Asynchrony
Capitulo I
Pedro descansou o livro ao lado da cama. Descansou o rosto nas mãos, preocupado. Já haviam se passado dois dias desde que Willian havia sumido. A mãe dele ligava para todos os amigos, incluindo ele, sem parar atrás de informações, mas ninguém tinha nenhuma.
Ele e o amigo haviam ido cinema, depois de fugirem da aula na faculdade. Willian estava mais animado do que nunca, os cabelos louros escondidos sob o capuz, contando-lhe sobre Samantha, a nova aposta dele.
- E ai ela me disse, Mas você não tem coragem de fazer isso, e ai eu disse, claro que sei. E então eu fui lá e fiz.
Já era quase uma da manhã e a rua em que eles andavam estava quase vazia, exceto por uns grupos pequenos de estudantes, trabalhadores e festeiros. Pedro não tinha achado uma boa idéia faltar na faculdade. Ele não tinha ninguém fiscalizando, mas Will morava com os pais e eles ficavam sempre de olho nos passo do filho.
- Vamos lá, eu levo você em casa. Não é bom andar sozinho.
- Só ali até na esquina esta bom.
- Hn.
E ele o deixara ali. O loiro se despedira com um dos seus entusiastas cumprimentos e começou a correr em direção ao portão. Pedro virou-se antes de ve-lo entrar e foi direto para casa. E tudo que soubera é que ele não havia chegado em casa.
Eles eram amigos desde sempre. Não conseguia se lembrar de um aniversário em que ele não estivesse com seu jeito alegre e bonito, contrastando com a simplicidade quase ofensiva de Pedro. Vizinhos, amigos de infancia, colegas de escola. Só foram separados no ultimo ano da escola. Will se mudara para a cidade em que moravam agora, e passaram um ano separados. Mas eles decidiram fazer o mesmo curso, na mesma faculdade.
Pedro puxou os própios cabelos aborrecido. Não conseguia imaginar onde aquele idiota fora se enfiar. Um quarteirão. Ele sumira em um quarteirão.
Ouviu uma leve batida na porta e levantou-se a contragosto. Prendeu o folego ao ver Will parado na entrada, parecendo ao mesmo tempo belo e decadente. Sua aparencia cansada e triste.
- Will! -ele sentia a raiva e o alivio se misturando enquanto abraçava o amigo e o punha para dentro de casa -Onde você se meteu?
Willian parecia mudado. Não era só a roupa, ridiculamente diferente do que era lugar comum nele, mas a postura, e o olhar perdido. Havia também um crescimento absurdo para apenas dois dias dos seu cabelo e o fato de seus olhos tão azuis estaram completamente brancos.
- Eu... bem... preciso contar algumas coisas para você.
Sentaram-se no sofá. Cada vez mais antagonicos. Os cabelos negros e o louro, os olhos pretos e os olhos brancos. Willian parecia querer dizer algo, e exitar logo em seguida. Pedro nunca acreditaria nele. Nunca. Ele o conhecia, metódico, realista, sem nunca tirar os pés do chão. O contrário de Will sonhador, fantasioso, se jogava de cabeça em qualquer sonho.
- Não se irrita se eu contar a história completa?
- Provavelmente vou me irritar, mas conta.
O louro respirou fundo. Não conseguia começar.
- Bem, você me deixou a um quarteirão da minha casa, certo?
- Uhum.
- Bem, eu estava indo para lá, quando eu ouvi alguém me chamando.
"Claro que eu sabia que não deveria ir ver o que era. Aquela hora da noite e sozinho, mas chamou-me tantas vezes, e a cada vez parecia mais e mais irresistivel. Parei, procurando a origem da voz e não conseguia achá-la. E então eu o vi. Era um belo rapaz, aparentando ter menos idade que nós. Lindos cabelos negros, e um pele tão morena quanto um hindu, mas olhos brancos. Ele tinha um sorriso tão encantador que não conseguia me perguntar como sabia meu nome, ou como conseguia ter olhos tão claros tendo a pele tão morena. Meus pés me guiavam quase que automaticamente para ele, sua voz suave me chamando e eu não sabia o que estava fazendo mais.
- Bonito você. -ele disse enquanto passava sua mão fria pelo meu rosto. Eu comecei a me incomodar, mas meu corpo simplesmente não obedecia. -Será que é tão gostoso quanto bonito?
