Conto Natalino
Conto de Natal
Chovia fininho lá fora. Dentro da casa pequena e cheia de gente, a menina brincava com suas bonecas, tentando esquecer a dor insuportável que sentia nos quadris. Já mostrara para os adultos, através de gestos, que não estava suportando tamanha dor.
As mulheres olharam umas para as outras, eram três, e estavam aterrorrizadas. A menina largou a boneca e procurou sentar-se no chão no fundo da enorme sala. Seu rosto se transformava a cada momento, com contorções de medo, dor, desespero. Era uma menina. Não tinha ainda dez anos, estava próximo do seu aniversário. Uma das mulheres Maria se aproximou da menina e começou a fazer-lhe gestos para se acalmar, mas não adiantava. Maria começou a falar com os outros, em sua língua materna, um dialeto índio, para que os homens fossem procurar ajuda no povoado. Um deles o mais ativo, Solimões, não tarou em atender Maria. Quando a viu preocupada e tão agitada saiu correndo.
Passou-se uma hora e meia. A casa estava toda em confusão. Os médicos chegaram, e correram a ajudar a menina. Logo ela estaria livre de seu suplício. Só ouviu-se o motor da caminhonete saindo na chuva fininha. Maria acompanhava a indiazinha. No caminho até a pequena cidade, rezava para o menino Deus. Sempre que tinha alguma preocupação, e estava desesperada, lembrava de rezar para aquele menino tão bonito em seu berço de palha. Ainda menina Maria tinha sido levada para a cidade e se afastou de sua família. Estudara com as freiras, e acabou adotando os costumes dos brancos. Convivia com eles, mas sabia que não era “branca”.
A indiazinha torcia os lábios, revirava os olhos, se contorcia. Os médicos que a assistiam, já estavam preparados para atendê-la em uma emergência. Só não esperavam que fosse tão rápido, assim de repente.
Luana, era órfã, tinha sido encontrada há uns três anos, no meio da selva. Estava desidratada, desnutrida, sem memória. Os soldados que faziam treinamento, ficaram surpresos em encontrar uma menina índia tão bonita, quase morta, abandonada no meio da selva. Ela foi levada para a pequena cidade, onde ficou a morar com as freiras. Com o tempo descobriu-se que Luana era surda-muda. Isto dificultava muito qualquer comunicação. Em três anos Luana se modificou, adquiriu segurança e a menina inteligente que era logo desabrochou. Maria não sabia que a amaria tanto como uma filha e que um dia estaria ao seu lado em momento tão importante e solene.
Maria rezou, rezou, e rezou na pequena capela que tinha perto do hospitalzinho. Quando a noite chegou escura, a chuva cessou. Foi dar uma espiada em Luana na enfermaria, estava no soro com alguma medicação, e parecia um pouco mais aliviada.
A doutora chamou Maria e falou: - Não passa desta noite. Já solicitamos socorro emergencial, não temos condições de operá-la aqui vamos transferi-la para Cruz das Missões. Maria ficou assustada, não esperava por esta notícia. Perguntou a medica se poderia acompanhar e recebeu um aceno de cabeça afirmativo.
O helicóptero foi rápido, em menos de quarenta minutos percorreu o trajeto entre as duas localidades. Luana foi atendida rapidamente, pois seu caso inspirava cuidados.
Foi submetida a uma cesariana. Os médicos muito conscientes estavam prontos para qualquer surpresa do destino. E ela veio. Um pouco depois da meia-noite o pequeno
indiozinho dava seus primeiros gemidos anunciando sua chegada ao mundo.
Apesar de prematuro era um menino forte e muito bonito. Maria só descansou quando soube que Luana não iria morrer e que o menino estava bem. Procurou um canto do hospital e ficou lá a rezar. Lá fora após a chuva o céu estava com poucas estrelas tímidas que teimavam em aparecer. Foi quando Maria notou uma que brilhava muito forte na direção do hospital em que estavam.
Sorriu para si mesma. Com a preocupação que teve com as dores de Luana e assistir a todo aquele sofrimento no meio de índios e brancos, esqueceu-se que era noite de Natal.
No dia seguinte, Luana recebeu a visita de Maria e de outras pessoas que conheciam sua história. Ela segurava seu bebê no colo, apesar de frágil.
A médica que fez o parto de Luana entrou sorrindo e disse em alta voz: - Muitos não acreditam, mas hoje comemoramos um verdadeiro “Natal”. Este menino é a prova disto. Quem sabe ele não é Jesus, que veio nos alegrar?
Uma estranha magia invadiu toda a enfermaria, um halo de luz envolveu aquele ambiente em especial. Lá no alto, anjos sobrevoavam felizes, por terem assistido a jovem índia e o nascimento de seu bebê.
O sorriso de Deus podia ser percebido entre as nuvens, onde um coro de anjos entoava melodia divinal para comemorar o Natal. Jesus adormecido no colo de sua mãezinha índia prometia uma era de paz ao mundo.