Endereço trocado
Endereço trocado
A sacola agora pesava em torno de 3 kg. As dores nas costas aumentavam a cada passada. Teve de abandonar as puxadoras e o veículo danificado pela via pública sem conservação. O relógio de pulso marcava 23:33 h. Só faltava uma residência para terminar a entrega.
Parou por 30 segundos para enxugar o suor que brotava da testa. O “riacho” que descia pelas costas terminava nas meias encardidas presas pelas botas. Ele prosseguiu a marcha pela rua mal iluminada. Depois da 5ª topada parou de contar. Não iria ser indenizado mesmo.
Quando vislumbrou as luzes e a algazarra acompanhando a música estridente, imaginou ter chegado ao destino da última entrega. Não era uma melodia natalina. Estava entre rock e funk. Puxou o papel amassado do bolso para conferir pela luz do luar. A letra tipo “garrancho” estava pior que a de receita de médico “importado”. Parecia indicar: “isolar damas correntes”. Que nome doido para um lugarejo.
No portão encoberto pelos galhos da frondosa mangueira, vislumbrou duas adolescentes bem agarradas sob a árvore com narizes e queixos separados por menos de 2 cm. Alternavam seus lábios na boca da garrafa da cerveja “comunitária”.
Ele ouviu o primeiro sussurro:
- Como meu padrasto ganhou boa comissão na construção da ponte (no contrato estava escrito “viaduto”), pedi uma Ferrari de quase meio milhão. E você?
- Pedi que você jamais me troque por algum rapaz riquinho e elegante!
Mesmo constrangido, o velhinho interrompeu o colóquio para perguntar:
- Uma das senhoritas pode me informar se este local corresponde ao endereço deste papel?
Sem tirar as mãos da cintura da outra, a mais gananciosa olhou para as vestes vermelhas e surradas do visitante e leu o bilhete.
- Não é aqui. Desça a ladeira mais 100 metros e dobre à esquerda na bifurcação. Logo o senhor vai encontrar o “I Solar das Mais Carentes”.
Voltando ao trajeto empoeirado, o cansado idoso apressou o passo para chegar a tempo de presentear quem realmente valorizava as mínimas atitudes e o esperava com esperança no coração por um mundo melhor.
Haroldo P. Barboza - dez/2014
Autor do livro: Brinque e cresça feliz