Um Natal do Barulho
Sim, era véspera de Natal. Pedro e Fernando, os pré-adolescentes da casa, ambos visados por mancadas e trapalhadas já consagradas nos causos da família, escondiam um terrível segredo que poderia arruinar a festa planejada pela tia-avó Joana, anciã da casa e temperamental nos seus 68 anos de idade.
Pedro e Fernando eram primos que moravam em cidades diferentes. Praticamente a mesma idade, brincavam e aprontavam muito quando viam oportunidade de dividirem a culpa pelo mau intento. Ainda era vivo na memória de tios, avôs e cunhados a armadilha colocada na porta que derrubará latas de mantimentos em cima do desafortunado que por ali passasse.
Os dois estavam escondendo um terrível segredo. Eram 18 horas, e faltavam 6 horas para a Ceia de Natal. A missão era simples: ir atrás do tio Luiz que fora buscar 2 perus para a ceia que até agora não havia dado sinal da graça.
Apesar de pouco recomendáveis para a tarefa, já que eram ainda lembrados por zoeiras e atrapalhadas em situações anteriores. Não havia outros a quem escolher. O celular do tio Luis não atendia.
Todos os demais estavam ocupados:
Paula, a mãe, estava por conta salpicão e havia sofrido um tremendo desgaste pela decisão de acrescentar uvas passas no preparo. Pronta para perder a paciência com o primeiro que viesse novamente encher o saco por conta da inocente fruta ressecada.
A tia Carolina, em tempo de enlouquecer, agilizava panelas de arroz carreteiro e também dava uma mão nas sobremesas. Fazia o famigerado pavê e já estava doida para alguém fazer a famosa e conhecida pergunta a respeito do doce feito de biscoito e doce de leite.
A vó Maria estava passando mal e nervosa com todo mundo, pois os demais parentes ainda não havia chegado de outra cidade, mas enquanto isto ajeitava os enfeites da mesa e a disposição dos presentes na árvore. Recomendações foram dadas aos mais novos para que a deixasse quieta e compenetrada nos preparativos enquanto aguardava os filhos de fora chegarem.
Os homens da casa se alternavam entre beber cerveja e cuidar do churrasco, estavam fora de ação. Tio Paulo havia deixado o carvão pegar fogo chamuscando a carne e iluminando o terreno com as chamas. Os outros tios riam, tentando apagar molharam demais prometendo mais atraso e mais cerveja no preparo.
Os primos pequenos vivam Galinha Pintadinha no Youtube acompanhados das primas mais velhas que pacientemente cuidavam deles enquanto as mulheres batalhavam na cozinha.
Então só restavam eles para esta tarefa inglória. Tarefa tão simples que mesmo rapazes tão atrapalhados não poderiam falhar, será?
Tomados de todas as recomendações, precauções, preocupações e ameaças foram rapidamente instruídos: deveria achar o tio Luiz, lembrá-lo do compromisso e voltar com notícias sobre paradeiro e situação do mesmo.
Pedro e Fernando imbuídos da chata tarefa se apressaram com o fim de terminarem logo e voltarem para os celulares. Era pra ser algo rápido, iriam ao endereço da senhora que assaria os perus e o encontrariam pelo caminho.
O tio havia passado pelo menos duas horas do lugar que era perto de casa a pelo menos uns 15 minutos subindo um morro e virando uma esquina. Tio Luiz poderia estar em qualquer lugar. Era preciso encontrá-lo ou seriam novamente acusados de atrapalhados, mas onde estaria o tio Luiz?
Depois de algumas buscas, acharam o tio em um bar, embriagado e sem os perus. Perguntaram pra ele onde estava, mas não conseguiram nem entender o que ele dizia. Voltariam de mãos vazias e com uma péssima notícia. As chances de limparem o nome com a família foi por água baixo.
Resolveram juntar o dinheiro que tinham e foram comprar no mercado, conseguiram pelo menos 1 e levaram naquela senhora para que fosse assado. Ela terminantemente se recusou pela falta de tempo, reclamou que teria que ser com antecedência, que tinha mais outros pedidos pra entregar, enfim o suficiente para entenderem que estavam ferrados.
Então voltarão para casa com a ave congeladíssima e sem saber o paradeiro das aves sobre a responsabilidade do tio Luiz. Uma recepção triste e ao mesmo tempo enfurecida. A tentativa deles de oferecer a ave congelada como consolo pouco comoveu os adultos e menos ainda ajudaria.
Então foram se sentar na rua, o clima tenso em casa, metralhadores de queixas e azedumes ameaçavam destruir por completo o clima natalino. Tudo bem que havia rumores de presentes interessantes, mas que clima haveria para recebê-los? Se pelo menos tivessem cumprido a missão a esta hora todos estariam calmas e já relaxando para a ceia.
Eis que surgia lá em cima do morro uma figura cambaleante errando pelos passeios mal se equilibrando através dos muros e postes. Era o tio Luiz, mas ele trazia algo com ele. Eram os dois pacotes que com muito custo carregava enquanto tentava se equilibrar e se arrastar em direção a casa.
Os olhos dos meninos brilharam. Correram para dentro de casa avisando que o tio Luiz estava chegando com as aves assadas. Mal puderam esperar para ouvir responder aos que não haviam entendido ou ouvido direito, correram em direção ao tio.
A raiva havia passado e dado lugar ao alívio. A porta daquele lar se abrirá batendo a porta contra a parede, traziam consigo a salvação do natal, os perus assados e o tio Luiz ainda que bêbado.
Pedro e Fernando viraram os heróis daquele Natal. Elogios foram feitos, erros do passado esquecidos e perdoados. Presentes foram dados com carinho e fotos com os demais feitas com carinho e sorriso terno. Pedro e Fernando entenderam algo que já desconfiavam: que o Natal era muito mais do que a comida e os presentes caros.