Solidão
Adriano teve uma criação muito limitante. Após sua mãe sumir misteriosamente, seu pai tornou-se muito protetor e o filho passou a quase não poder sair de casa. Era obrigado a ter aulas de várias coisas, todas particulares e em sua casa.
Apenas tinha direito a ter uma pessoa como amiga: Clotilde. Os dois se conheciam desde sempre, porque suas mães foram amigas no passado. Para ele, essa era conexão mais forte que alguém poderia ter: amizades sendo passadas através de gerações.
Apesar de Clotilde sempre ter sido boa consigo, Adriano queria explorar o mundo, conhecer novas pessoas, viver tudo aquilo que só via em filmes e livros. Então, um dia, ambos elaboraram um plano para que pudesse ir à escola.
Graças ao esforço da secretária de seu pai, o plano foi bem-sucedido. Ele pôde conhecer pessoas novas e viver grandes aventuras ao lado delas. Ao contrário de muitos que odiavam ir à escola, esses eram os dias mais felizes daquele menino.
Naquele colégio, encontrou até mesmo o amor de sua vida: Maria Neide. Após a faculdade, os dois se casaram e tiveram três belos filhos. Foram tempos de alegria, onde Adriano achou que nunca mais ficaria sozinho novamente. Ele só não sabia que a solidão nunca o abandonaria fácil assim.
Prestes a completarem bodas de prata, Maria Neide não resistiu e acabou partindo precocemente desse mundo. A causa da morte foi um mal súbito, ao menos não sofrera durante a passagem. O marido ficou meses de luto e chegou a mudar-se para o campo nesse período, procurando a paz interior.
Para completar seu momento de solidão, foi por esse momento que seus filhos começaram a sair do ninho. O mais velho, Luiz Felipe assumiu a gestão da empresa da família e ficou na capital durante o período sabático do pai. Sua filha Emília encontrou também o amor verdadeiro e mudou-se para uma casa só dela e de seu marido. Já Hugo, o caçula, sempre sonhou em fazer faculdade no exterior e acabou saindo do país.
Adriano encontrou a paz numa cidadezinha provinciana e decidiu ficar permanentemente lá. Sentia falta dos filhos, porém compreendia que, em algum momento, viveriam sua própria vida e sairiam do seu lado. Esperava que pudesse vê-los novamente em dias especiais, onde reuniriam toda a família, como ele nunca fizera na juventude.
O primeiro dia especial que foi o Natal e, já tendo superado o luto de Maria Neide, estava animadíssimo para rever os filhos e saber sobre suas vitórias ou derrotas na vida. Começou a planejar todo o banquete e telefonar para eles, garantindo suas presenças.
Apesar de no momento todos confirmarem felizes e demonstrarem alegria por seu pai ter superado a perda da esposa, pouco depois os cancelamentos começaram a surgir.
– Olá, pai... Eu queria dizer que estou grávida! – Era Emília ao telefone falando animadamente.
– Oi, filha! Que alegria! – Adriano estava começando a ter o buraco que Maria Neide deixou preenchido novamente, mal podia esperar para conhecer seu primeiro netinho. – Você vai trazer o bebê no Natal para nos conhecermos, né?
– Então pai... – Sua voz não era mais animada. – Eu queria dizer que não estou me sentindo muito bem por causa da gravidez, mas ano que vem nós vamos com certeza.
– Não, tudo bem... – Ele respondeu desanimado.
– Pai, eu estava a caminho da sua fazenda, mas recebi uma ligação do hospital dizendo que houve um acidente gravíssimo. Como sou o único especialista de lá, não vou poder ir ao encontro de família. O acidentado pode morrer se eu não fizer a cirurgia... – Era Hugo, que se formou em medicina.
– Salva uma vida, meu filho. – O pai tentou passar confiança.
– Pai, apareceu um investidor de última hora e eu preciso preparar algum projeto para ele para janeiro agora e nós temos nada e... Estou meio sem tempo, sabe? Me perdoa se eu não for à ceia de Natal? – Era Luiz Felipe, o novo gestor da empresa da família.
– Tudo bem filho. – respondeu em tom desanimador.
