MAIS UMA VEZ É NATAL
Terezinha Pereira
Noite dessas, ela caminhava pela cidade enfeitada de luzes, cores e sons. Pessoas apressadas, carregadas de sacolas, passavam pelas ruas esbarrando-se umas nas outras. Caminhava ela sem destino, com o propósito de apreciar essa alegria que costuma ser vista nos olhos das pessoas nessa época de final do ano. Mesmo que fosse uma espécie de alegria agitada, nervosa, que, por qualquer motivo, poderia ser transformada em ternura ou em tristeza. Alegrias, emoções, que fica contido durante o ano todo, parece submergir. Meio a essa multidão, meio a luzes e cores, ela se viu tomada de lembranças.
Uma história de Natal dos tempos de criança veio lhe povoar os pensamentos. Sentiu os olhos se enchendo de lágrimas ao vislumbrar a imagem de uma menina muito pobre, que vivia num país distante, onde a neve cobria as ruas na época do Natal. História essa ouvida muitas vezes e muitas vezes, quando o avô costumava reunir os netos numa roda para lhes contar as mais belas. A cada rodada de histórias , os netos lhe pediam que contasse “ A pequena vendedora de fósforos”. O próprio avô era o primeiro a deixar rolar algumas lágrimas de seus olhos se uma azul profundo, pelas faces gretadas pelas rugas.
“As ruas estavam cobertas de neve e a menininha que vendia caixinhas de fósforos nas ruas, havia perdido seus chinelos, que quase de nada lhe serviam para esquentar os pés”, - começava o avô. Apesar de toda a friagem, a menininha não tinha pressa de para sua pequena casa com telhado e janelas cheios de gretas, porque lá dentro, fazia tanto frio quanto na rua. Mas o problema maior era que não estava conseguindo vender todos os fósforos e na certa, iria ganhar um castigo do pai. A noite chegou e encontrou a pobrezinha com muitos maços de fósforos para vender. Sentindo os pés endurecidos, ela resolveu se sentar numa esquina, de onde só via luzes, cores e alegria. Parecia que, de todas as casas da rua saía um cheiro gostoso de pato assado. E a menina estava morta de fome e dura de frio. Seus cabelos louros encaracolados haviam ficado brancos de neve.”
Nesse momento da história, a meninada em volta do avô ficava incomodada. Eram também pobres, viviam com dificuldade, mas nunca haviam sentido tanto frio como aquela menininha e nenhuma vez haviam passado fome. E aquela menina daquele jeito, logo numa noite de Natal!
A mulher pensa em como teria sido bom, se naquele seu tempo de criança, já existisse filmadora para registrar aquela cena de enternecimento que o avô criava junto aos netos.
“A menina aninhou-se bem junto da parede da casa, escondeu os pezinhos duros de frio debaixo da saia esmolambada e sentiu ainda mais frio. Decidiu acender um palito de fósforo. Quem sabe poderia lhe aquecer, nem que fosse um pouquinho? Fez uma concha com a mão para proteger a chama que acabou durando quase nada. Do segundo palito que acendeu, a menina teve a impressão de ver uma cozinha, onde de um fogão crepitava um fogo gostoso. Quando ela começou a esticar as pernas de debaixo da saia para aquecer os pezinhos naquele fogo imaginário, a chama do fósforo se apagou.”
O caçula dos netos, um pixotinho de seus três ou quatro anos, conta uma parte da história: _ “ a probrezinha foi cendendo os pauzinho todo té acabá”. Leva umas cotoveladas dos primos e se aquieta. Todos querem ouvir o final com as palavras do avô.
“A cada palito que acendia a menina ia vendo uma imagem mais bonita. Viu-se sentada perto de uma enorme árvore de Natal, a maior de todas as árvores que ela já havia visto. Maior ainda do que aquela que havia visto no ano passado, através do vidro da janela da casa de um rico negociante. Quando acendeu outro fósforo, a menina se viu numa sala enorme, onde havia uma mesa coberta por uma bela toalha de renda, decorada com guirlandas verdes e vermelhas. Sobre a mesa, coberta de flores e frutas de todas as espécies havia, bem no meio, uma bandeja de prata com um pato assado recheado com ameixas. Que pena! De cada vez que a menina tentava tocar numa fruta ou num daqueles bolinhos gostosos que também estavam em cima da mesa ou quando tentava tocar numa bola cintilante da árvore de Natal, a chama do fósforo se apagava e a imagem fugia. Acendeu mais um fósforo. Então, viu a figura da avó da qual tanto havia gostado. Quando a menina viu, dentro de um círculo de luz, o rosto da avó querida, foi acendendo um palito atrás do outro com medo que ela também desaparecesse. Conseguiu formar um clarão com a avó no meio. Então, viu a avó a lhe estender a mão. Ela agarrou a mão da avó e saiu voando pelos céus.
Quando o dia chegou nevoento e gelado, encontraram a menininha já sem vida, acocorada na parede da casa. No colo, nas mãos, espalhados pelo chão, misturados com a neve, encontraram uma porção de palitos de fósforos queimados. Os que passavam , sem adivinhar as lindas visões que a menina tivera enquanto acendia seus palitos de fósforos, diziam: _ ‘coitadinha dessa manina, deve ter acendido todos os fósforos pensando que poderiam aquecê-la.’
A mulher, sem se preocupar com a chuva que ameaça desabar, senta-se num banco da praça onde está montada uma iluminada árvore. Quando criança, ouvindo a história contada pelo avô, entre lágrimas que lhe desciam pelo rosto, ela imaginava como seria um Natal numa cidade com ruas cobertas de neve. Hoje, ainda desenha na mente a mesma imagem de paisagem esbranquiçada que esboçava na infância. Nessa cidade onde mora, nunca verá um Natal com neve, embora exista muita criança morrendo ao relento, suspira.”
Olhando com curiosidade no rosto das pessoas que começavam a correr por causa da chuva que apertava, com calma, a mulher se levanta e continua seu passeio. Sem guarda-chuva. Deixando-se molhar inteira. pacote nenhum nas mãos. Apenas tinha o desejo de olhar no rosto das pessoas, para tentar decifrar o que passava na cabeça de cada uma delas no Natal que mais uma vez acontece.