E mordeu-me no pescoço. Não senti dor, não vou dizer que senti, apenas uma dormencia e aceitação. Oras, você sabe que eu sempre acreditei. Temo dizer que uma parte de mim quase ficava contente, como se eu pudesse voltar aqui e dizer na sua cara que estava certo. Não via quase mais nada, considerava no momento se conseguiria ser aprovado esse semestre. O fato de estar ali era irrelevante, quase algo que me irritava por chamar minha atenção. Ele parou por um momento e toda a gravidade da situação veio em cima de mim. Mas logo ele mordeu meu braço e toda a dormencia veio novamente.
- Quer ser com eu? -ele ria como se parecesse algo óbvio, mas a verdade era que eu mal conseguia me concentrar no ele estava dizendo. Eu divisava apenas seus olhos,e seu sorriso, agora um pouco mais selvagem que bonito. -Claro que quer, não é? Oras você sempre quis, não?
Senti seus lábios encostando nos meus. E então o liquído, quente, fluido escorrendo para dentro da minha boca. Senti uma reviravolta no estomago. Forcei sua cabeça contra a minha, querendo mais sangue, mas ele usou sua força e me afastou, ainda rindo. Eu sentia uma irritação com aquela risada, porque ele não me dava mais daquele sangue? Mas ele não me deixou esperando e voltou a me dar o Sangue, desta vez demorou mais para ele conseguir me afastar. Não sei quanto tempo demorou. Só me lembro do sangue. E das risadas. Ele ria, como se aquilo fosse a coisa mais divertida do mundo. Como se fossemos amantes fugindo de nossos pais.
Quando dei por mim ele me levava pelas ruas. Sua mão me guiava, enquanto eu sentia uma dor excruciante, seguida de um prazer quase ridiculo. Eu queria perguntar-lhe o que era que estava acontecendo. Me perguntava se jamais veria o sol novamente. Eu queria ve-lo. Adorava os dias ensolarados e longas caminhadas pela praia. Mas tudo parecia desimportante naquele momento.
Chegamos a uma casa. Era tão comum que quase me perguntei se não era tudo uma grande e estupida piada. Mas então o que eram aquelas dores. Que espasmos eram aqueles que atravessavam o meu corpo?
Havia uma sala pequena, em que ele sentou me ignorando, eu pensava. Como se tivesse cometido uma grande besteira que não soubesse recuperar. Passava as mãos pelos cabelos sedosos. Então voltou-me seus olhos gigantes, a boca contraida.
- Não poderia ter feito isso.
Eu fitei-o quieto. O que eu poderia fazer? Imaginei se ele me mataria tentando consertar seu erro, mas de certo modo sabia que não era essa sua intenção. Logo levantou-se novamente, diferente de antes, mas não parecendo tão arrependido quanto antes. Ficou em frente de mim e me estudava com aqueles grandes olhos brancos. Pensei se os meus estavam brancos também.
- Estão. -ele disse. Riu quando eu percebi seu pequeno poder. -É eu ouço-o.
- Quem é você?
- Me chame de Chris. É um dos meus nomes preferidos.
- E o seu nome verdadeiro?
- Por enquanto me chame de Chris, certo?
Ele continuava me fitando. Eu não conseguia tirar meus olhos dele. Eu pensava se não era mais um de seus poderes. Eu me sentia tonto olhando para seus olhos. E ainda havia aquela dor no peito e a queimação na garganta. Eu tinha medo de perguntar o que era aquilo. Ah, mas eu sabia. Ele pareceu perceber minha frustração. Beijou-me novamente. Um beijo sangrento. Eu estava morrendo de sede, não queria parar. Mas ele me afastou. Puxou-me violentamente para a rua. Eu quase não divisava onde estavamos indo.
- É a sua primeira vitima. Terá que matá-la. -eu devo ter feito uma expressão muito assustada porque ele segurou forte minha mão -Vai amá-la para sempre e jamais conseguirá se perdoar.
Eu via algumas pessoas passando pela rua em que estavamos parados. Uma velha senhora. Um casal. E então eu a vi. Os cachos delicados, o rostinho amedontrado. Era Samantha. Algo em mim se revirou. Eu não conseguia mais escutar nenhum som além de seus passos apressados, sua respiração suave e aquele som novo, forte, que mexia com toda a minha vontade, eu ouvia seu sangue correr. Pode parecer exagero, mas Pedro, você não tem idéia de como é forte. Era como um grito surgindo dentro de mim. Eu queria o sangue dela. Queria a vida dela. Nada poderia me parar naquele momento, Chris não se intrometeu.