– Me desculpa. – Luiz Felipe foi verdadeiro.
Assim, Adriano passou o Natal sozinho com uma decoração que esperava ao menos 4 pessoas, além dele próprio: Luiz Felipe, Emília e seu marido e Hugo.
Aquilo foi muito familiar para ele, que se lembrou dos Natais que tivera antes de ir à escola onde ele sempre ficara sem a companhia de seu pai. Sentiu-se dominado pela raiva como outrora já se sentiu e, rebeldemente começou a destruir todos os enfeites que havia comprado.
Ao menos o ano seguinte seria diferente, certo? Errado. Alguns anos se passaram com Adriano sozinho em sua casa. Todo ano, seus filhos inventavam uma desculpa nova para se ausentar naquele ano. Trabalho demais ou “não consegui comprar a passagem a tempo”.
Isso o frustrava. Sentia-se tão sozinho! Nem os filhos ligavam mais para sua existência. Nem quando estavam livres vinham lhe visitar. Quando Maria Neide estava viva, tinha a companhia dela, porém até isso a vida lhe tirou. Já estava se acostumando novamente a essa deprimente situação, quando teve uma brilhante ideia. Só esperava viver o suficiente para pô-la em prática, pois sentia-se mais fraco a cada dia.
. . .
A surpresa daquele ano foi quando, na semana do Natal, todos os filhos de Adriano e Maria Neide receberam a informação de que seu pai havia falecido.
Emília foi a primeira a ficar sabendo. Estava alegre brincando com sua filha mais velha, que agora já tinha 5 anos e nunca tinha conhecido seu avô pessoalmente. De repente, o telefone toca. Era o hospital comunicando sobre o falecimento de seu pai por ataque cardíaco.
A mulher sentiu o chão sumir diante de seus pés e se agarrou em sua filha na tentativa de não cair buraco abaixo. Porém, ao lembra-se que ela nunca conhecera o avô falecido, a criança pereceu tóxica em seus braços e Emília precisou soltá-la.
No hospital, enquanto se dirigia para o próximo atendimento, alguns médicos chamaram Hugo com uma expressão não muito boa. Ele pensava que fora algum doente com algo sério e praticamente incurável, esses casos eram realmente desanimadores. Entretanto, era algo muito pior, seu pai morrera de um ataque cardíaco.
Depois de tantos anos trabalhando com a morte, Hugo estava mais valente para encará-la. Mesmo assim, havia golpes baixos que ninguém conseguia aguentar. Ele não conseguiu se concentrar nos atendimentos durante todo o resto de dia, pois só ficava vendo o rosto de seu pai nos pacientes.
Luiz Felipe estava preocupado com a situação atual da empresa. Sua mãe e seu avô foram os responsáveis pelo crescimento dela. Com um pouco de ajuda dos bons contatos que tiveram, obviamente. Mas, ambos se foram e, naquele momento, era difícil encontrar bons negócios. Ele não herdara tal talento.
Quando um de seus funcionários do mais alto escalão entrou apressado em seu escritório, pensava que havia descoberto uma nova grande oportunidade. Muito pelo contrário, era a perda de uma que já era conhecida. Luiz Felipe ficou desconsertado quando ouviu sobre a morte de seu pai. Parecia que sua missão de continuar o legado da família não tinha mais muito sentido. Para manter vivo as ideias ele deixou as pessoas... E agora estava sem nada.
Por meio do celular, os irmãos comunicaram-se entre si. Combinaram de ir até a fazenda do pai, para planejarem o funeral e se juntarem nesse momento tão difícil.
Quando os três irmãos se encontraram, cumprimentaram o marido de Emília. Esse trazia consigo a filha mais velha do casal, Luiza, e o recém-nascido Pedro. Hugo o pegou no colo.
Antes de adentrarem o local, decidiram conversar. Todos sentiam muitas saudades uns dos outros. Estavam desesperados por encontrar um pedaço daquilo deixado por seus pais, que morreram tão jovens.
– O Pedro é lindo, Emília. Já sabemos que é uma mãe maravilhosa. – Hugo comentou.
– Ele nunca conheceu o avô, nem sua irmã mais velha... Por culpa minha, eles nunca conheceram o avô. – Lamentou ela.
