O DEMÔNIO GUARDIÃO- CAPITULO II

Tempos depois de o demônio ter ser erguido e caminhado sobre a terra ele mudou.

Deixou de ser um predador para se tornar um caçador.

Agora não mata.

Agora caça.

Não por dinheiro, nem por diversão.

Por solidão.

Por ser sozinho o demônio se ocupa com a caça.

Durante a noite enquanto os homens descansam o demônio anda só e amargurado.

Triste e sozinho incapaz de ser amado ele busca na matança a resposta para sua desolação como se no olhar de suplica de suas vitimas ele pudesse vislumbrar algum lampejo de misericórdia para sua existência vazia.

Ferido e revoltado ele amaldiçoa aquela que amava, em silêncio jura vingança contra a menina de olhos verdes e seu anjo sem asas.

Agora enquanto percorre as ruas em sua montaria metálica de cor negra e brilhante, correndo sobre o asfalto molhado da madrugada sob as luzes frias dos postes, puxando o acelerador ao máximo, forçando até ela rugir como uma fera chicoteada e zangada,

Ele ouve!

Acima do rugido do motor 150cc ele ouve!

A voz!

Aquela voz irada! ,

Raivosa!

Gritando com ele, acusando ,cobrando, humilhando, isso o enfurece o provoca faz com que acelere mais, com que corra mais, essa lembrança o inflama por dentro, queimando em seu peito marcando seu coração como as cicatrizes de um ferro em brasa na carne de um escravo.

Fez-se escravo da vontade da menina, tornou-se por vontade escravo daquela criança, apenas para ser pisoteado por seus pés infantis.

De olhos abertos se entrega à noite,

No seu seio faz sua morada,

Durante o dia vive sua fachada,

Mas ao nascer da lua rompe com as amarras,

Atira-se aos prazeres e vícios noturnos,

Desfruta de todos sem deixar passar nada.

Seus olhos negros e riso fácil fazem com seja aceito por suas vitimas, nos antros que frequenta, elas o consideram como seu igual, outro desiludido sem rumo vagando na noite, alguém de quem elas podem se aproveitar e lucrar.

Magoado em seu orgulho o demônio lança mão da dissimulação,

E de outros artifícios.

As vitimas baixam a guarda,

Ignoram os instintos,

Esquecem-se do perigo.

Quem olhasse para ele nas noites de caça veria um sujeito moreno de estatura mediana, peito e ombros largos, braços grossos, de cabelos liso-crespos pretos, usando jeans escuro surrado com jaqueta de couro preto e camisa branca por baixo, calçado com botas militares e uma barba de três dias por fazer, um cara normal na madrugada, mas se esse mesmo observador olhasse de forma mais atenta para aquele rosto comum demorando-se nos olhos oblíquos e negros, veria se tivesse coragem, o olhar duro e cruel disfarçado por um sorriso irônico e tordo, uma alma atormentada e vingativa escondida debaixo da carne jovem e rija , se o fizesse esse alguém levantaria, pediria a conta e sairia sem olhar para trás, rezando para não cruzar o caminho do demônio novamente.

Como caçador o demônio se tornou mais seletivo, mais focado, ele havia descoberto toda uma nova variedade de presas a serem caçadas e abatidas.

Ele aprendeu a ser realmente discreto e silencioso, era independente agora, sozinho e livre para fazer o que quisesse, mas havia certos cuidados a serem tomados e por mais que não gostasse existiam certas regras que não podia deixar de seguir.

Presas que antes eram ignoradas por não terem nenhum valor, agora se mostravam arredias e violentas, dessas, ele gostava lhe proporcionavam um prazer especial, com sua recusa feroz e violenta diante da morte, lutavam com tanta determinação e coragem que no fim conseguiam demonstrar alguma dignidade, uma espécie de redenção final, assim tinha a oportunidade de fazer uso de toda força e brutalidade que tanto amava na execução de seu oficio, sim, pois apesar de ter aberto mão do ganho, ele ainda se considerava um prestador de serviços, um faxineiro por assim dizer, afinal era ele quem removia o lixo da rua durante a madrugada, além do que, esse laboratório, essa nova fase de experimentação, de fuga do convencional e quebra das regras, estava possibilitando a ele a oportunidade de extravasar sua ira e frustação muito melhor do que varias sessões de analise jamais fariam.

A cada nova vitima, a cada nova morte, a cada grito de dor , suplica ou pedido de perdão o demônio ria , ria alto e em bom tom antevendo o prazer que sentiria ao rasgar a carne, ao derramar sangue pelo chão, ouvir os ossos estalando e se quebrando sob a força do seu ódio e os urros de sua fúria se sobrepondo aos trovões do céu que estremecem a terra enquanto destroça o anjo que lhe tomou àquela que ele mais queria entre todas as que poderia ter.

