UM NATAL RAZOAVELMENTE FELIZ
Conto de Gustavo do Carmo
Astorzinho era um bom menino. Obediente em casa, alegre e divertido, adorava brincar. Principalmente na escola. Durante as aulas. E por esse motivo suas notas começaram a baixar.
Até a quarta série, mesmo se divertindo nas aulas, Astorzinho nunca havia tirado uma nota vermelha. Mas a partir da quinta série, o rendimento do menino começou a cair. Veio a primeira anotação na caderneta por indisciplina.
A mãe de Astorzinho, Helena, disse que só ia assinar para evitar algum problema burocrático. Mas, para manter o controle disciplinar sobre o filho, o ameaçava que se tivesse que assinar mais uma vez ela não faria e, se fosse expulso, o filho teria que estudar numa escola pública. E a primeira nota vermelha que tirasse ficaria um ano de castigo, sem sobremesa, sem brincar com os amigos e sem ganhar presentes de aniversário, de Dia das Crianças de Natal. Se ele repetisse de ano, ela nem queria pensar...
Astorzinho ficava com medo no início, principalmente quando o pai apoiava a mãe. Depois o menino relaxava e voltava a aprontar. Astorzinho era obediente para qualquer coisa. Menos para estudar.
Acabou levando a primeira nota vermelha, que veio junto com mais duas advertências. Mais uma ele seria suspenso. A mãe cumpriu a promessa. Não assinou os comunicados e nem o boletim. Colocou o menino de castigo, impedindo a visita dos seus colegas e o obrigou a estudar. Colocou a irmã mais velha como cão de guarda. Para completar, deixou de comprar o vídeo-game que ele esperava ganhar de aniversário.
Astorzinho acabou ganhando o presente, dado pelo pai, Adamastor Florêncio, que ainda o liberou do castigo e assinou o que tinha que assinar. Não queria complicações no desempenho do filho. Mas apoiou a esposa na ordem de estudos.
Helena, naturalmente, não gostou. Em um tom ríspido criticou o marido:
— É assim que você quer educar o seu filho, Adamastor?
— Sim.
— Você quer que ele cresça como você?
— Não. Eu quero que ele seja um homem honesto e inteligente. Mas a gente não pode ser duro com ele. Senão pode ser pior. E para de ficar ameaçando o Júnior com castigo eterno, privação de amizade e estudar em escola pública! Assim você vai acabar deixando ele traumatizado, revoltado e aumentar o preconceito dele contra o ensino público.
— Mas eu não quero fazer isso com ele. Só que eu preciso ser dura às vezes porque senão ele se acomoda e não estuda direito. Senão vai virar um...
— Completa o que você ia dizer, Helena? Um derrotado como eu ou um folgado?
— Se a carapuça servir... Mas se você acha que consegue educar o nosso filho do seu jeito, faça o que quiser. Depois não venha me culpar. Eu lavo as minhas mãos.
Adamastor conversou com o filho. Disse que a sua mãe tinha razão ao lhe obrigar a estudar. E que isso ele ia fazer como pai. Mas o seu trabalho acabou lhe impedindo de cumprir a promessa. Resultado: Astorzinho relaxou mais uma vez e as notas vermelhas aumentaram.
As dificuldades do trabalho de Adamastor também aumentaram. Nervoso, com medo do futuro, ele se transformou num pai mais severo com o filho. O obrigou definitivamente a estudar. Mesmo às chineladas. Na prova final já precisava tirar no mínimo uma nota 8 em todas as matérias. Se ficasse reprovado em mais de duas não teria direito nem à recuperação. Se zerasse em alguma era repetência sumária.
Finalmente Adamastor Júnior estudou. Português, Matemática, História, Geografia, Ciências, OSPB e Inglês. Só não precisava estudar Educação Física. Nesta última já fora aprovado com tranquilidade. Estudou, estudou e estudou. Parou de brincar com os colegas. Decorou todos os livros que tinha que decorar. Quase enlouqueceu. Se estressou. Brigou aos tapas com a irmã mais velha, que era uma aluna aplicada já do ensino médio, quando ela pressionou ao seu jeito. Fez a prova final. Achou que se saiu bem.
Morreu de medo do resultado que receberia na semana anterior ao Natal. Tirou 10 em Português. Nove em Inglês, História e Geografia. Oito e meio em Ciências e OSPB. Mas Astorzinho foi reprovado. Tirou zero em Matemática. A média final ficou tão baixa que a recuperação seria inviável.
Astorzinho se desesperou. Chorou. Soluçou. A severa mãe lhe negou o tablet que ele tinha pedido. Disse que ele não estudou o suficiente. A irmã botou lenha na fogueira ao delatar que Astorzinho deixou de estudar por umas horas para brincar. Adamastor estava viajando a serviço. Quando voltou de casa, arrasado, não quis saber da repetência do filho. Ficou fechado no seu drama profissional. No seu fracasso. Como o filho.
Astorzinho e sua família tiveram um Natal razoavelmente feliz, próximo à iluminada Árvore de Natal da casa. O menino ganhou o tablet e ainda ganhou o notebook que queria, ambos os presentes do pai. A irmã ficou indignada.
— Eu estudo o ano inteiro e quem ganha um notebook é esse pirralho burro?
— Você continua mimando o Júnior, não é Adamastor? O menino não se dedicou, repetiu de ano e você ainda o presenteou com um notebook. Assim ele vai acabar como você...
— Eu sei, Helena, jogador de futebol e depois presidente de clube rebaixado para a segunda divisão, não é? Eu também não consegui fazer o meu time se manter no grupo de elite. Ele precisava vencer com combinação de resultados. Os outros jogos ajudaram, mas o meu time foi goleado na última rodada. Quem sou eu para condenar o garoto?