Conto de Natal

O Natal estava se aproximando. Sabia que não podia, não devia nem sonhar com presentes. Tinham vindo do sítio, o pai queria estudar os filhos. Mas era analfabeto, difícil achar um trabalho digno. Mal tinham o que comer. Toda semana pedia ao japonês da peixaria, restos de ossos dos peixes para fazer a abençoada sopa. Dizia que era bom para fortalecer o “célebro”... Depois de muitas tentativas frustradas conseguiu um emprego de lenhador. Naquela época o mercado de lenha era forte. Havia muito fogão à lenha. Em sua própria casa era assim que se cozinhavam o feijão e o arroz. E o homem saía ainda com a lua, sempre feliz, assoviando, após tomar um gole de café preto, para lenhadora. Lá, com seu machado afiado, mãos calejadas, trabalhava arduamente, para ganhar o pão de cada dia. Mas, não era só o pão. Tinha que reservar para a luz, a água, a roupa, os sapatos, remédios, escola. Enfim, era difícil sustentar os cinco filhos com os míseros trocados que ganhava ao final do mês, depois de tanta labuta. Por sorte, enquanto trabalhava na roça, como meeiro de seu pai, economizara uns "cruzeiros" e comprara uma casinha de madeira, simples, desbotada pelo tempo, de três quartos minúsculos, uma salinha, cozinha e banheiro, em bairro privilegiado, central, onde à época moravam pessoas de posses. A menina tinha amigas bem abastadas-- de outra classe social, cultura, filhas de imigrantes espanhóis. Comiam bem, vestiam bem, viviam bem. Ela, criança pobre, acabrunhada, ficava sempre a cheirar a comida, os vestidos engomados de organdi, os brinquedos, a fartura das amigas. Não tinha inveja, mas morria de vergonha. Nunca falara que a vida lhe era tão rude. Naquele Natal , todas já tinham feito seu pedido ao Papai Noel. E se exibiam. Ela porém, sempre desconversava quando tocavam naquele assunto. No sítio não se importava de não ganhar presentes, tinha bonecas à vontade, de todas as cores, conforme as cabeças de milho iam amadurecendo, tinha-as douradas, louras, ruivas, morenas, ou então, as de abóboras grandes, bebês lindos, que a “ mamãe-noel-natureza “ lhe brindava gratuitamente, com generosidade! A mãe, sempre tão amorosa, fazia das tripas o coração para atender aos desejos das filhas. Vendia ovos caipiras a um certo Genésio. Um senhor de uns trinta anos, pele clara, cabelos ruivos, baixinho, esperto, que por lá passava toda semana. Vinha com sua caminhoneta Ford, azul, caindo aos pedaços, recolhendo tudo que podia pra revender na cidade. E a mãe poupava este dinheirinho para poder comprar - sem que o pai soubesse- presentes para os filhos. Na cidade era diferente, tudo tão caro - a mãe dizia: pra hora da morte! Mas tinha fé em Deus. Ah isto tinha, de sobra! -- a mãe, temente a Deus , católica fervorosa, lhe ensinara, desde pequenina. Toda noite pedia à Maria que não lhe deixasse passar aquele primeiro Natal na cidade sem presente. Sem uma boneca de vitrine, de vestido de organdi , olhos azuis, de vidro, cabelos louros, sintéticos. Em frente à sua casa, morava uma professora, Dona Erica, simpática, sorridente, casada com um turco, forte, bonito, e não tinham filhos. Muito caridosa, naquele Natal resolvera fazer uma rifa para ajudar os pobres. A tia da menina, sua madrinha de crisma, resolveu comprar um número da tal rifa e prometera que, se ganhasse, a boneca seria sua. A menina passou a não ter fome nem dormir até às vésperas do Natal, dia do sorteio, quando a amiga "espanhola", como era chamada, transbordando em felicidade veio trazer-lhe a triste notícia: havia sido sorteada na rifa da professora.

Benvinda Palma

Bemtevi
Enviado por Bemtevi em 14/12/2013
Código do texto: T4611265
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