúxula de meu capataz. Ele, com certeza, irá pedir desculpas à senhora que incomodou-me). – disse Ank olhando furiosamente para Andrei.

Andrei ficou sem jeito. Ele ainda segurava o cabelo da mulher que estava ao chão.

- Majestade... Eu...

Ank bufou uma única vez.

Andrei percebeu a irritação de Ank; soltou o cabelo da prostituta e a ajudou a se levantar.

- Scuzaţi-mă. (Desculpe-me). - disse Andrei.

Assim que ficou de pé, a mulher esbofeteou o rosto de Andrei; mas nada aconteceu a ele.

Com uma voz ameaçadora, Ank disse:

- Vamos esperar no barco.

Ele saiu primeiro. Depois eu o segui.

|||||||

Andrei e o outro vampiro não voltaram.

- Onde eles podem estar? – perguntei.

Ank estava sentado numa cadeira velha da cabine. Ele tinha bebido cinco garrafas de absinto, mas ele ainda estava sóbrio. Aliás, os vampiros não ficam bêbados.

- Em outro prostíbulo, provavelmente. – responde Ank com desdém.

Olhei pela pequena escotilha de nosso camarote e vi a chuva ainda castigar aquela belíssima terra.

- Não sabia que sua família é tão conhecida assim, por aqui. – falei eu ainda olhando para a chuva.

Ank sorri e enche mais uma vez sua taça com absinto.

- Meu antepassado, príncipe Vlad Draculea, lutou contra os otomanos durante anos para impedir que Valáquia fosse governada por um “impuro”. Por isso, a fama de minha família se arrasta por séculos, pois ninguém teve tanta audácia quanto Vlad. Apesar de hoje a Valáquia fazer parte do Império Otomano. – explicou-me Ank pesarosamente.

Balanço a cabeça afirmando.

Ficamos em silêncio durante algum tempo, até que Ank pergunta:

- Saudades da Inglaterra?

Olho para ele. Ele nunca foi tão íntimo comigo daquela forma antes.

- Na verdade, não.

- Seu irmão ainda mora lá.

Suspiro.

- É verdade, mas não vejo sentido em minha vida morando lá. E meu irmão não gosta de mim. – falo quase em sussurros.

Ank se levanta e põe-se ao meu lado.

- Então, Veneza tomou seu coração, não? – ele me desafia.

Sorriu.

- Apesar de alguns acontecimentos horríveis, sim. Veneza está me dando saudade. – completo sorrindo.

Como um irmão, ou um pai; Ank pousa sua mão em meu ombro e fala suavemente em meu ouvido:

- Prometo-lhe que você voltará a Veneza.

(Continua em: MORDIDO EM VENEZA - PARTE II).