Conto Atrasado de Natal

Conto Atrasado de Natal

As sombras das folhas picotadas, feitas pelas pequenas lâmpadas do pisca que ornamentavam a antiga árvore de Natal projetavam-se na parede num balé de cores sem música. De fato, o único zumbido audível era o da própria eletricidade, usada para criar o efeito natalino. Era o manto da noite, que se postava densa e bem merecida, após um típico dia de preparativos para a noite de Natal.

A sala já estava vazia, todos já haviam se recolhido em seus quartos para repousar. No dormitório do garoto, no entanto, camuflado por entre as dobras de suas cobertas, dois dissimulados olhos espreitavam a escuridão no aguardo. Pois sim, seria esta a noite.

Como todos os anos, num dia, durante as semanas que antecediam as festas, Diogo e Camila estavam lá, ajoelhados diante das portas inferiores de um armário que guardava quinquilharias sem uso, velas que nunca eram usadas, pratarias já sem brilho e o principal, uma caixa de papelão, já atormentada pelo tempo e pela voracidade de traças e cupins que não respeitavam de nenhuma forma o espírito que ali vivia, e que ansioso, esperava ser libertado sempre no final de cada ano: O Espírito de Natal. Quando a tampa empoeirada foi aberta a quatro pequenas mãos, do interior pipocavam furtivamente os reflexos multicor das bolas de vidro vermelho, festões e guirlandas que logo-logo estariam a se dependurar com uma alegria pueril nos ramos do pinheirinho verde e guerreiro de muitos anos.

O Natal era a festa preferida de Diogo, que se sentia verdadeiramente contagiado com o mais puro sentimento duma felicidade natalina, que dificilmente seria descrita pelo mais intrépido poeta.

Um LP de músicas de Natal interpretados em harpa era o acompanhamento que rimava de forma rica com tudo o que aquelas duas crianças aprontavam para arrumar sua casa com os enfeites disponíveis. Festões atravessavam a sala em ziguezague, guirlandas pomposas peitavam a entrada da casa, como se dessem boas vindas às pessoas que passavam ali pela frente. A pequena imagem do Menino Jesus feito em gesso, jazia na manjedoura em cima da mesa de centro. Caixas de papelão eram embrulhadas como presentes e eram dispostas logo abaixo do pinheiro anão. Tudo tomava a devida forma e passava assim a compartilhar da decoração do resto do ambiente. Era o encanto mágico, que se tornava vivo, cada vez mais.

A festa de Natal daquele ano, foi feita na casa de sua avó, como era de costume, e convergiu os parentes e relativos a um jantar típico natalino com nozes, rabanadas, queijos, panetones, roscas, farofa de miúdos, e claro, o belo e sucolento peru.

Seu pai, assim como em todos os anos, vestia-se de Papai Noel e trazia sempre o saco repleto de brinquedos para todas as crianças da família.

- Ho! Ho! Ho! Venham meus filhos, o Papei Noel chegou para alegrar.

A criançada corria e abraçava-o calorosamente e é claro, com um interesse acriançado pelo conteúdo, que, até então, encoberto pelo tecido vermelho de cetim de que era feito o saco, não passavam de desejos.

Diogo, apesar ainda da pouca idade, já tinha, um senso crítico, que lhe conferia no mínimo o poder da dúvida a respeito do quão ocupado estaria o verdadeiro Papai Noel, naquela data do ano.

- Sabe – disse Diogo a um de seus primos, mais ao canto da sala – Não notou que aquele é o meu pai com uma máscara feia que ele comprou nas Lojas Pernambucanas?

- Rafael, olhava-o com um ar de pioneirismo no recente mundo da autocrítica natalina.

- Posso lhe contar um segredo? Ando pensando muito e me pergunto se o Papai Noel realmente existe – Diogo falava com um semblante austero dissidente á sua idade - Todos os anos, recebo seu presente, aos pés da minha cama, mas nunca o vejo colocando lá, pois sempre estou dormindo.

- Minha mãe disse que isso é efeito da magia do Papai Noel. Quando ele está chegando por perto, todas as crianças dormem. - "Já pensou se estamos acordados quando ele chega? O que ia ter de criança agarrada em suas pernas, pedindo mais presentes, perguntando o que mais ele tem dentro do saco, querendo montar nas renas e até pedindo autógrafos? Ele não ia ter tempo para entregar os presentes a todas as crianças do mundo não. Ta louco, Diogo?"

- hmmm... Faz sentido... Eu ia logo puxar aquela barba branca dele para ver se era real.