– Emília, não tinha como a gente saber... – Luiz Felipe falou envolvendo a irmã em seus braços.
– Mas, mesmo assim, o papai estava louco pra conhecer os dois e eu decidi não os trazer. Se tivesse vindo antes, talvez ele tivesse tido tempo de brincar com os netos, de fazer as receitas da mamãe... A gente nem teve tempo de se despedir dele!
– Se serve de consolo, eu podia te pedido férias da empresa e deixado o contrato para depois do Ano Novo, mas decidi não vir. Papai sempre me disse para não me afundar no trabalho e foi o que fiz. Ignorei o que ele falou e agora vou sofrer as consequências... – Luiz Felipe replicou.
– Pelo menos vocês tinham uma desculpa verdadeira, eu inventei um paciente para não ter que vir para cá por pura preguiça. – Os olhos de Hugo se enchiam novamente de lágrimas. – Eu menti pro nosso papai!
– Achei que perder a mamãe já tivesse sido um baque grande, mas perder o papai está sendo maior. – Emília fala limpando as lágrimas com as mãos. – Acho que nunca falei “eu te amo” tantas vezes quanto deveria...
– Nem eu... – Responderam os outros dois em uníssono.
– Vamos acabar com isso, temos que planejar o funeral do papai. – Ela segura nas mãos de seus irmãos. – Vamos fazer isso juntos, como o papai e a mamãe sempre desejaram.
Todos se arrependeram de tão pouco terem visitado o pai. Apesar de não morar mais na capital, nem vivia tão longe assim deles. Nunca mais poderiam usufruir da festa que o pai deles tanto queria preparar para eles.
De mãos dadas, adentraram a grande casa. Pensaram que encontrariam tudo sujo, mas foi exatamente o contrário. Estava tudo perfeitamente limpo. Uma grande árvore de Natal decorada com enfeites vermelhos e dourados, a lareira acesa e uma grande mesa de jantar com velas acesas os esperavam. Isso fez os irmãos se olharem confusos, parecia que foi só naquele momento que eles se deram conta que era véspera de Natal.
Pensaram logo que Adriano estava planejando uma nova festa, na esperança de que viessem e pudesse conhecer os netos, quando aconteceu o fatídico ataque cardíaco. Aquela decoração, que talvez alegrasse a muitos, só despertou tristeza naqueles irmãos.
Logo viram uma sombra saindo do corredor. Talvez fosse um fantasma, pois era o pai deles ali, o mesmo pai que disseram ter falecido. Olharam para o senhor confusos, até que Adriano decidiu se pronunciar:
– De que outro jeito eu nos reuniria de novo?
As lágrimas nos irmãos se intensificaram. Eles correram na direção do pai e o abraçaram forte. Ele também começou a chorar e abraçou os filhos como se fosse a última coisa que faria no mundo.
– Te amo, papai! – Os três disseram juntos.
Ali, Adriano não conseguia ver os três adultos, mas sim as três pequenas crianças que corriam pela casa quando eram menores. Brigavam para decidir qual seria o desenho animado que assistiriam aquela manhã.
Luiza, a neta mais velha do senhor, veio correndo e o abraçou. Adriano distribuiu beijinhos por toda sua cabeça. Ele viu o quanto ela era parecida com sua falecida esposa, Maria Neide, e sentiu-se completo pela primeira vez desde então. Foi o momento mais lindo e mágico que todos ali já vivenciaram.
Após isso, o marido de Emília se aproximou com Pedro, com todo o cuidado possível. O senhor pegou o bebê em seu colo e começou a balançar. Emília abraçou o marido, que retribuiu o gesto.
Os irmãos não culparam o pai, pois entenderam o lado dele. O lado de estar sozinho no mundo e pensar que nem os filhos sentiram a sua falta. Prometeram a si mesmos que iriam passar o Natal junto com a família todo ano.
Com a meia-noite, também veio a grande ceia que Adriano havia preparado sozinho. Todos comeram e se empanturraram juntos. No dia seguinte, estava lotado de presentes embaixo da árvore.
E todos ficaram felizes. Afinal, era Natal.