GENTE DE BRINQUEDO
Aproximava-se o Natal e Clarice estava muito pesarosa por não poder dar um presente à filha.
Ela sabia que a menina queria uma boneca, mas, se comprasse uma bonequinha barata com certeza ela não ficaria contente e o dinheiro que ganhava com as costuras que fazia mal dava para as necessidades mais prementes.
A televisão mostrava bonecas maravilhosas, cada uma mais incrementada que a outra e, é claro, caríssimas, muito além do que ela podia gastar.
Lurdinha passava horas diante da tela vendo as bonecas, mas nem se atrevia a pedir, pois sabia que a mãe não podia comprar.
Já na véspera, entregou as ultimas encomendas, recebeu o pagamento e foi com a filha a um supermercado comprar alguma coisa para a ceia.
Enquanto a mãe fazia as compras Lurdinha ficou na seção de brinquedos olhando as bonecas.
-- Sabe, mãe, eu estava fazendo de conta que todas aquelas bonecas eram minhas. Pus até nome nelas. Uma era Fernanda, outra Anita, outra Madalena...
E então Clarice teve uma idéia:
- O que você acha de nós duas juntas fazermos uma boneca para você.
- Você sabe fazer bonecas bonitas?
- São bonecas diferentes dessas da loja, mas são muito bonitas também.
Chegando a casa puseram mãos a obra.
Usando sobras de tecido, Clarice, habilidosamente montou a boneca e fez vários trajes para ela trocar.
Lurdinha ajudou, escolhendo, dando palpites, rindo das trapalhadas. Foi um custo para fazer os dois olhos iguais e colocar braços e pernas no lugar, mas o final foi maravilhoso. Uma bonequinha de pano, caprichosamente vestida.
- Mãe, vamos fazer mais uma? Assim elas serão irmãzinhas e poderão brincar juntas.
- É pra já, disse a mãe já procurando um retalho de feltro cor de rosa para a montagem da segunda bonequinha.
— Elas vão chamar Heloísa e Iracema.
— Estes não são nomes de bonecas.
— Mas elas não são bonecas, são gente de brinquedo.
— E qual é a diferença?
— Bonecas só fazem algumas coisas e gente de brinquedo faz tudo.
— Como assim?
— De faz de conta, ora.
— Distraídas nem viram as horas passar e quando o relógio deu as doze badaladas as duas amiguinhas bonecas estavam prontas, com vestidinhos de festa e sapatinhos de cetim para comemorar a noite de Natal.
Depois da ceia Lurdinha foi para sua cama com as duas bonequinhas ao lado.
Estava feliz, mais do que se tivesse ganhado a mais bela boneca da loja
A noite toda sonhou que as bonecas eram vivas, que andavam, falavam, tocavam piano e dançavam.
No dia seguinte contou o sonho à mãe:
Sabe, mãe, vou fazer de conta que elas são meninas de verdade, vou ensinar tabuada para elas, vou levá-las ao parque de diversões e vou por de castigo se fizerem malcriações..
Estava sentindo-se como uma mãezinha de verdade, que gera seu filho e acompanha todo o seu desenvolvimento, coisas que não se compram em uma loja qualquer, emoção que não é sentida pelas crianças que ganham uma boneca sofisticada porque o pai tem dinheiro para pagar e que bem pouco tempo depois já a abandonam.