Trabalhar na Noite de Natal

Nuka duvidou de seus olhos quando sua irmã Niviarsiaq entrou no iglu com seu novo amigo Nicholas. Ela comentou que o rapaz viera da Austrália à Groenlândia, especialmente porque fora aprovado para aprendiz de Papai Noel. O menino inuíte ficou encantado com a sorte de ser apresentado a alguém como aquele estrangeiro. Não porque ouviria as experiências da vida no outro canto do mundo, mas porque descobriria as vivências ali do lado, na fábrica de brinquedos do Bom Velhinho.  

 

Não foi passivo diante de Nicholas em ficar somente escutando. Ah, não. Falou, e falou muito sobre o quanto gostaria de seguir a carreira de Elfo. As vagas eram inúmeras e o garoto sabia que gente do planeta inteiro estava cadastrado nessa função. Então por que não ele? O futuro Papai Noel incentivou o colega a seguir seu sonho. 

 

Não tardou para o inuíte começar a frequentar a Escola de Elfos a fim de desenvolver o preparo físico necessário à longa tarefa: entregar presentes pelo mundo. Oh! Academia nenhuma era tão puxada quanto aquela!  

 

Depois de uma década de treinamento, Nuka finalmente sentia-se preparado para aguentar a jornada exaustiva da entrega de presentes natalinos. Se Nicholas já encerrara seu preparatório e era oficialmente Papai Noel de 56° geração, o jovem inuíte ainda não. Era preciso ser aprovado na grande seleção para profissionais.  

 

Sempre em outubro, abriam-se novas vagas para contratação de Elfos natalinos visando substituir os aposentados ao longo do ano. O processo seletivo era simples e tratava-se de uma corrida. A pista tinha vários tipos de residências: de palafitas a apartamentos. Cada raia possuía uma diversidade única. Era necessário ter sorte. A missão era entregar todos os presentes da cesta recebida e, obviamente, os primeiros a concluí-la ficavam com o cargo.  

 

A data da seleção chegou mais rápido do que ele esperava. Quando percebeu, já estava na linha de largada. Suava frio. Não muito diferente daqueles ao redor. Nuka não sabia o que sentia. Alegria? Medo? Provavelmente ambos. Sua irmã Niviarsiaq assistia, torcendo por ele. Será que conseguiria impressioná-la?  

 

Repetia para si que possuía a resistência e a agilidade necessárias para a função. Porém, era uma tarefa tão intensa que só estaria certo disso depois de concluí-la. A espera pelo disparo deveria ser de alguns segundos, mas pareceu uma eternidade. Seu tempo de reação seria bom? Queimaria a largada de nervoso? Tantas preocupações…  

 

Sua primeira residência foi fácil: um acampamento árabe no deserto. Nuka simplesmente passou reto e seguiu adiante. Afinal, muçulmanos não recebiam visitas natalinas. As próximas, também tirou de letra. Entretanto, lá para o final do trajeto, sua sorte o abandonou e o deixou cheio de dúvidas de como agir.  

 

Pela janela, viu uma matrioska. Em seguida, escutou uma canção de Dima Bilan num celular abandonado ao lado do manequim que representava uma criança adormecida. Desesperadamente, ele começou a procurar enfeites de Natal. Pensava tratar-se de católicos ortodoxos, contudo não tinha certeza. Como essa comunidade comemora o Natal em outro dia, se fosse o caso, ele deveria pular tal lugar.  

 

Entregar presentes onde não deveria era desclassificação instantânea. Nuka, inclusive, assistiu acontecer na raia ao lado. O erro gravíssimo de presentear crianças num território guarani foi cometido e logo removeram o participante da disputa. Portanto, definitivamente, não queria arriscar tudo em uma casa de católicos ortodoxos. Todavia, esquecer de um local também era passível de eliminação. Precisava ter certeza de onde estava.  

 

Ficou aliviado ao finalmente encontrar um cartão escrito “glædelig jul” em bom dinamarquês junto de um pacote embrulhado. Nuka comemorou ao ver os elementos familiares. Era um luterano afinal, assim como ele próprio, e a entrega para cristãos protestantes estava liberada. Contente de não ter abandonado a casa de um simples fã de Dima Bilan, acelerou tentando alcançar os muitos outros candidatos mais avançados no trajeto.  

 

Ao cruzar a linha de chegada, sua irmã Niviarsiaq correu para abraçá-lo. Porém, não compartilhou imediatamente a alegria com ela. Precisava saber quantos terminaram antes dele. Era difícil, pois toda hora alguém concluía a corrida. Só pôde, enfim, ter paz no espírito quando Nicholas veio encontrar os amigos e parabenizá-lo por ter conquistado uma das vagas. A partir de então, Nuka ficou bêbado de alegria. Afinal, o próximo Natal seria o dos seus sonhos!  

 

O sorriso de Nuka só murchou quando descobriu que ficaria responsável pela latitude 33° 45' 18" N no hemisfério ocidental. Ou seja, entregaria os presentes em partes dos Estados Unidos e Península Ibérica. Afff! Lá só teria neve ou decorações de neve. Além de não representar a essência do verdadeiro significado do Natal, isso ele já via todo dia. Queria tanto ser designado para a latitude 6° 13' 55" N e passar pela Colômbia, Venezuela e Guianas… A vista seria tão melhor!