MAyall
MAyall não fazia a mínima idéia da distância a ser vencida naquela que seria a sua mais árdua empreitada. Nunca havia passado por uma experiência tal difícil e profunda. O espaço aéreo, sua via natural tão conhecida desde algum tempo após seu nascimento, não mais lhe oferecia o aveludado infinito onde flanar alternava quedas com a liberdade de controlar sua ascensão; O estado de alerta intensificou freneticamente as batidas cardíacas. Coisa que suas auto-consideradas vítimas, ao pressentir sua presença, imaginavam muito bem. Porém as intenções de MAyall não eram outras — e nunca o foram — além de seu talento puro para a caça da única “presa” que julgava importante: o vácuo. Era tudo que MAyall precisava... mergulhar na liberdade do vácuo — ato esse inaceitável tido como a maior tolice já empreendida por quem possua asas para voar. Só que para MYall, suas asas voavam para além da imaginação.
Mas com uma asa apenas, isso ficou impossível. E justamente agora que falta tão pouco para o encontro mais esperado de sua vida. Lá no cimo, à sua espera, estão os seus iguais.
O tempo voava e ninguém passava por ali. A sede lhe dava a sensação de que o sol estivesse na sua garganta. Sabia que seus iguais esperariam até esticar o limite máximo de espera como se o tempo fosse de borracha.
A capacidade da visão turvou-se acelerada pelo suor liberado em cascata por sobre os olhos; a nuca, de base de apoio, passou a ser um peso maior que o pescoço pudesse suportar; a queda era iminente... questão de poucos minutos.
O manto da noite cumpriu fielmente seu dever; as estrelas iniciavam seu lúdico ofício de perfurar o negrume do céu com seu brilho cintilante; a brisa, essa inesperada visitante, velava os intervalos semi-longos da ofegação de MAyall. Um atabalhoado besouro Titanus, no descaso do ato, bateu-lhe a fronte cedendo-lhe graciosamente um quase nocaute técnico.
O bico não fechava mais. E a reserva de esforço, aplicava na sustentação do bico aberto para evitar que colassem... aí seria o fim.
Esmagado pelo medo, jogou-se ao solo de costas. Sua última ação inteligente, supôs. Assim fazendo, evitaria que antes do último alento, lhe fosse impedido de ter como imagem gravada, o cosmos inapelavelmente majestoso nas suas miríades propostas do infinito.
Não se auto-comiserou. Esquecendo-se, perdoou a si mesmo por tudo que fez a si próprio, morrendo primeiro a ilusão de que, o mal que aos outros fizera, foram na verdade ações internalizadas no seu âmbito.
Descobriu que o reflexo mata reverberando aos poucos... e corta asas também.
Fechou os olhos mas não o olhar; o que lhe permitiu sentir o corpo elevar-se do solo. Num átimo, percebeu que tentar entender afasta o entendimento. Parou. Algo o movimentou rapidamente.
Uma voz suave o convida abrir os olhos.
Como se estivesse por detrás de um vidro embassado, os borrões semi-coloridos, se aproximavam vagarosamente.
Súbito, não havia mais solo; as estrelas borrifavam luminosidade que lhe refrescava a alma. Os iguais o seguravam alçando-o ao mais alto das alturas.
Sem a necessidade de qualquer expressão através das palavras, soltaram-no em pleno espaço onde não havia em cima e embaixo. Era tudo o que queria; era o seu mais ansiado presente tal qual uma criança anseia pelo mais desejado presente de Natal.
Flutuar na insubstância da liberdade trouxe de volta a asa que lhe faltava. E junto, a felicidade do amor dos iguais.