Mas se as suas noites eram agitadas, os seus dias...

Seus dias eram apáticos e repetitivos.

Sem emoção.

O tédio e o ócio o consumiam por dentro, era como andar pelas ruas em um estado de vigília.

Nada lhe agradava,

Nada lhe atraia ou interessava,

Nada!

A não ser a presença dela.

Quando ela aparecia e se sentava perto dele na pequena mesa de dois lugares, onde tinha o costume de sentar-se sozinho para tomar um café preto amargo e horrível como o seu humor.

Nessas horas seu espirito se apaziguava, seu rosto duro de lábios finos esbouçava um sorriso de satisfação por vê-la ali sentada a sua frente com os cabelos sempre presos, pretos banhados a ouro, o rosto de pele lisa e limpa sem maquiagem, olhar inocente, amiga e sorridente,

Atraente e perigosa aos olhos do demônio, pois nessas horas ela era mais irresistível do que nunca para ele.

Seus olhos verdes como as aguas geladas de um oceano frio e profundo esperando por ser explorado o atraiam com a força esmagadora do canto da iara que se opõem a vontade do navegante, convidando-o a abandonar seu barco e mergulhar de cabeça nas aguas traiçoeiras e mortais na esperança duvidosa de ter o que deseja entre seus braços se conseguir alcança-la.

Nesse momento o demônio dificilmente lhe diria não, não importasse o pedido, por isso ao mesmo tempo em que ele o ansiava também o temia, pois se ela o fizesse jurar algo nesse momento ele não poderia deixar de cumprir o juramento feito.

Embora tivesse permitido que ela soubesse que tinha poder sobre si, o demônio não gostaria que ela soubesse o quanto.

Uma vez ela lhe perguntara se fora a primeira,

Ele lhe respondeu que fora a primeira que deveria ter sido a única,

Ela ficara sem ar, baixara os olhos, o rosto mudou de cor de branco para vermelho, por um instante não soubera o que dizer um sorriso sem graça e um muito obrigado seguido de um adeus pôs um ponto final na conversa.

O demônio embora não soubesse ainda tinha seu encanto sobre ela, basta lembrar as outras que ela afastou com avisos a cerca da natureza dele,

Tais avisos não foram para protegê-las,

Foram para mantê-las a distancia.

Pois embora tivesse renegado o demônio ela ainda queria mantê-lo para si, ele era o seu troféu, o seu primeiro e ninguém iria lhe roubar isso.

O ciúme mal disfarçado que queimava naqueles olhos esmeralda enlouquecia o demônio.

Ela o mantinha a distância, mas estava sempre por perto para afastar as outras, tal comportamento não passava despercebido a ele que por vezes em sua raiva a ignorava fingindo não vê-la ou ouvi-la.

Se não o queria porque mantê-lo ali tão perto dos olhos mais longe do coração,

Era o que se perguntava,

Coração que não pertenceria a ele, nem agora, nem nunca,

Fora o que ela cuspira em sua cara com todo ódio e desprezo de sua fúria de mulher,

Embora o tivesse desprezado,

Mandando-o embora,

Não o deixou ir,

O manteve cativo de seu feitiço,

Sujeito a sua vontade,

Submisso a seus encantos,

E secretamente objeto de seu desejo.

Ela podia tê-lo rejeitado,

Desprezado,

Mas não iria permitir que outra o possuísse,

A ideia de perdê-lo era insuportável,

Assim como era insuportável à ideia de querê-lo,

Como ela poderia querê-lo?!

Um demônio!

Assassino!

Seu corpo cheirava a sangue!

Tinha raiva e vergonha de si mesma por sentir que apesar de tudo que lhe dissera ela se sentia mal ao vê-lo com outra,

Não conseguia encara-lo nos olhos sem sentir o ar faltar nos pulmões,

O rosto queimar,

O corpo tremer,

O sexo arder de vontade,

Era como encarar um bicho,

Um animal,

Preso atrás das grades,

Dentro de uma jaula,

Que desperta o desejo,

O desejo de se entregar,

Se entregar de forma selvagem,

Como uma fêmea no cio,

Que ele,

E só ele,

Pode satisfazer.

Só ele a fazia,

Querer,

Precisar,

Esperar,

Sentir.

E isso a confundia,

Irritava,

Desesperava,

Por isso o mal tratava,

Menosprezava,

Humilhava,

Não o queria,

Mas ele,

Pertencia a ela,

E ninguém iria leva-lo.

Preferia-o morto,

A vê-lo com outra.

alexandre l tartaglia
Enviado por alexandre l tartaglia em 08/07/2010
Reeditado em 10/07/2010
Código do texto: T2365637
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