O TOQUE FINAL
Dona Clarisse, Dona Clarisse! – Aproximava-se, meio trôpega carregando metros de fios que lhe caíam pelos braços, nossa empregada Neide, que concordou em nos auxiliar na véspera de Natal com a Ceia e a árvore.
– Dona Clarisse, eu liguei o pisca-pisca na tomada e ele está funcionando, sim! A senhora comprou um novo sem testar?
- Ah, Neide... Achei esse meio velho. Agora que o Marquinhos já tem idade para nos ajudar a montar a árvore, resolví comprar um novo, pode ter algum fio desemcapado, sei lá! Mas já que está funcionando, pode levar para você. Aposto que vai cair super bem na sua casa, em sua decoração Natalina! – respondí, sem tirar os olhos de marquinhos, que beirava os 3 aninhos e montava sua primeira árvore de natal. Ele pediu, antes de dormir, na noite anterior para montar a “ave” com a mamãe e eu, encantada com o pedido, disse que sim. Pedí a Neide que comprasse um novo pisca-pisca no caminho para cá, pela manhã. Tirei os enfeites do porão, limpei-os com cuidado, separei tudo que poderia machucar marquinhos e tudo que me lembrasse doces, pois em suas mãozinhas sapecas, tudo que lhe parecia meramente açucarado era levado à boca. E, em uma caixa grande, separei a grande estrela do topo. Exuberantemente dourada e brilhante. “O toque final”, como minha própria mãe costumava dizer.
- “Vemelho”! “Agóa malelo”! “Agóa... zú”! – dizia Marquinhos, super empenhado em revesar as cores dos enfeites e tornar a árvore o mais colorida possível até onde ele alcançasse. Estava cantarolando uma musiquinha de natal (composta pela própria imaginação) sobre papai Noel, presentes e “bolinhas de natal”, como chamava os enfeites, até que, de súbito, parou. Franziu a sobrancelha e virou-se para mim. Eu bem conhecia aquela expressão. Havia um dos seus “porquês” a caminho, ou pior, uma sequência inteira deles.
- Mamãe... – começou, pensativo. – “Pu quê” todo Natal você monta essa “ave”?
Foi então que parei para pensar. Eu sei por que eu monto a árvore de Natal. É uma tradição antiguíssima, à muito tempo nossas gerações o fazem. Mas como explicar isso para uma criança? Como dar à palavra “tradição” um significado criativo, especial, educativo? Eu já havia lhe falado inúmeras vezes sobre o menino Jesus, sobre anjinhos, mas ele tinha apenas 3 anos. Não se lê a bíblia para crianças de 3 anos esperando que elas se lembrem ou entendam o significado ou a profundidade de palavras sagradas. Não me lembrava também de ter feito a mesma pergunta à minha própria mãe! Peguei-me levantando o olhar para Neide, quase que em pedido de socorro, extremamente envergonhada por não conseguir proferir uma simples palavra. Um simples “porque sim!” ou algo menos explicativo como “pra a casa ficar bonita!”. O que Neide estaria pensando agora? De uma mãe que mal sabe explicar o significado de Natal para o próprio filho?
- Menino! – Disse ela enquanto colocava os fios do pisca-pisca atrás do sofá e dava a volta na árvore para pegar-lhe a mãozinha – Venha cá, preciso te mostrar uma coisa!
Ela apontou uma das bolinhas brilhantes penduradas quase ao pé da árvore – Olhe com atenção, o que você vê? – Marquinhos então fitou a bolinha vermelha com atenção, até que levantou os olhinhos e sobrancelhas sem mover a cabeça e disse – Bolinha de natal? – fitando-a como se a pergunta tivesse sido, no mínimo, idiota.
- Não, não, menino. Olhe mais de perto, aqui ó, dentro da bolinha! É você! – Então marquinhos viu-se refletido na bolinha de Natal. Neide então, o pegou no colo e apontou outra bolinha mais ao alto. – Olhe lá, ali sou eu, está vendo?! – Marquinhos viu Neide refletida em uma bolinha dourada. Então Neide caminhou para trás de mim; eu ainda estava sentada observando-os absolutamente surpresa com a espontaneidade e certeza de Neide enquanto ela mostrava ao meu próprio filho, algo que eu nunca havia me preocupado em saber mostrar, e então apontou para as bolinhas, todas de uma vez, de uma distância maior – Agora olha lá! Tem eu, você e a mamãe! Essa árvore, menino, simboliza o amor. E esse amor é cheio de galhos para você pendurar suas bolinhas. Só que cada bolinha que você pendura simboliza alguém que você gosta, ou alguém que te gosta muito. Quem tem as árvores de Natal mais enfeitadas e coloridas sempre tem muitos amigos, parentes e até mesmo anjinhos que te amam. - Marquinhos então pediu para voltar ao chão e começou a retirar todas as bolinhas que ele havia colocado na árvore, cuidadosamente.
- O que você está fazendo? – perguntou Neide em um tom meio desapontado – Você não entendeu a historinha?! – Marquinhos fez que sim com a cabeça mas continuou retirando as bolinhas até que a árvore estivesse vazia. Então ele pegou a primeira bolinha novamente, chegou perto de mim até que pudesse me ver refletida nela, andou até a árvore e pendurou, recomeçando a montagem – Essa é a mamãe! – Fez o mesmo com Neide, e com sí próprio. Não pude conter as lágrimas quando, depois, ele foi aos porta-retratos, refletindo os tios, os coleguinhas, avós, primos, foi até os brinquedos e refletiu os bonecos preferidos, nomeando a todos que gostava enquanto pendurava as bolinhas e nos pedia para levantá-lo para que pudesse pendurar as mais altas; até que todas acabassem. Quando terminou com as bolinhas, foi até a caixa grande, pegar a estrela dourada. O toque final. Foi até meu quarto, onde havia uma fotografia de seu pai na cabeceira da cama. Túlio era piloto chefe de uma companhia particular, geralmente não era possível tê-lo em casa no Natal ou em datas comemorativas tão especiais. Marquinhos refletiu o pai várias vezes, em cada uma das faces espelhadas da estrela. – Você vai ser o maior de todos, papai. Vai poder ver maquinhos e mamãe lá de “cimão”! Que nem você faz todo dia! – E voltou à sala correndo, passando por todos, com a “estela gândi” na mão até chegar ao pé da árvore. Levantou a estrela como se pudesse alcançar o topo, esperando ser levantado para colocá-la. Eu, e Neide o ajudamos a posicionar a estrela no topo da árvore e, ao final de tudo, Marquinhos orgulhou-se de ter a todos que tanto gostava pendurados nos galhos do amor, sem imaginar que, naquele mesmo dia enquanto dormisse, receberia o melhor presente de Natal de todos os tempos. O toque final.
Feliz Natal.
(Mariana Brito)