Que Noitada Feliz!
Rosa Pena
Carminha deparou-se com a realidade. Mais um Natal vendo o RC na TV, sem poder dizer pro Rei: "São tantas emoções que eu vivi". Tentar, ela tentou. Fez Vigilantes do Peso durante o ano, chapinha no cabelo, comprou calça de lycra que marcava bem o seu traseiro, malhou no spinning, riu até pro açougueiro, mas o destino optou por colocar seu tesão no freezer. Não casou aos 18, não vai ser agora aos 38. Ficou seis anos esperando que o Alfredo largasse da mulher, mas, porém, todavia, contudo, entretanto, não obstante — uma conjunção adversativa para cada ano de desculpas esfarrapadas —, não aconteceu nada.
Tia Carmen forever vendo os sobrinhos crescerem, esse é o seu destino. Rasgou o horóscopo mentiroso, preparou os bolinhos de bacalhau para levar pra casa da cunhada, tomou um banho e resolveu dar uma passadinha na Igreja. Depois veria o Rei na TV, apesar de saber que nem além do horizonte existe um lugar onde vai se casar. Colocou um vestidinho qualquer. Adeus lycra e batom.
José Carlos, quarenta anos, barriga conservada a chopinho, início de uma calvície, farto bigode, baixo e sorridente. É um viúvo de novo na ativa, apesar de nunca ter praticado totalmente a passiva. Particularmente entediado essa noite com a idéia de ter que cear com a irmã e não ter um par. Uma passadinha no bar do lado da igreja, um conhaque pra agüentar se vestir mais um ano de Papai Noel pros sobrinhos. Seu saco já está cheio, basta a roupa vermelha.
Assim que viu Carminha de longe, reparou naquelas formas abundantes que os homens adoram. Que me perdoem as magras, mas quem gosta de top model astênica são as mulheres e os estilistas, pois macho adora carne, onde ele cria cem mãos para apertar. Imaginou como iniciar uma conversa com a gostosa. Zé tem o dom da palavra, um verdadeiro contador de casos. Faz o tipo amigo do sexo oposto e depois chega de mansinho aos finalmentes. Sabe ouvir os desabafos e, por incrível que pareça, não se incomoda de discutir a relação com a parceira. Pede desculpas mesmo sem culpas, jura inocência quando criminoso no fato, confessa erros bobos só para ganhar ponto, mente bem e convence. Seu maior sonho é ter um filho. Por gostar de criança e para poder exibir seu atestado legítimo de fertilidade. Não teve sorte com a falecida, mulher frágil que vivia de mal com a saúde. Que Deus a tenha! Ainda há tempo para a paternidade. Falta sua outra metade. O bar? Pode esperar.
Entraram na igreja lado a lado. Ambos com ar sério, como pede o local. Seriedade aparente, pois por dentro fervilhavam os pensamentos. Carminha tenta ajeitar o vestido e se xinga interiormente por não ter posto o batom cereja. Nunca um homem a olhou com tanta disposição. Imagina as cócegas que aquele bigode deve causar. José Carlos, por sua vez, olha aquela fartura de seios e já imagina seu rebento mamando. Idealiza até o nome: JC Júnior. Pensa se é pecado fazer amor na noite de Natal. Quer fazer seu filho hoje. Danada pressa de algo que só está começando. Um eterno imediatista. Carmem está trêmula, sem saber o que se passa na cabeça do bigodudo. Tem medo de que tudo se acabe quando saírem da igreja. Reza para que haja tempo de conhecer melhor aquele moço com olhos de promessa. Quer uma situação estável, pois sabe de suas escassas possibilidades de casamento, devido à idade e falta de homens disponíveis no mercado. Achar um pretendente na noite de Natal é presente de Papai Noel, é a confirmação do horóscopo, dádiva dos Reis Magos, coisa do Menino Jesus.
Os corpos se atraem e, sem querer querendo, estão quase se roçando. Olham-se e aflora um sorriso. Ele toma coragem:
— Veio cumprir promessa ou fazer pedido?
— Pedido! E você?
— Vim por uma graça.
— Alcançou?
— A graça é você. Uma gracinha!
— Tá brincando?
— Não, tô paquerando.
— Na noite de Natal?
— Noite de milagres.
Sem mais palavras, saíram de mãos dadas da Igreja.
— Onde ceamos? — pergunta ele, atrevido.
— Onde você quiser, meu bem — responde ela, de forma dócil.
— Tenho um vinho de ótima safra na geladeira — ele sugere.
— Eu fiz uns bolinhos de bacalhau — diz ela.
— Pegamos os bolinhos e vamos cear lá em casa, topa? — define Zé.
— Ok — ela consente com arzinho inocente.
Cunhados ouviram seus celulares tocando quase meia-noite com desculpas esfarrapadas. Ficaram sem bolinhos e sem Noel. Roberto Carlos sorriu diferente no show e a lua brilhou mais forte para dar um sorriso de boas-vindas a mais um par que irá cortejá-la entre as trocas de pernas, nas noites eternas do deus Amor. Que noitada feliz!
