A VIAGEM MAIS ESPECIAL
Ele nascera nos fundos de um estábulo, numa noite de chuva e vento.
Sua mãe o ajudou a ficar em pé... digo, de quatro, e ele sentiu o sopro forte do ar pela primeira vez: vida.
Tinha mais dois irmãos, que apesar de mais velhos, ainda não estavam prontos para o trabalho.
Todo dia, ouvia um homem baixo, gordo e suarento gritar:
-Anda com isso, que não tenho o dia todo!
E eles corriam para comer o capim que este lhes atirava. Sua mãe sempre organizava a bagunça, entre ele e os irmãos.
Ele era diferente, um pouco menor e pacífico. Seus irmãos tinham as patas e os dentes fortes, e eram bem mais teimosos. Mas ele mal aguentava um fardo pequeno sobre seu lombo! Já ouvira diversas vezes o dono do estábulo dizer:
-Mas que prejuízo! Ninguém vai querer comprar esse bicho, fraco e miúdo deste jeito! O que eu vou fazer com ele?
Ele entendia, claro, era um burro, mas não era burro! Mas, não ficava triste. Segredo é que ele tinha uma alegria na vida: as crianças.
-Vovô, podemos montar naquele mansinho?
Os netos do dono do estábulo vinham e subiam nele, brincavam, corriam à sua frente, passeavam. Aí, nesse momento, qualquer ofensa era descabida. Como era bom!
Um belo dia, veio um homem com roupa de árabe e comprou seu irmão mais velho. Viu-o ir embora, com lágrimas nos olhos, mas sabia que o seu destino também seria aquele, um dia. Olhou para sua mãe, já fraca e doente. Ela mal conseguia se levantar. Mas o dono do lugar tinha pena dela, dizia que ela o ajudou a ganhar muito dinheiro com suas crias. E tratava dela o melhor que podia.
Mais um tempo se passou e outro homem, também com roupa de árabe, veio e levou seu irmão do meio. Ficou igualmente triste, pois agora só restava de sua família a sua mãe, velha, fraca e doente. Ele passou secretamente a torcer para que o comprassem, não queria vê-la morrer.
Vários compradores visitavam o estábulo. Mas, quando viam que só havia disponível um burro menor que o padrão e manso, desistiam de adquiri-lo. Logo depois, sua mãe amanheceu morta, um dia. Ele sofreu muito. E o desejo de ser vendido só aumentava, pois o dono do estábulo já estava desesperado, sem saber como dar-lhe uma utilidade: "Onde já se viu? Um burro manso que não serve pra nada?"
A cidade estava muito cheia, cheia mesmo. Naquela noite, o céu estava diferente, mais bonito. E ele mais uma vez sozinho no estábulo, enquanto as luzes brilhavam ao longe. De repente, ouviu vozes: o dono do estábulo veio acompanhado de um casal, e a mulher estava grávida:
-Só tenho este aqui, senhor. Ele é mansinho, está acostumado com pessoas.
-Tem certeza? A viagem é bem longa e difícil, vai carregar minha esposa grávida. Vamos para Belém.
A senhora interveio:
-José, vamos ficar com este mesmo, não temos muito tempo...
-Sim, Maria, vamos levá-lo conosco.
Maria então acomodou-se em seu lombo e eles seguiram viagem, até Belém.
E foi assim que um humilde burrinho, apontado a vida inteira como um inútil, fez a viagem mais especial de todas, carregou a "carga" mais preciosa do mundo e participou do momento mais lindo da Terra: o nascimento de Jesus.