Os dois primos riram com o hipotético cenário.

- Mas lhe digo uma coisa, hoje eu dormi o dia inteirinho, e vou tomar bastante café, pois quero ver com meus próprios olhos o gordinho de vermelho. Um colega meu disse que o viu no ano passado. Se ele pode, eu posso também!

- Então se você conseguir vê-lo, me liga amanhã cedinho.

- Fechado!

Os dois então correram para o falso e nanico Papai Noel, pois de qualquer sorte, ganhariam uns presentes.

A festa se desenrolou até seus finalmentes, todos estavam fartos e felizes. Os familiares começaram a se despedir, alguns, levavam consigo um pratinho com sobras que seriam aproveitadas no dia seguinte.

No carro, a caminho de casa, sua irmã, Camila, dormia placidamente, embalada pelos movimentos do veículo. Diogo, por sua vez, estava mais vivo do que nunca. Tinha um olhar aguçado de criança danada. Ele tinha lá os seus planos.

Chegaram, tomaram um banho e cada qual foi para seu quarto, pois já era muito tarde. No dormitório do garoto, no entanto, camuflado por entre as dobras de suas cobertas, dois dissimulados olhos espreitavam a escuridão no aguardo. Vinte minutos se passaram, Diogo pouco respirava, pois achava que ao dormir, não se precisava de ar. Cerrando os olhos, conseguia apenas uma visão turva do ambiente, porém que lhe proporcionava um perfeito disfarce. Na calada da noite, nada acontecia. Com uma meia hora passada, seus pensamentos de desistência, foram soprados para longe por uma lufada de ar que vinha do corredor, no momento que a porta se abriu. As paredes lá fora, iluminadas pelas fracas luzes que vinham da árvore de natal na sala, contornavam uma silhueta negra e gordinha, que se postou a colocar a cabeça dentro do quarto a conferir se o menino dormia. O vulto, finalmente certo que o Diogo permanecia imóvel feito uma pedra, abriu a porta e com passos curtos e silenciosos, feitos os de desenho animado, embrenhou-se pelo quarto com um presente na mão. Não podia ser... Era a sua própria mãe!

- Papai Noel, hein?!? – Jogando as cobertas para cima, questionou o menino, acompanhado de uma ironia que por si, já serviria para deixar em pé, os cabelos grisalhos do bom velhinho.

- Diogo, meu filho, você está acordado?! Humm... Eh... Pa-Papai Noel passou por aqui, e ele estava tão atrasado, o coitado, que pediu que eu lhe poupasse algum tempo, colocando eu mesma o seu presente aqui. Tão nervosa estava, a sua mãe, que saiu em retirada, levando presente e tudo mais. Bateu a porta.

De volta à escuridão do seu quarto, emergiu a si próprio num mar de questionamentos que não foram resolvidos naquela mesma hora. Então, acordado permaneceu.

Outra meia hora se passou e o mesmo acontecido repetiu-se: a porta se abriu lentamente, a cabeça da silhueta escura, constatou que o menino adormecia. Desta vez, Diogo permaneceu imóvel, apenas observando por entre as cobertas a mãe depositar o presente aos pés de sua cama. Retirou-se sem fazer nenhum barulho, fechou a porta.

A noite passou...

Um novo dia raiava, e as possibilidades que ele trazia a uma criança como o pequeno Diogo eram infindáveis. Junto aos primeiros raios de sol, despertado pelas sonoras cornetas de uma curiosidade angelical, lá estava nosso aventureiro rasgando os papeis do presente deixado durante a noite, revelando um lindo Skate, que ele havia pedido em carta escrita de próprio punho e que havia endereçado ao pólo norte.

Correu imediatamente para o telefone e discou:

- Rafael, você não pode imaginar a minha falta de sorte. Logo no ano em que fiquei acordado para ver o Papai Noel chegar, ele, atrasado, deixou com a minha mãe, o meu presente de Natal...

FIM

Conto Atrasado de Natal, foi idealizado antes do Natal passado, o de 2006.

Como atrasei a sua manufatura, o que ocorreu no mês de dezembro de 2007, ele foi postado com 1 ano de atraso. Faço uma brincadeira comigo mesmo com este título, já que eu me atrasei com o conto assim como o Papai Noel se atrasou com o presente do garoto Diogo.

A todos os amigos leitores e poetas, um Feliz Natal.

Dezembro de 2007

Duke Webwriter
Enviado por Duke Webwriter em 22/12/2007
Reeditado em 31/08/2010
Código do texto: T788716
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