Papai Não É
No século passado, as crendices populares eram alimentadas pelas famílias e passadas de pai para filho. Seres fantásticos coexistiam na vida cotidiana como se reais fossem e as crianças, coitadas, acreditavam piamente nessas fantasias. O fim do ano era ansiosamente esperado por elas, pois com ele vinha o "Papai Noel". Na madrugada de Natal, voando em seu mágico trenó, puxado por encantadas renas adestradas, ele distribuía presentes pelas chaminés que lá do alto avistava. No dia seguinte, com seus regalos, a criançada saltava alegre e sorridente, era um contentamento só. No entanto, nem todas eram agraciadas com essa bênção e para algumas, tristes e decepcionadas, restava-lhes o consolo dos pais: --- Não chore, meu filho, ano que vem tem mais! Para os pais, era necessário nutrir essa fantasia para não anular o mundo de sonhos que fazia parte da infância. Mas nem toda criança pensava assim.
Geraldinho era um menino astuto, inteligente, observador. Apesar de sua pouca idade (tinha apenas dez anos), analisando os últimos natais, notara que somente crianças pobres ficavam sem presentes. Será que o Papai Noel tem preferências pelas mais abastadas? Não pensou duas vezes e foi questionar seu pai. Com a paciência de sempre, pois Geraldinho vez ou outra tinha alguma dúvida para sanar, o pai lhe dá a seguinte explicação: --- Ora, meu filho, nem toda casa tem chaminé e muitas vezes o Papai Noel tem que descer do trenó e deixar o presente diretamente nalgumas casas, o que atrasa as entregas. Como ele tem apenas uma noite para fazer isso, muitas crianças acabam sem presente, ficando para o outro ano. É bom lembrar que na maioria das casas das crianças pobres não tem chaminé, por isso a coincidência... A explicação dada pelo pai tinha algum fundamento, mas Geraldinho tinha outros questionamentos que preferiu não fazê-los agora. Ora, se o tempo é curto, por que a entrega de presentes tem que ser a partir da madrugada e não mais cedo? Se ele tem que entrar diretamente em algumas casas, como é que ninguém nunca o viu? Por que no Natal seguinte ele não começa a entrega dos presentes nas casas daquelas crianças que ficaram sem no ano passado? Vamos ver no que dá!
O tempo passou, dezembro chegou. Como toda criança que alimenta o seu mundo imaginário, Geraldinho espera apreensivo pelo Natal. Dessa vez, não tem erro! Enquanto espera, Geraldinho ouve a mãe de seu amigo vizinho dizendo para que ele deixasse os seus sapatos atrás da porta na noite de Natal para que o Papai Noel deixasse ali o seu presente. Ah, então era esse o segredo! Sem pestanejar e sem falar nada a ninguém, Geraldinho deposita seus sapatos atrás da porta e fica na espreita. Quero ver ele chegar! A madrugada avança e Geraldinho é vencido pelo sono, adormece.
Na manhã seguinte, Geraldinho acorda com a algazarra de seu vizinho amigo pulando de alegria com o presente de Natal, um carrinho amarelo, grande e de rodas largas. Ele corre, então, para a porta onde deixara seus sapatos e, para sua surpresa, não encontra nada. Nova decepção! Irado, Geraldinho entra para o quarto e chora baixinho, magoado: não acredito mais em Papai Noel, não acredito mais!
Hoje, já homem feito, Geraldinho sabe e entende que o Natal representa o nascimento de Cristo e que presentear as crianças nada mais é que uma simbologia para mostrar o quanto O amamos. Entende também que as crianças devem viver a sua infância naturalmente, dar asas à sua imaginação e colorir o seu mundo de sonhos. Para compensar as alegrias que não teve em seus natais, Geraldinho todo ano, nessa época natalina, se fantasia de Papai Noel e distribui presentes para as crianças pobres da periferia de sua cidade. Feliz Natal!!! Ho, ho, ho...!!!
Ranon Machado