Eu me aproximei dela. Ela parecia aliviada por encontrar alguém conhecido. Devia ser muito tarde. Ela me contou que tinha perdido o ultimo metro e agora corria para chegar a tempo de pegar o ultimo onibus. Disse que tinha se esquecido de terminar o relatório do professor. Sua voz parecia cada vez mais distante. Eu não sabia como, mas da mesma maneira que eu não conseguia me concentrar em nada mais que aquele rio ruidoso que corria dentro dela, ela também parecia não conseguir se concentrar. Havia caido na teia da aranha. Não passava agora de uma presa encantada pela serpente.
Foi fácil morde-la. Eu estava louco para fazer isso, todo meu corpo e espirito gritavam para que eu o fizesse. Ela não protestou. Parecia engolida em um torpor parecido com o meu. Segurei seu corpo, sugando mais e mais do liquido. Eu acabaria matando-a, ele tinha razão. Havia sim, um pequeno pedaço de mim que me dizia para não fazer aquilo. Mas ele estava sendo terrivelmente ignorado. Senti quando ela desfaleceu. Sua ultima batida parecia minha ultima batida. Queria traze-la de volta, mas só conseguia continuar matando-a. Quando seu corpo caiu no chão, sem vida, eu gritei. Tudo veio a tona em minha cabeça, como se só agora percebesse a extensão dos meus atos.
- Acalme-se. Acalme-se. -Chris me abraçou. Eu sentia que ia chorar. Sentia ódio de mim mesmo por sentir tanto prazer.
- O que eu vou fazer? -perguntei, tanto a mim quanto a ele -Não quero viver assim.
Ele me mandou de volta para a sua casa. Eu fui, como se tivesse sabido aquele endereço o tempo todo. Parecia me tão natural saber seu endereço quanto saber o meu. Ele chegou pouco tempo depois. Não sabia o que ele havia feito com o corpo. Não queria saber.
- Sabe o que é, Willian? - eu sabia. Não queria admitir, mas sabia. -É você sabe. Meu pupilo. Que besteira eu fiz. Saberia viver sem mim, meu pupilo?
Não. Ele não podia esta querendo me deixar eu pensava. Ele passou as mãos pelos meus cabelos. Mas não havia mais a doçura de alguns momentos atrás. Apenas aquele sorriso grotesco que me fazia odiá-lo e querer que ele se afastasse de mim o mais rápido possivel. Ele estava tentado a ficar, Pedro, eu sabia. Queria ficar comigo, me ensinar.
- Não posso ficar. -ele me olhou sério desta vez. O sorriso não o abandonava - Fique longe do sol. Você saberá quando precisar se esconder. Em lugares escuros você deve descansar. Não precisará mais matar. Mas sentirá necessidade, sentirá muita necessidade. Afaste-se do fogo. Ah, não me olhe assim, não estou deixando-o porque quero.
Eu não perguntei porque ele me deixava. Ele não podia ficar na cidade, me explicara sem que eu perguntasse, e sabia que eu não queria segui-lo. Mas não era de todo verdade. Eu queria ficar com ele. Não sabia o que fazer nessa condição. Me atacou no pescoço. Senti novamente a tontura que sentira quando ele me transformara. Era uma despedida. Me ofereceu o pescoço e pensei se aquilo não seria um ritual. Foi quase um abraço. Teria sido se não houvesse o engano e o sangue.
Ele se foi. Não sei bem quando. Quando a dormencia começou a me dominar ele me indicou um de seus quartos. Era escuro. Eu adormeci imediatamente. Não sei como ele foi-se se não devia faltar muito para amanhacer. Não tenho sonhos mais. Sinto falta deles. É apenas um lapso de tempo.
Acordei na noite seguinte. Senti a sede. Não conseguia pensar em te procurar naquele momento. Eu sabia que devia procurá-lo. Tentar me explicar, correr o risco de encarar essa cara de descrença que você me lança, mas tudo que consegui fazer foi caçar. Cacei a noite toda. Caçar. Ainda é estranho usar essa palavra. Matei novamente. Não posso esconder isso de você. Foi o primeiro que eu achei.
Ele era tão bonito. Você provavelmente me acha um amante de homens a esta hora, não? Tudo muda tanto Pedro. Você não me entenderia. Ele tinha uma beleza tão exótica. Eu senti-me tentado a transformá-lo também, mas felizmente resisti a esse desejo idiota. Mas não consegui evitar matá-lo. Ele chamou algum nome no final. Não soube de quem era.
Adormeci novamente. Quando acordei novamente, a sede era menor que no dia anterior. Ainda era muito forte, mas era menor. E eu consegui ter clareza para procurá-lo. Porque eu sei, que só posso confiar em você. E só você pode me ajudar agora Pedro."
- Não espera que acredite em você não é mesmo Will?