O meu desejo

(1)

- Então – eu disse - - Conte-nos um pouco sobre você,

- Você não iria gostar de saber meu conhecido

- Sim, eu gostaria... Se te acolho em minha casa, gosto de te conhecer um pouco...

- Então contarei, uma breve historia que se passou há pouco tempo... Talvez você goste... Talvez não

Este estranho se levantou e se apoiou na janela... Não tirou os olhos da pequena porta da qual há pouco, minha senhora havia saído com minha filha para buscar um pouco de lenha para nosso fogão.

Depois de ensaiar um breve sorriso, ameaçou falar, mas hesitou... Parecia se divertir com minha ansiedade... Como um homem tão inteligente, poderia estar sozinho em uma noite de frio dessa? Será que não tem uma família? Ou mesmo dinheiro?

Um vento forte entrou pela janela entreaberta, foi aí, que com um sorriso agoniado, ele começou a falar...

- Eu não devia estar te contando... Todo o mau que eu fiz as pessoas deveriam ser revelados só à Deus, o qual irá decidir se devo partir em paz, ou continuar vagando por esse inferno da minha eternidade.

Pouco me importa acabar com mais uma vida, não costumo matar velhos como você amigo, mas não me deixa escolha. A curiosidade que pode lhe ter aberto caminhos, hoje, vai fazê-lo encontrar uma sepultura.

- Do que você está falando? – Eu o olhei assustado me levantando da cadeira

- Sente-se aí... Agora! – o rosto dele se desfez da sua compostura, refletindo todo ódio guardado em seu coração. - - Não se preocupe em correr... – ele sorriu - - Eu te alcanço... Por isso fique avontade... Vou lhe contar o que tanto queria saber...

(2)

Ele não sabia o que fazer... Estava inquieto na cadeira... Talvez pensando em correr, ou mesmo em tentar acabar com minha vida... Pensar nisso me fez gargalhar...

Os olhos daquele pobre homem velho se arregalaram de tal forma que pensei que fosse sair de seu rosto... Gosto de me divertir a custo da compreensão da morte... Ou melhor... Da certeza das pessoas que não podem se salvar de mim...

- A historia que pretendo lhe contar, é curta... Tenho pouco tempo... Antes de lhe conhecer ,eu conheci tua senhora... Era uma mulher muito bonita... Seu belo corpo me atraiu, de tal forma que a induzi ao adultério... Por alguns dias nós manchamos teus lençóis com o deleite de nosso amor...

Isso explica o porquê ela tanto insistia para você levar tua bela filha para o mercado, não? – eu ri... Os olhos banhados por lágrimas de ódio dele, agora, já não se encontravam nos meus. - - Quando ameacei deixá-la, tua senhora me propôs morar com vocês... Ser um velho amigo, um conhecido sem uma casa, sem comida... Ela sabia que você não me deixaria no frio dessas noites...

Pouco nos encontrávamos depois que me acolhera aqui... Ela decidiu que lhe amava... E que não queria mais a mim...Logo quando realmente eu a queria... Isso custou à vida dela... Agora ela está sem uma gota de seu sangue nas águas do lago daquela floresta... Inclusive, esta bebia que você bebeu ao jantar... Estava uma delicia, não estava?

- Do que você está falando? – ele se levantou raivoso, jogando o copo longe - - Você não pode ter matado minha mulher... Ela saiu há pouco com minha filha... Minha filha!!! Aonde ela está?

- Sim, elas saíram... Que pena que você foi ao banheiro... – eu sorri - - E sua filha... Nem sei como descrevê-la... Foi pelo jeito... Incontrolável dela, que lhe poupei de uma morte definitiva... Vem comigo.. Quero mostrar como a morte restaurou toda sua beleza de mulher...

(3)

Quando abri meus olhos estava tudo escuro... Mau eu enxergava minhas mãos...

Aos poucos fui vendo que se me concentrasse eu via o quarto com a precisão de que se estivesse iluminado pelos raios do astro rei.

Eu estava bem... Nenhuma seqüela do ataque que sofri naquela noite...

Quando abriram a porta, pude ver meu pai entrando... Logo atrás dele estava o homem que me atacou... Incrivelmente eu não senti medo... Agora estava tudo diferente...

- Filha... – meu pai se ajoelhou frente à cama, chorando - - Você está bem?

- Sim papai... – eu sorri, e o abracei... Quando ouvi seu coração pulsar... E o sangue quente correndo em seu corpo, quase não pude me controlar... Por pouco não o matei ali... - - O que está acontecendo? – eu perguntei assustada

- Minha querida... – O homem se aproximou - - não tenha medo... Tudo logo vai fazer sentido... Agora, deixe seu instinto fluir... Deixe essa menina indomável que eu tanto gosto sair daí... – ele me beijou... Um beijo tão apaixonado quanto o beijo da lua com o mar... A boca dele após sair da minha, foi direto para o pescoço do meu pai, deixando uma incisão por onde saia sangue quente... Que fazia minha boca salivar... - - Beba criança... Beba...

- Eu não posso

- Você quer... – ele sorriu e me beijou novamente, sua boca estava com o gosto que eu tanto queria, e que não pude resistir

- Sim... Eu quero... – e assim, eu matei meu pai...

Tudo que pertencia a minha vida, se acabou na minha nova morte... E novos valores nasceram em mim... Principalmente o meu desejo por sangue... O meu desejo por esse estranho.

(4)

Aproveitaram todo o gozo de uma nova vida ali mesmo... Sob o cadáver de um velho senhor...

Um pouco antes do nascer do sol, eles partiram daquela casa... por um caminho desconhecido, mas com um enorme rastro de sangue.

Isabella Cunha
Enviado por Isabella Cunha em 02/07/2010
Reeditado em 02/07/2010
Código do texto: T2353077
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