LEMBRANÇAS
Joel vivia o primeiro Natal longe da família. Desde o mês de junho daquele ano, passou a “morar” num asilo. A única filha, Joelma, convenceu-o que “seria melhor para todos”, já que o marido dela, Vantuir, “Não agüentava mais a presença daquele velho”, frase que ouviu dias antes da internação. Não respondeu, só concordou, afinal não queria atrapalhar a vida da filha.
Viúvo há uns dez anos, Joel tocava a vida como podia, até o derrame que comprometeu os movimentos e os pensamentos. Desde então a filha, e a família dela, veio morar com ele. Com o tempo, o genro, Vantuir, foi assumindo o controle da casa, fato que provocou a resistência de Joel: “A casa é minha” disse numa discussão. Para sua surpresa, a filha ficou ao lado do marido e aí tudo mudou. Até aquele sábado, quando foi comunicado sobre a “Decisão da família”.
No asilo, encontrou novas amizades e o tratamento era muito bom, mas não era a sua casa, sua cama e a sua mesa. Porém, decidiu ficar calado e esperar o tempo passar.
E foi neste clima, que Joel vivia aquela véspera de Natal. Preferia ficar no seu quarto, mas a insistência dos funcionários e amigos fez com que ele fosse ao pátio onde acontecia a ceia. Ouviu os cânticos, bateu palmas quando os companheiros receberam presentes, sorriu para cada visitante e ao final voltou lentamente para o cômodo onde se abrigava. Sentou-se na cama e se permitiu pensar nos Natais que viveu durante seus noventa anos de vida. Lembrou-se ainda da doce Maria Luiza, sua esposa por cinco décadas; reviveu em pensamentos todas as etapas da vida; algumas provocaram sorrisos; já outras, algumas lágrimas; concluiu mandando um beijo para o ar.
Pensou também em Joelma. Sorriu ao lembrar do rostinho infantil dela; do primeiro dia de escola; das espinhas; das noites em que levantou para verificar a febre; das muitas dificuldades de adaptação; dos abraços; dos beijos e dos muitos “Papai eu te amo”. E assim, em meio a muitas lembranças, o “velho” Joel viveu o Natal, até que deitou seu corpo cansado e adormeceu.