FOLHAS DE DEZEMBRO - AMIGOS

Todas as manhãs se encontravam naquela praça e alí, curtiam os momentos como dois amigos que tinham muita coisa em comum: Ambos aposentados, mais de oitenta anos, viúvos, não contavam mais com a presença dos filhos, insistiam em continuar a vida com independência e decidiram ser amigos com encontros diários E naquela praça, realizavam diariamente um culto a amizade. Sorriam, brincavam, jogavam damas, comentavam as mudanças da sociedade, relembravam outros tempos, sorriam, choravam e insistiam na vida.

Assim foi por longos anos, até que um dia, Adolpho, um deles, chegou e não encontrou Djalma, o outro. Esperou, esperou, esperou e... nada. "Cadê aquele cachorrão?" pensou. Logo depois, viu quando Fininho, o rapaz do doce, surgiu na esquina da praça. Fininho encontrou com o rosto preocupado de "seu" Adolpho e foi logo falando: "Djalma ligou ontem para farmácia se queixando de dor de cabeça e pediu que levassem um analgésico na casa dele. Assim que o entregador chegou, chamou, chamou e como ninguém atendeu, entrou na varanda e viu o Djalma caído no chão da sala. Chamou o socorro. O levaram para o hospital. Parece que foi um derrame."

Adolpho ouviu o relato em silencio. Sentiu o coração entristecer. Foi pra casa e lá ficou sem saber o que fazer.

No outro dia, procurou o tal hospital e soube que o amigo estava em coma, e de acordo com as informações era irreversível. Pediu pra ve-lo, mas não pôde. Foi pra casa e chorou amargamente.

No outro dia decidiu voltar ao hospital. No outro também, até que, com o passar do tempo, passou a ser conhecido por todos.

Num dia 24 de dezembro, se preparou mais uma vez para visitar o velho amigo; só que desta vez levou um ramo de flores. Chegou a recepção e fez com que seu olhar falasse. Jandira, a recepcionista, com os olhos marejados, decidiu ir a sala do diretor do hospital, Dr Geraldo.

"Doutor, eu sei que é contra as normas, mas há três meses ele vem aqui todo dia saber do amigo. Hoje ele trouxe um ramo de flores. Não me pediu nada, eu que estou pedindo: deixa ele ver o paciente". Uma hora depois Adolpho atravessava o corredor e entrava na pequena sala onde encontrou o amigo Djalma. Magro; Tubos por todo o corpo e um olhar sem vida. Mas, ainda seu amigo e por isso ficou feliz por reve-lo. Pôs a mão sobre as mãos de Djalma e disse:"Feliz Natal".

Próximo do leito, Dr Geraldo observava a cena junto com Jandira. Emocionado, perguntou: "Jandira, o paciente está a morte, há tempos em coma, será que ele sabe que o amigo está aqui?"; Jandira olhou para o médico e respondeu: "Doutor, o amor tem linguagem própria. Tenho certeza que ele sabe".