LIVRO UI!
Rosa Pena
Carminha deparou-se com a realidade. Mais um Natal vendo o RC na TV, sem poder dizer pro Rei: "São tantas emoções que eu vivi". Tentar, ela tentou. Fez Vigilantes do Peso durante o ano, chapinha no cabelo, comprou calça de lycra que marcava bem o seu traseiro, malhou no spinning, riu até pro açougueiro, mas o destino optou por colocar seu tesão no freezer. Não casou aos 18, não vai ser agora aos 38. Ficou seis anos esperando que o Alfredo largasse da mulher, mas, porém, todavia, contudo, entretanto, não obstante — uma conjunção adversativa para cada ano de desculpas esfarrapadas —, não aconteceu nada.
Tia Carmen forever vendo os sobrinhos crescerem, esse é o seu destino. Rasgou o horóscopo mentiroso, preparou os bolinhos de bacalhau para levar pra casa da cunhada, tomou um banho e resolveu dar uma passadinha na Igreja. Depois veria o Rei na TV, apesar de saber que nem além do horizonte existe um lugar onde vai se casar. Colocou um vestidinho qualquer. Adeus lycra e batom.
José Carlos, quarenta anos, barriga conservada a chopinho, início de uma calvície, farto bigode, baixo e sorridente. É um viúvo de novo na ativa, apesar de nunca ter praticado totalmente a passiva. Particularmente entediado essa noite com a idéia de ter que cear com a irmã e não ter um par. Uma passadinha no bar do lado da igreja, um conhaque pra agüentar se vestir mais um ano de Papai Noel pros sobrinhos. Seu saco já está cheio, basta a roupa vermelha.
Assim que viu Carminha de longe, reparou naquelas formas abundantes que os homens adoram. Que me perdoem as magras, mas quem gosta de top model astênica são as mulheres e os estilistas, pois macho adora carne, onde ele cria cem mãos para apertar. Imaginou como iniciar uma conversa com a gostosa. Zé tem o dom da palavra, um verdadeiro contador de casos. Faz o tipo amigo do sexo oposto e depois chega de mansinho aos finalmentes. Sabe ouvir os desabafos e, por incrível que pareça, não se incomoda de discutir a relação com a parceira. Pede desculpas mesmo sem culpas, jura inocência quando criminoso no fato, confessa erros bobos só para ganhar ponto, mente bem e convence. Seu maior sonho é ter um filho. Por gostar de criança e para poder exibir seu atestado legítimo de fertilidade. Não teve sorte com a falecida, mulher frágil que vivia de mal com a saúde. Que Deus a tenha! Ainda há tempo para a paternidade. Falta sua outra metade. O bar? Pode esperar.
Entraram na igreja lado a lado. Ambos com ar sério, como pede o local. Seriedade aparente, pois por dentro fervilhavam os pensamentos. Carminha tenta ajeitar o vestido e se xinga interiormente por não ter posto o batom cereja. Nunca um homem a olhou com tanta disposição. Imagina as cócegas que aquele bigode deve causar. José Carlos, por sua vez, olha aquela fartura de seios e já imagina seu rebento mamando. Idealiza até o nome: JC Júnior. Pensa se é pecado fazer amor na noite de Natal. Quer fazer seu filho hoje. Danada pressa de algo que só está começando. Um eterno imediatista. Carmem está trêmula, sem saber o que se passa na cabeça do bigodudo. Tem medo de que tudo se acabe quando saírem da igreja. Reza para que haja tempo de conhecer melhor aquele moço com olhos de promessa. Quer uma situação estável, pois sabe de suas escassas possibilidades de casamento, devido à idade e falta de homens disponíveis no mercado. Achar um pretendente na noite de Natal é presente de Papai Noel, é a confirmação do horóscopo, dádiva dos Reis Magos, coisa do Menino Jesus.
Os corpos se atraem e, sem querer querendo, estão quase se roçando. Olham-se e aflora um sorriso. Ele toma coragem:
— Veio cumprir promessa ou fazer pedido?
— Pedido! E você?
— Vim por uma graça.
— Alcançou?
— A graça é você. Uma gracinha!
— Tá brincando?
— Não, tô paquerando.
— Na noite de Natal?
— Noite de milagres.
Sem mais palavras, saíram de mãos dadas da Igreja.
— Onde ceamos? — pergunta ele, atrevido.
— Onde você quiser, meu bem — responde ela, de forma dócil.
— Tenho um vinho de ótima safra na geladeira — ele sugere.
— Eu fiz uns bolinhos de bacalhau — diz ela.
— Pegamos os bolinhos e vamos cear lá em casa, topa? — define Zé.
— Ok — ela consente com arzinho inocente.
Cunhados ouviram seus celulares tocando quase meia-noite com desculpas esfarrapadas. Ficaram sem bolinhos e sem Noel. Roberto Carlos sorriu diferente no show e a lua brilhou mais forte para dar um sorriso de boas-vindas a mais um par que irá cortejá-la entre as trocas de pernas, nas noites eternas do deus Amor. Que noitada feliz!
LIVRO UI!