Um Conto de Natal
Num morrer de tarde, a migrante senhora desembarcou na fria cidade grande, pretendendo deixar para trás, as lembranças de uma vida de cão.
Carregava na bagagem, a esperança de dias melhores e a saudade do bucólico passado.
- Senta aqui Nina, enquanto eu vou pedir comida nos bares aqui por perto. Depois iremos para a casa do seu tio.
- Deus! Onde estará o endereço? Será que o perdi? – Falava Serena enquanto revirava a bagagem, pensamento e até a alma.
- Muita atenção com as nossas coisas. Tudo que temos está aqui – apertava com força a caixa de madeira, como se a quisesse proteger. Todo cuidado é pouco. Seu pai, antes de falecer, falou que tudo aqui é perigoso. Está me ouvindo, menina? - dizia dando um beliscão no braço da pequena que só queria olhar para os letreiros luminosos, para as vitrines natalinas, decoradas com bolas e brinquedos nunca imaginados por ela. Não sentiu a dor e nem viu a mãe se afastar. Ficou boquiaberta ao deparar com uma enorme árvore de natal, toda iluminada e piscante. Do outro lado, um presépio era visitado por várias pessoas, que chegavam de viagem. Não resistiu e foi conferir de perto. Olhou, olhou, mexeu... Recebeu do zelador-guia um tapinha no dorso da mão, quando tentou conferir se os patos e gansos nadavam mesmo sobre aquela água transparente. Era tão real que acreditou estar à beira do riacho que ficara pra trás. As miniaturas de animais, algumas conhecidas, provocavam pesar por ter sido preciso abandonar os seus, no sertão. O guia já estava impaciente com tantas perguntas feitas pela pequena de apenas nove anos e de cabelos laqueados, endurecidos pelo suor e poeira. Ele esclareceu sobre os Reis Magos e a estrela que os guiara para o estábulo onde o Menino Deus nasceu; sobre os bichos e a humilde manjedoura, ela ouviu com interesse.
Num êxtase de encantamento com aquelas maravilhas do céu, Nina voltou para perto da mala. Vez por outra, procurava água nos pertences que vigiava. A sede aumentava junto com a fome. A mãe demorava. Jogava um olhar entre aquele formigueiro humano em busca do vulto da mãe.
"Que sede!"
- Moço, tem água? – perguntou Nina afastando-se do local e da grande mala.
- Não tenho menina mas, ali tem um bebedouro.
- Onde?
- Naquela fila lá na frente, debaixo da escada perto do banheiro,explicava o desconhecido.
- Dá uma olhada na mala, para mim?
Nina, sem esperar resposta e quase correndo, foi em busca da água.
- Me empresta seu copo?
- Não precisa copo, é só apertar aqui, disse-lhe uma garota de rua,perguntando:
- Não é daqui? Onde está sua mãe?
- Acabamos de chegar. Minha mãe foi procurar alguma coisa para comer. Não deu pra ficar em Jequiá. O povo está secando de fome e sede. Logo que meu pai morreu, abandonamos tudo e viemos procurar emprego.
- Quer dizer, para sua mãe, né?
- Eu também. Quero ser babá aqui em São Paulo, para poder estudar,trabalhar... Nina falava e enquanto isso puxava a amiga para onde deveria esperar pela mãe. Procurou o local e nada. Circulou, circulou e em cada quadra em que parava não encontrava a mala. Os lugares, na rodoviária, pareciam ser idênticos, para ela:
- Foi nesta pilastra. Não, foi naquela... Ou foi naquela? Mas... onde está aquele moço!...
Sem resposta à suas perguntas, concluiu que perdera a mala. Uma lágrima apontou no canto do olho, e outras... Não as conteve.
E agora? Como vou fazer?
- Perda de tempo Nina. Aqui dificilmente se encontra os perdidos.
- Temos que procurá-la assim mesmo,- nada de choro - reagia
decidida.
Depois de tanto andar, Zefa sugeriu:
- vamos voltar para perto do bebedouro onde nos conhecemos e esperar até encontrar sua mãe.
Começou a chover. Nina, de novo a chorar. Tinha quase certeza de que a mãe colocara na boca, a cachaça mineira. Sabia que, quando bebia, muitos dias de completo abandono, vagando pela rua.
Isso mesmo. A mãe não apareceu e as duas dormiram ali, num canto, ofuscadas pela penumbra da noite. Com a experiência da colega, Nina fechou a janela do medo e o sono abancou-se.
Amanheceu. E outros dias amanheceram. Nina passou a viver na rua, com a amiga. Voltava sempre ao bebedouro da rodoviária, admirava o Papai Noel da loja ao lado, sempre com bombons para presentear as crianças.
Um dia, a loja estava menos freqüentada, as garotas entraram. Tiveram todo o tempo para conversar com o Papai Noel. Curioso, inquiriu às meninas:
- O que vocês gostariam de ganhar neste natal?
- Eu queria uma boneca grande, mas Papai Noel não sabe de mim.
- Não fale assim Zefa, ele gosta de todas as crianças, recriminou Nina.
- E você menina triste, o que gostaria de receber?
- Meu presente, o senhor não pode oferecer. Gostaria de encontrar a minha mãe. Ela desapareceu no dia em que chegamos aqui. Preciso dela. Não tenho onde morar.
O bom velhinho após inteirar-se do acontecido, prometeu ajudar encontrar a desaparecida, logo que saísse do trabalho. Disse ter feito muito este tipo de caridade.
- No natal, venham buscar seus desejos, vou fazer esforços.
A rua se transformou num imenso labirinto, num entra e sai de pessoas. Nina, entre elas, continuava esperançosa. Era natal e sabia que receberia do Sr. Juca-Noel, a mãe como presente.
Com um brilho diferente nos olhos, as meninas foram buscar os presentes:
- Para você Zefa, a boneca que me pediu; para Nina esta outra e o convite para morar comigo e sair da rua. Procuraremos juntos, sua mãe.
Bina não gostou da proposta mas, seria melhor que a rua.
- Posso levar minha amiga? Ela também não tem ninguém.
- Estou a conversar com um vizinho para seguir o meu exemplo.
Vamos esperar no Senhor. Só tenho uma vaga, por enquanto.
- Mas ela poderá me visitar?
- Claro, quando quiser.
Seis natais se passaram e Nina trazia no olhar, uma tristeza. A cada Natal esperava o seu presente. Um dia, o Sr. Juca chamou Nina para ir com ele decorar o lugar onde seria comemorado o natal, no Hospital Universitário.
No salão, já todo decorado, Serena arrematava a última bola, na árvore gigante.
- Está aí o presente prometido. Naquele dia, encontrei sua mãe na rua
mas, estava louca. Precisava de tratamento. Internei-a aqui e agora devolvo-a quase curada, para você. Ela já faz parte do quadro dos funcionários deste sanatório.
Serena, abraçou a filha longamente. Beijava-a, alisava-a como se procurasse a confirmação de que realmente sua filha estava ali. Encontrara o remédio que faltava para a cura total.
Nina emocionada dizia:
- Para mim, Papai Noel existe.
Juraci de Oliveira
Pirapora, MG (escrito em 2001)
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