O Natal do Diabo
A festa prometia. Leroy decorou o caminho com a tranqüilidade de seus espertos 9 anos. Roupa nova e cheirando a perfume de gente grande. Seu pai não vai mesmo se importar apesar da bronca passageira quando descobrir. Afinal, foram apenas algumas gotas. Seu cabelo negro bem penteado ou melhor, bem despenteado segundo o ditame da moda.
Na mão esquerda, o presente profissionalmente empacotado com laço artístico de cetim no tom azul profundo.
O caminho escolhido foi o da vereda de ciprestes. E lá vai Leroy sozinho escoltado pela aura de inocência e pureza de intenção.
À meio caminho, pressentiu uma sombra a um braçinho de distância. Olhou repentinamente para o lado e viu um senhor alto de olhar meigo e feliz.
— Olá meu jovem amiguinho. Está indo para a festa de Natal?
— Sim. Como o Sr. sabe?
— Eu sei de muita coisa. Sei por exemplo que dentro desse presente que você carrega, está um Tan.
— É verdade. Que esperteza a sua seu moço! Como é seu nome mesmo?
— Tenho vários nomes para cada ocasião. Hoje como é uma dessas ocasiões especiais, pode me chamar de Estumersun.
— Que nome esquisito. O que significa?
— Venerável da aurora é o que significa.
— Para quê tanto nome? Não basta ter apenas um?
— Sabe amiguinho, esse é um problema que carrego por muito, muito tempo. Não posso ter apenas um nome como todo mundo. Meu nome se alterna constantemente.
— Por que?
— Porque tudo se alterna constantemente: as pessoas, os sentimentos das pessoas, os animais, as marés, os dias, as noites, as árvores... e até mesmo você meu amiguinho, está fadado à essa inevitável alternância. E em cada mudança que ocorre eu mudo meu nome para tentar escapar das mudanças constantes, entende?
— Não sei se entendi.
— Por que disse que hoje é uma ocasião especial? Você também vai à festa?
— Hou, hou, hou... é o que eu pretendo meu amiguinho. Mas não tenho um Tan para levar.
— Vamos comigo. Eu tenho esse aqui. Assim poderemos entrar juntos. Eu digo que você é meu tio.
— Amiguinho... é feio mentir.
— Amigão, pior é só mentir... he, he...
— Sabe amiguinho, você não precisaria levar um Tan. Você É um Tan.
O vento valsou com as folhas artisticamente enferrujadas envolvendo os dois caminhantes lado a lado.
— O que você fez pra não ter um Tan?
— Amiguinho, eu já tive um Tan. O mais glorioso que se possa imaginar. Seu brilho e poder são completamente desconhecidos de qualquer um neste nefasto. Não há referência possível que o torne compreensível. Quando tornei-me completo enamorei-me do fulgor e o fulgor abrasou-me com tal intensidade
que uma explosão silenciosa ofereceu-me uma escolha. E escolhi. Minha escolha criou mundos; deflagrou astúcia; plantou a progenitora da felicidade humana: a ignorância. Ah, como me regozijo vendo a felicidade das pessoas cintilar como vaga-lumes emitindo atração luciferina tal qual cupinzeiros luminescentes. Diriam ao observá-los: “eis uma autêntica árvore de Natal”.
— Como irá fazer para ter de novo um Tan?
— Não farei. Você fará.
— Como?
Estumersun estendeu-lhe a mão direita e disse-lhe: “Entregando-me”.
— Mas você é meu convidado. E aos convidados toda as honras lhe são granjeadas. É um princípio guiador de tudo quanto existe e do universo inteiro. Pelo "tan" há verdade, e sabedoria, e harmonia e...
— Não me fale assim!!! Eu sou o Venerável Celeste da Aurora! Sou o que antecede a luz matutina. Sem mim o mundo seria apenas um depósito de corpos putrefatos.
— Está bem, está bem amigão. Tome aqui o Tan. Não quero vê-lo triste.
Estumersun estendeu a mão ao encontro daquelas pequeninas mãos.
O Tan lhe foi concedido. Estumersun parado olhava orgulhoso para o Tan sentindo-se com o máximo de poder que um inefável poderia sonhar.
Mas o que Estumersun queria apoderar-se, dele apoderou-se.
Suas roupas aumentaram de tamanho. Seu calçado tornou-se demasiado espaçoso. Sua voz perdeu o timbre dos controlados. E o que mais temia aconteceu. Estumersun agora era uma criança.
— Vamos amiguinho. A Festa nos espera.
Leroy o pegou pela mão e às portas do salão, adentraram.
Um vasto salão. Plenamente iluminado. O que mais impressionava era o seu minimalismo decorativo. Nunca havia pisado em um recinto tão magnificamente limpo.
— Por que ele está vazio? — Perguntou a voz de Estumersun carregada de magia infantil.
— Porque é no vazio que a plenitude se manifesta.
Assim, correram felizes para o centro do salão e uma luz intensa os consumiu.
Não havia mais Estumersun, não havia mais Leroy. Apenas o único Natal.