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O MILAGRE  DO NATAL

 
           Era noite de Natal. O céu revestido de luz. Sinos tocavam por todos os lados. Ao longe ouvia-se um coral. Lindíssimas canções natalinas. Em todas as partes que o grupo se apresentava nessa época, começava com a canção do século XVII, conhecida no mundo cristão. “Vinde cantai, Jesus nasceu/  À Terra a Luz desceu...” de George Frederic Handel. Terminava cantando Noite Feliz, de Franz Grüber.  A menina não conseguia conter as lágrimas.  Triste desolada... lembrava que alguns anos atrás, participava também de um coral. Uma soprano que se destacava dos demais. Moça rica. Havia perdido seus pais. Vivia na mansão em companhia dos empregados. Tanto conforto, mas não tinha paz. Via os serventes se alegrando. Sentia até inveja destes. Como gostaria de estar no lugar deles naquele momento. Quando o mordomo abraçava os demais da casa, desejando-lhes feliz Natal, os olhos  deste brilhavam. Os da cozinha, a mesma coisa. E ela? Chorando, retirava-se.
 
           Com a perda dos pais, parecia que a vida pra ela acabara ali. Não tinha ânimo pra continuar. O coro se aproximou. Chegou a vez de cantar em seu palacete. A oportunidade em ouvir as quatro vozes, desejando-lhes boas festas. Outros vizinhos haviam sido visitados e agraciados pelas belas melodias cantadas pelo grupo.  O repertório era bem conhecido de Maria Leocádia, a jovem milionária. Sentiu saudades de quando cantava e fazia o solo em alguns hinos. As demais vozes a acompanhavam, como se fosse um instrumento musical...
 
           Na primeira que foi entoada, a mulher caiu em prantos. Lembrou que nem ela, nem seus falecidos pais nunca deram nada aos menos favorecidos. Mexeu com ela. Sua alma parecia ferida. Uma lacuna aberta. Para os empregados costumava dar alguma coisa como obrigação de patrão.
           Jingles Bells foi a penúltima da apresentação. O maestro derramava lágrimas de felicidades. Os demais componentes também. Disse que era o vigésimo Natal em que eles saiam pra fazer isso. Já era tradição esse tipo de seresta natalina. A última foi a tradicional Noite Feliz.  Maria ouvia atenta. Parecia que cada palavra era dirigida a ela. Os músicos repetiram a última estrofe. Ao repetir, os cantores aos poucos iam se afastando de onde estavam. Quando terminavam, gritavam: “feliz Natal a todos”. Saiam dali e iam cantar em outras residências. Não aceitavam presentes. O presente deles, Deus havia lhes dado, que era o dom de cantar e emocionar as pessoas.
 
           As quatro vozes ficaram ressoando  na mente da guria. Frases que marcaram sua vida naquela noite foram  os versos “Pobrezinho nasceu em Belém/ Eis na lapa Jesus nosso bem.”  Letra da canção tradicional Noite Feliz.  Voltou pra dentro chorando muito. Parecia que via o menino Jesus pobrezinho... fez-se pobre, para que fôssemos ricos. E ela... rica... milionária... mas mão fechada. Caiu de joelhos em oração. Pediu perdão ao Eterno.
 
           Deixou a equipe de empregados que tomassem conta do seu palacete e saiu a pé. Surpreendeu os seguranças dando um cheque quase no valor do salário pra cada um deles. Disse que era presente de Natal. Voltou na cozinha e fez o mesmo com os outros funcionários. Deixou todo mundo pasmo. Nunca abrira a mão dessa forma. Tornou sair. Foi para a rua, sem destino.
 
          Logo próximo da sua casa, encontrou uma menina descalço, com um vestido branco, brincando na beira da rua. Brincava, pulava e cantava acompanhando o coral que se apresentava na esquina próxima de onde estavam. E cantava tão afinada, que parecia ser uma das coristas.  Maria Leocádia ficou a observar por longo tempo. Emocionou-se...
 
           Quando a criança fez que ia embora, ela a chamou, e perguntou: - Como você se chama, menina?
           - Humildade. – Foi a única palavra. Ao falar, atravessou  a rua e foi ver um pisca-pisca de Natal que enfeitava uma pequena árvore na beira da grade, ao lado do portão da residência da frente. Tornou a perguntar: "Ei menina... Como é o seu nome?"
 
           -Humildade... - Respondeu a garota em tom alto. Ao falar, como num misterioso abrir e fechar de olhos... desapareceu.
           - Será? O que houve? Será que mora aqui? É dessa casa? – Ficou se perguntando.
 
           Ao bater palmas, saiu pra atender Maria Leocádia, um casal de idosos. Ambos estavam radiantes. Estavam aguardando o filho, a nora e os netos que vinham passar com eles. O peru estava assando. De longe o velho a reconheceu e disse: - Que surpresa agradável receber a doutora na nossa humilde residência! Esse pra mim foi um presente de Natal. – Brincou.
 
           Saboreando uma taça de vinho, Dra Leocádia contou da menina misteriosa que disse apenas que seu nome era Humildade. Achou que morasse ali. Os idosos disseram que só tinham um filho que estavam aguardando chegar naquela noite. A emoção foi maior ainda, quando disseram que a filha que tiveram, morrera com cinco anos de idade, e já fazia muitos anos...
 
           Foi uma cena interessante e chocante. Quem seria aquela criança? Humildade...  que nome diferente! Um anjo em forma de uma  criança sapeca? Será que era esse nome que faltava na vida da guria rica, mas que sempre foi soberba? Egoísta?
 
           Depois desse dia, a vida da Dra Maria Leocádia mudou completamente. Nunca mais foi a mesma. Tornou-se humilde...  modesta...   bondosa... Mudou sua maneira de pensar. Até a mansão parecia que tudo ali era harmonizado. Esse foi o milagre do Natal.
 
(Christiano Nunes)



PS.: Este conto é uma republicação.