O Natal Do Soldado John

O jovem orgulhoso, vestido com sua farda imponente, abraçara-se aos pais e dera um apaixonado e longo beijo de despedida em Vera, sua noiva. Na tentativa de consolar a garota, que caíra num pranto convulsivo, o rapaz dirigira-lhe essas palavras carinhosas: “Por favor, não chore, meu amor; quando eu voltar, prometo que vamos nos casar”.

_ E se você não voltar, John?

_ Não diga isso, meu bem. Confie em mim, Deus está conosco.

_ Não ponha o nome de Deus nessa matança, John._ observou a moça desconsolada, pois seu coração havia se partido.

John sabia das dificuldades de se argumentar de modo mais racional com as mulheres, pois estas eram criaturas demasiadas sentimentais. Por isso, desvencilhou-se dos braços da moça e se despediu:

_ Agora preciso ir, Vera, adeus!

Em seu íntimo, o agora soldado, sentia um misto de saudade e satisfação. Finalmente fora convocado para lutar por sua pátria em terras distantes. Tinha o coração pesaroso por ter de deixar a família e a noiva amada, mas seu espírito aventureiro e corajoso, há muito ansiava por uma oportunidade dessas. “Serei um herói e voltarei coberto de glórias” pensava quase eufórico.

Quanto a ter que matar pessoas, sim, estava preparado para fazê-lo se fosse necessário, afinal estava indo para uma guerra, e numa guerra vale tudo.

_ John, neste caso matar não é pecado _ disse-lhe certa vez um sacerdote amigo _ nosso país luta por uma causa justa e certamente Deus nos dará a vitória. Vá em paz, meu filho, e encha nossa nação de orgulho.

Seis meses no campo de batalha, e John conhecera o medo, a dor por ter seus amigos mortos nas emboscadas armadas pelos inimigos, o frio de um inverno rigoroso, a fome e a solidão. Sim, o jovem também precisou matar, inclusive, teve que tirar a vida de crianças, armadas para uma guerra sem lei, sem ética ou piedade.

_ Soldado John!

_ Sim senhor, sargento! _ respondeu o rapaz batendo continência.

_ Percebi um movimento estranho logo ali _ apontou o militar _ além daquelas árvores. Venha comigo averiguar.

Ao chegarem a um ponto rodeado por árvores enormes, o sargento falou:

_ Você é um rapaz bonito, soldado!

_ Muito obrigado, senhor!

_ Muito bem, soldado; agora tire as calças e arrie sua cueca.

_ Como disse, senhor? _ John indagara surpreso.

_ É surdo, soldado? Mandei baixar as calças e a cuca. Isso é uma ordem.

Como o jovem ainda hesitasse, o sargento colocou a ponta do cano do fuzil em seu queixo e ameaçou:

_ Escute aqui, seu animal! Se não der esse rabo agora mesmo para mim, eu te mato. Ninguém vai sentir falta de um bosta feito você!

John havia escutado sobre alguns casos de homossexualismo envolvendo militares, todavia, jamais poderia imaginar que um dia ele próprio seria, como fora naquela ocasião, abusado por um superior.

Era noite de Natal, e os soldados no acampamento tiveram enfim, o que o sargento chamou de “momento de alegria e descontração”. Antes da festa, porém, os soldados assistiram a um vídeo em que o próprio presidente da República os exortava à vitória: “Vocês representam a esperança da nação, contamos com vocês, soldados” dizia o sujeito de cabelos grisalhos em terno elegante, que aparecia na tela.

Os homens pareceram ter se esquecido completamente da guerra; bebiam e cantavam alegremente. Então veio a melhor das surpresas: um grupo de prostitutas fora convocado para animar a festa. Uma delas, vestida de Mamãe Noel e com os seios à mostra, disse sem cerimônia: “Então rapazes, vamos nos divertir muito esta noite”. Os soldados gritavam, aplaudiam e assobiavam em alto tom. Tudo fora permitido naquela noite, pois no dia seguinte seriam novamente programados para matar.

Chegara a primavera, John entrara armado de fuzil em um casebre, pois segundo informantes, havia um inimigo escondido ali. Entretanto, encontrou apenas uma mulher assustada, de olhos amendoados arregalados, encolhida a um canto, tentando proteger duas crianças pequenas. Em vão a mulher gesticulava e falava, mas John não entendia sua língua. Nervoso e decepcionado por ter perdido o rastro do inimigo, ou pior, ter sido talvez enganado por uma frágil mulher, o soldado agarrou a mulher, rasgou-lhe as vestes, que diga-se, já estavam num trapo só, e surrou a pobre na frente dos filhinhos, além de estuprá-la. Enlouquecido, o rapaz fuzilou os três e saiu da casa.

A guerra havia concluído o seu trabalho: transformara um jovem apaixonado e cheio de sonhos, em um ser mentalmente perturbado e monstruoso.

Naquela noite, John tivera um sonho em que sua noiva aparecia chorando desesperada e em soluços dizia: “Por que você fez isso, John, por quê”?

Ao acordar, o jovem nem tivera tempo de refletir sobre o sonho. Os soldados foram surpreendidos por um ataque surpresa promovido pelo inimigo, e em poucos minutos, todo aquele pelotão estava morto.

O soldado John fora enterrado com honras militares e uma medalha no peito. Aos olhos dos homens, era um herói de guerra.

No bolso da calça de seu uniforme, fora encontrado um bilhete endereçado à sua noiva. John pretendia entregar-lhe pessoalmente, se um dia voltasse vivo da guerra. Seria o seu doloroso adeus.

A pequena missiva dizia: “fui servir meu país com amor e devotamento, procurando a glória como recompensa, mas por onde andei, só encontrei morte e desolação. Não posso mais casar-me contigo, Vera, pois não obstante o meu amor, minhas mãos estão, agora e para sempre, manchadas de sangue; e o que é pior, de sangue inocente. Dizem que tudo tem um preço, e o preço que a guerra impôs-me foi a perda do amor e da paz”.

John